Tem origem genética, funciona como uma assinatura pessoal e intransmissível mas, ainda assim, muda ao longo da vida e continua a esconder alguns mistérios. É assim o sorriso humano, imagem de marca de inúmeras estrelas, como é o caso da apresentadora de televisão Catarina Furtado.

Para compreender melhor os mecanismos que dão vida ao nosso rosto, desafiámos Freitas-Magalhães, um psicólogo que se dedica ao estudo da expressão facial há mais de 20 anos, a revelar-nos os segredos deste traço e de outras emoções...

O que define um sorriso?

O sorriso é identificado por dois aspectos essenciais: estrutura e funcionalidade. A primeira diz respeito ao conjunto de músculos necessário para a exibição do sorriso no rosto, a segunda à construção cerebral e à utilidade neuropsicológica prática do sorriso.

Existem vários tipos de sorriso?

Na minha linha de investigação e à semelhança do exposto na literatura científica, lido com três tipos de sorriso: o fechado, o superior e o largo, em contraste com a face neutra.

Que diferenças existem entre eles?

No sorriso largo os lábios estão separados, há elevação das comissuras labiais e exibição das fileiras dentárias. O rosto apresenta alterações fisiológicas significativas e movimento dos músculos.

No sorriso superior também temos os lábios separados e a elevação das comissuras labiais, mas exibe-se apenas a fileira dentária superior e o rosto sofre alterações mas o movimento é menos intenso.

No sorriso fechado temos os lábios juntos, elevação das comissuras labiais sem exibição dentária, o rosto não apresenta alterações significativas e o movimento muscular é reduzido.

O sorriso é algo inato ou adquirido?

O sorriso é inato. Por exemplo, os nados-cegos nunca viram um sorriso e conseguem sorrir.

Recentemente com o auxílio de ecógrafos a três dimensões até já é possível verificar o sorriso do feto. Não é pacífica, ainda, a explicação da função daquele sorriso.

Qual é a sua função primordial?

A par da alimentação e do sono, o sorriso tem uma função biopsicológica essencial. Já imaginou se o bebé apenas chorasse? Os pais iriam pensar que estava sempre em desconforto.

É pelo sorriso que se cria um processo de vinculação e de recompensas interpessoais. O bebé, mais do que ninguém, sabe tirar proveito da exibição do sorriso.

O que pode condicionar a expressão de um sorriso?

O género, a idade e o contexto social. Por exemplo, as mulheres sorriem mais frequente e intensamente do que os homens; o sorriso é mais comum e intenso na idade reprodutiva e o contexto social pode inibir a exibição do sorriso.

Em determinados contextos põe-se no rosto um determinado sorriso, nem sempre o mais adequado.

Veja na página seguinte: Como o sorriso pode ajudar a recuperar doentes depressivos

O acto de sorrir pode contribuir para nos sentirmos mais felizes?

O sorriso pode ajudar na recuperação de pessoas depressivas. O contacto com imagens positivas, como por exemplo o sorriso superior e largo, potencia o fortalecimento de pensamentos positivos.

A que sinais devemos estar atentos para distinguir um sorriso autêntico?

Em primeiro lugar, não é preciso estar atento. O córtex cerebral é exímio e, ao primeiro contacto, detecta logo que o sorriso não é congruente.

Por outro lado, há aspectos que identificam claramente as diferenças entre um sorriso falso e um verdadeiro: a assimetria do rosto, os defeitos electromiográficos (da actividade neuromuscular), o sistema de exibição tipo «pisca-pisca», a ausência das chamadas ruguinhas junto aos olhos, ou, as incongruências no orbicularis oculi (movimento de elevação da bochecha e de enrugar a pele em torno dos olhos) e do intradiscurso (o que está a ser dito).

No seu livro refere que existem diferenças de género no sorriso...

O sorriso não é um exclusivo feminino, mas é imanente à mulher. A mulher sorri mais frequente e intensamente, embora, em inúmeras vezes o faça mais em tensão do que em descontracção.

A sociedade exige à mulher que seja agradável, daí a exibição do sorriso como sinal dessa conduta.

Em que difere o sorriso feminino do masculino?

A mulher utiliza-o mais como argumento de sedução, enquanto o homem o faz para delimitar o seu desejo de dominação. Por outro lado, a mulher é mais espontânea enquanto o homem é mais racional na exibição do sorriso.

No livro «A Psicologia do Sorriso Humano» afirma que o sorriso pode representar a identidade cultural. Como descreveria o sorriso português?

A cultura é uma das variáveis moderadoras da produção e exibição do sorriso. O sorriso português é afectado por essas variáveis e, como tal, neste momento, é um sorriso com propensão para a contenção de afectos positivos e revelador de preocupação social.

Refere que um «rosto pode exibir mais de dez mil expressões». Quais são as principais?

As mais frequentes são as emoções básicas (alegria, tristeza, cólera, medo, desprezo e aversão) porque são o reflexo do que fomos, somos e seremos.

Que emoções são difíceis ou mesmo impossíveis de ocultar?

Todas. Quando mais se tenta ocultar, mais se revela. Há movimentos musculares que estão fora do controlo voluntário.

A nossa expressão facial pode mudar ao longo da vida?

Pode e muda. O rosto é o palco da nossa vida. Até naquelas pessoas que mostram aparentemente quase sempre a mesma expressão, tal não passa disso mesmo (aparência). Enquanto se vive o rosto é o espelho desse movimento.

Ao longo de 20 anos de pesquisa sobre as emoções o que mais o surpreendeu?

Por exemplo, constatar cientificamente que a identificação e o reconhecimento das emoções básicas são moderados pela inteligência. Continuo a ser surpreendido, todos os dias.

Veja na página seguinte: O que esconde o sorriso de Mona Lisa

De que forma poderão as descobertas sobre as emoções humanas ser relevantes noutras áreas, como a investigação criminal?

A análise da expressão facial da emoção deve ser utilizada pela investigação criminal, a par de, por exemplo, a electroencefalografia, a ressonância magnética e a visualização ocular.

A aplicação de instrumentos científicos, como o FACS (Facial Action Coding System) de Paul Ekman, devia ser adoptada na investigação criminal. Defendo, há
imensos anos, que os interrogatórios judiciais deviam ser gravados em vídeo para se analisar o que não é dito. Para isso, é necessário uma revisão do Código Penal português.

Estou certo que o Psy7Faces, a plataforma informática para detectar incongruências emocionais que está em desenvolvimento no Laboratório de Expressão Facial da Emoção, será um marco na investigação criminal.

Que análise faria do sorriso de Mona Lisa?

É um sorriso fechado. O sorriso de Mona Lisa é a prova (se outras não houvesse) do poder do sorriso humano.

Acha que se no lugar do sorriso, Leonardo pintasse um riso, a tela seria motivo de inúmeros estudos e de sucessivos pontos de interrogação?

O percurso de Freitas-Magalhães

Doutorado em Psicologia, professor associado da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais e da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Fernando Pessoa no Porto, e fundador e director do Laboratório de Expressão Facial da Emoção, dedica-se à investigação das funções e repercussões do sorriso no desenvolvimento das emoções e atitudes interpessoais.

Desenvolveu Psy7Faces, uma plataforma que detecta incongruências faciais, e F-M Portuguese Face Database, F-M Emotional Intelligence Scale e Smile Perception Scale.

Foi considerado pelo Emotion e pelo The Human Face um dos mais conceituados investigadores mundiais no estudo das expressões faciais e distinguido, em 2007, como Educador Internacional pelo Centro Biográfico Internacional (IBC) de Cambridge.

Publicou vários livros, como «A Psicologia do Sorriso Humano» e «A Psicologia das Emoções: O Fascínio do Rosto Humano» (edições Universidade Fernando Pessoa).

Texto: Manuela Vasconcelos
Foto: Artur (com produção de Mónica Maia)