O paradoxo não deixa de dar que pensar. «Temos um nível de vida como nunca tivemos e andamos cansados e frustrados», sublinha João Delicado. Nos workshops que realmente promove, alguns deles em cenários inesperados como o Oceanário de Lisboa, procura por o dedo na ferida, apelando para a necessidade urgente da busca da interioridade. «Andamos a tentar salvar um estilo de vida que está caduco», defende, em entrevista.

Como é que despertou para esta temática?

Pela insatisfação. Se, de início, era apenas uma espécie de mal-estar, a sensação que me dizia que «a vida não pode ser só isto» foi-se tornando mais e mais evidente e já não o podia ignorar. Tinha de haver mais. A vida tinha de ser mais rica, mais saborosa, mais plena… Tenho muito a agradecer a esse vazio que senti, o facto de me ter posto em procura, sedento de perceber o que poderia significar esse mais. Posso dizer que foi a insatisfação que me salvou de ficar reduzido a uma vida morna e insossa.

Numa sociedade agitada e permanentemente em rede como a que vivemos, qual a importância da interioridade?

Repare, gastamos uma montanha de dinheiro para ter o último grito da tecnologia mas depois andamos aos gritos uns com os outros. Vivemos como no tempo das cavernas. Isso mostra que a evolução não está na tecnologia. Há que clarificar: uma coisa é o nível de vida, outra coisa é a qualidade de vida. Hoje em dia, temos um nível de vida como nunca tivemos, e como não tem a maior parte da população mundial, e andamos cansados, frustrados, sempre a falar de crise.

E é verdade que a nossa crise é grave mas pergunte-se aos que mais sofrem. Pergunte-se aos refugiados o que acham da nossa crise! O que está em crise é o nosso modo de vida, que não serve. Andamos a tentar salvar um estilo de vida que está caduco. O que nos falta é qualidade de vida. E essa chega pela interioridade.

Por isso, a interioridade é uma questão de vida ou de morte. Ou aprendemos o vocabulário e a gramática das coisas interiores ou continuamos a alimentar a superficialidade e a construir vidas de fachada, que até podem ser muito sexy, mas caem à primeira tempestade.

No meio da correria do dia a dia, ainda há tempo para desenvolver a nossa interioridade?

No meio de uma batalha, há tempo para corrigir a estratégia de combate? No meio de um fogo, há tempo para pensar a melhor maneira de atacar as chamas? No meio de uma viagem, há tempo para verificar se estamos no caminho certo? Se não há, é desastre garantido. Assim também com a nossa vida. Pomo-nos a correr, mas para onde? Para quê? Imagine que um treinador punha os seus jogadores em campo e lhes dizia «Agora corram!». Que resultado teria? Um desastre!

Seria uma corrida desprovida de propósito, vazia de significado. Há quem lhe chame, com piada, «the rat race», [corrida de ratos, em tradução literal]. É isso que muitos andamos a fazer connosco e com os nossos filhos. E não resulta porquê? Porque nós não somos máquinas. Se fôssemos máquinas bastaria sermos programados uma vez e, depois, seria uma questão de ir fazendo a manutenção e cumprindo o protocolo.

Mas nós somos humanos. Temos um lado de dentro que é um tesouro à espera de ser revelado. O mundo espera ansiosamente que cada um revele a luz e a vida que traz dentro de si. E é essencial perceber isto. Não estamos aqui para sermos perfeitos, estamos aqui para sermos inteiros. Ora isso só se consegue cultivando a interioridade. Por isso temos de voltar a aprender a semear, a esperar e a colher. Por dentro.

Veja na página seguinte: As redes sociais e a nova geração de solitário

Há quem defenda que as redes sociais estão a criar uma nova geração de solitários. Essa solidão é positiva para quem pretende desenvolver a sua interioridade ou é apenas mais uma forma de dificultar as relações que temos com os outros?

É verdade. Nós, que vivemos ligados por toques, tweets e posts, sabemos bem como tudo isso, sendo dinâmico e divertido, não nos poupa à solidão. A explicação desse fenómeno é simples. Por um lado, a multiplicação das relações torna-as mais epidérmicas. Por outro lado, a permanência excessiva em ambiente digital afasta-nos de quem nos é próximo.

Afasta-nos daqueles com quem realmente partilhamos o pão. «Cum panis», diz a expressão latina para companheiro. E isso gera solidão. Mas essa solidão é ainda uma solidão estéril, porque nos rouba à riqueza das relações e não dá nada em troca. Outra coisa, completamente diferente, é a solidão fecunda que a interioridade pressupõe.

Esta implica que nos isolemos, não para nos distanciarmos dos outros mas para que, ao fazermo-nos mais presentes a nós mesmos, nos possamos dar com outra qualidade às nossas relações. Mergulhamos em nós, para nos pacificarmos, para saborear e arrumar tudo aquilo que nos compõe, para depois voltar à tona da água e sermos mais livres, mais disponíveis, mais generosos.

Que conselhos daria a quem tem pouco tempo mas, ainda assim, gostaria de melhorar a sua interioridade e a relação que tem consigo e com os outros?

Posso dar exemplos de estratégias que funcionam comigo. De manhã, logo ao acordar, começo por um pacote vital, inventado por mim, composto pelos quatro elementos, ar, água, fogo, terra. Na prática, isso consiste em fazer exercícios de respiração abdominal, beber uns bons goles de água, alimentar o espírito com um tempo de meditação e, a seguir, o corpo, com um pequeno almoço nutritivo.

Depois, durante o dia, no autocarro, no metro, nas esperas, tenho sempre um bom livro que me ajude a mergulhar em mim. À noite, não tenho cão mas tenho o hábito de dar um passeio descontraído pelo bairro antes de dormir. E ajuda-me imenso! Faço o resumo do dia, recordo e saboreio algum momento, algum encontro particular. Todos estes são hábitos que me ajudam a respirar e a arejar a minha casa interior.

Mas não têm de ser estes… O importante é que cada um encontre o seu modo. Tudo isto sabendo que, quem quer uma vida melhor, tem sempre de prescindir de ocupações vazias e ladrões de tempo que distraem sem trazer proveito, sem fazer crescer. Basta parar um pouco e pensar para nos interrogarmos. Quero realmente melhorar a minha interioridade? Quero! Então, o que posso fazer? E a resposta virá…

Veja na página seguinte: Os exercícios que ajudam a descobrir a nossa interioridade

Como é que workshops como os que promove ajudam a desenvolver a interioridade, melhorar o desenvolvimento pessoal holístico e a relação que temos connosco e com os outros?

As pessoas que vêm ter comigo conhecem-me do meu blogue, conhecem-me da página Facebook Ver para além do olhar. Sabem o que escrevo. Sabem que parto sempre da minha experiência pessoal. Tive 13 anos de estudos universitários, fiz três licenciaturas e é verdade que recebi imenso. Mas também é verdade que quase asfixiava com tanta teoria.

Aprendi que não vale a pena ser cerebral se isso não nascer do sangue, do suor e das lágrimas do dia a dia e se não nos devolver melhores para os desafios concretos que cada um tem. Daí que assuma isso também como metodologia de trabalho. Durante o workshop, sigo um método eminentemente prático.

Proponho uma série de exercícios e depois, então, estimulo a reflexão. Apresento cinco portas da interioridade, cada porta com o seu vocabulário e a sua gramática específica. No fim do workshop, as pessoas levam para casa um mapa da interioridade que as ajudará a continuar a sua exploração.

O facto de alguns dos seus workshops decorrerem em espaços como o Oceanário de Lisboa influencia essa ação ou o local é completamente irrelevante. Se sim, em que medida?

Ser no Oceanário é espetacular! Assim que me fizeram o convite, aceitei logo. Depois, pensando melhor, senti-me ainda mais afortunado. De facto, não imagino lugar melhor no mundo para fazer o workshop de introdução à interioridade. Tenho de revelar um segredo. A metáfora principal desta formação é exatamente o oceano. E, por isso, é tão adequado usufruir daquele espaço.

Já seria um privilégio fazer uma formação no Oceanário pelas condições que oferece, por se tratar de um edifício único e tão vivo, mas é-o ainda mais porque tem tudo a ver com aquilo que ali vamos tratar. Nada melhor que ter uma experiência imersiva ao vivo e a cores para entrar literalmente na metáfora do mergulho interior. A metáfora só falha num aspeto mas sobre esse tema vou ter de guardar segredo porque é um exclusivo para os participantes no workshop. De resto, só posso dizer que estou nas nuvens com esta oportunidade. Estou em pulgas para iniciar os participantes ao mergulho em si.

Texto: Luis Batista Gonçalves