Há quase 400 anos, o filósofo francês René Descartes conceptualizava o funcionamento como uma dualidade entre corpo e mente, físico e psicológico – dualismo cartesiano. Esta teoria colocava o indivíduo na dicotomia entre uma substância pensante, estática e sem movimento, e uma substância extensível, com massa própria e capaz de se movimentar pelo espaço. Apesar das capacidades psicológicas dos indivíduos, como memorizar e pensar, Descartes assumia que a mente não estaria sujeita às leis da física, tratando-se, portanto, de algo inalterável, ao contrário do corpo. Curiosamente, outros filósofos como Kant ou, mesmo, Platão, assumiram a mesma dualidade.

Como disse António Damásio, na sua obra O Erro de Descartes (1994) - sem se referir ao próprio Descartes -, existe um erro quando tendemos a separar as partes, assumindo que corpo e mente não estão interligados.

E tantos anos depois de se perceber que mente e corpo são indissociáveis, o funcionamento que temos do dia-a-dia impede-nos, muitas vezes, de percebermos esta ligação, levando à negligência pessoal do que a este binómio diz respeito.

Quando a mente se liga ao corpo

É normal focarmo-nos em certas actividades, em determinados pontos da nossa vida que se apresentam como prioritários naquele momento e, sem notarmos, vamos ficando mais cansados psicologicamente. Este é aquele sinal de que não estamos a sair da mesma frase, ou que aquela imagem não está a fazer sentido. Já percebemos mal o que nos dizem e, situações banais, são mal interpretadas. Estes são erros de percepção simples, provocados pelo excesso de trabalho psicológico.

Queremos continuar a correr sem estar focados nos objectivos e, por muito que assim aconteça, o resultado não será o desejado. É necessário que existam trocas entre o trabalho psicológico de aprendizagem, atenção e memória com actividades de lazer que libertem a sobrecarga cognitiva.

Já dizia António Variações que “quando a cabeça não tem juízo, o corpo é que paga”.

Quando o corpo se liga à mente

O estado de doença física, por exemplo, gera várias alterações na nossa rotina diária. Dependendo da doença e das funcionalidades que são perdidas ou alteradas, nem que seja durante um único dia, as capacidades de memória, aprendizagem e atenção estão condicionadas à falta de estímulo. É importante que, mesmo nestes casos, a mente seja estimulada com diversas actividades, desde a comunicação verbal, à leitura, ou outras actividades prazerosas para o próprio. Se assim for, o regresso ao dia-a-dia será mais fácil de ser acompanhado pela mente.

Outro caso comum, na agitação diária que hoje em dia nos é imposta, é o cansaço que está acumulado no final do dia. Pelo trabalho, pelas conversas, pelo peso que, por vezes, carregamos. Por muito que nos esforcemos, a básica tentativa de concentração e motivação numa determinada tarefa é dificultada. Parece que o cansaço faz algum barulho distractor, como se nos chamasse e levasse a nossa atenção cada vez que a tentamos centrar em algo. É necessário parar um pouco. Perceber quando temos de dar algum tempo de descanso ao nosso corpo, a nós próprios, para podermos ter a energia suficiente para continuar focados e motivados. Faça pausas ao longo do dia – pausa para café, pausa para almoço – e, se já as tem aproveite bem, para si, o tempo dessas pausas, sem se apressar ou pensar no que tem para fazer… terá tempo para isso depois da pausa.

O nosso erro é, assim, parecido com o de Descartes. Partimos do princípio que temos poderes infinitos, onde a nossa capacidade de regeneração é muito rápida mas, no entanto, não é assim. É necessário dar atenção aos sinais da mente, bem como aos sinais do corpo. Não vivem em bem-estar um sem o outro, pelo que é necessário fazer pausas, ter tempo para si, tempo de lazer e tempo de produtividade, mas saber estar em ambos os lados, sem negligenciar qualquer um deles. Mente sã em corpo são, corpo são com mente sã.

Tiago A. G. Fonseca

Psicólogo Clínico

Psinove – Inovamos a Psicologia

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