Gostar de nós próprios é um pré-requisito fundamental
para nos sentirmos confiantes e confortáveis na vida. Mas quando essa
autoestima é excessiva e se alia a uma imagem fantasiada e desfasada
da realidade, podemos estar perante uma perturbação de personalidade.


Descubra os principais sinais que denunciam o transtorno da
personalidade narcisista.

Conheça ainda o que, segundo os especialistas, está na sua origem e até onde podem
ir os narcisistas para atingir os seus objetivos. Vai, seguramente, ficar surpreendida com o que vai ler e descobrir.

Falsa autoestima

Quando interagem com os
outros, parecem confiantes. Mas,
na verdade, são pessoas frágeis
que, na solidão, se sentem inúteis
e incompreendidas. Segundo o
psicólogo clínico Vítor Rodrigues,
«as pessoas narcisistas tendem,
com frequência, a inflacionar a
imagem de si mesmas, quer na
versão apresentada a si, quer
aos outros. Estão empenhadas
em autopromover-se, em busca
do poder pessoal, prestígio e
admiração e, para isso, costumam
colocar-se acima dos outros
como se valessem mais que eles».
Esta imagem hipervalorizada que
desenvolvem surge, de acordo
com o especialista, como «uma
defesa contra sentimentos de
vergonha e desvalorização»

Sedução versus manipulação

À primeira vista, além de
transmitirem uma forte
autoestima, podem ser muito
sedutores. Mas essa é apenas
mais uma das suas farsas. «Os
narcisistas fingem-se interessados
nos outros e apreciadores
deles, sem que isso seja verdade
porque só se apreciam a si
mesmos», alerta Vítor Rodrigues.
«Como gostam muito de se
sentir poderosos e importantes,
procuram, frequentemente,
chegar lá, prejudicando
e diminuindo os outros, superiorizando-se ao fazerem
com que se sintam mal. No
trabalho, podem usar os colegas,
mentir-lhes, prejudicar-lhes
as carreiras, sentindo que têm
direito a tudo isso por serem
tão bons e tão importantes»,
revela o psicólogo.

Relações perigosas

Atropelar os sentimentos
e direitos alheios é outro
comportamento típico deste
transtorno de personalidade.
Por isso, as relações que
estabelecem com os outros são
completamente desprovidas de
qualquer empatia e compaixão.
Segundo o psicólogo, os
narcisistas são, muitas vezes,
vampiros emocionais, «pessoas que se enchem de
energia e auto-importância
ao diminuírem ou perturbarem
os outros. Estão de tal modo
focados em si mesmos que
manipulam os outros e os
seus sentimentos para obter
benefícios pessoais, como
prestígio, poder e riqueza».

Ausência de autocrítica

Outra das características comuns
no transtorno de personalidade
narcisista é a incapacidade para
lidar com as críticas.
«Os narcisistas desenvolvem uma
imagem grandiosa de si mesmos
(por vezes, até delirante) que
apresentam aos outros e em que
tendem a acreditar. Talvez, por isso,
também revelem uma autocrítica
muito reduzida», refere Vítor
Rodrigues. «No geral, falta-lhes a
perceção realista de si mesmas e a
capacidade de ponderar o feedback
ou a crítica dos outros de modo
equilibrado e maduro», explica o
especialista.

Um problema da infância

Segundo Vítor Rodrigues, a
origem deste transtorno recua,
na maioria dos casos, à infância.
«As pessoas que, na infância, não
foram verdadeiramente amadas
e apreciadas por si mesmas e
que não foram reconhecidas
pelos adultos relevantes das suas
vidas, têm maior tendência para
desenvolver esta perturbação da
personalidade», afirma. A teoria
é explicada no livro «Narcisismo»
(Almedina), de Jeremy Holmes,
consultor psiquiátrico e diretor
do departamento de psicoterapia
do Royal College of Psychiatrics,
no Reino Unido.

Veja na página seguinte: A rejeição paternal na origem do problema

«Os pacientes
deste tipo pensam que não foram
desejados pelos seus pais ou que
são responsáveis pelas coisas
terríveis que as suas mães viveram
depois do seu nascimento (...)
como a depressão pós-parto ou
o divórcio», explica o autor.

«E tudo isso sugere um
si-próprio narcísico precocemente
frustrado», sublinha ainda.

Um eu perdido

Os narcisistas não têm uma
identidade autêntica porque
faltou-lhes sempre, como lhe chamam alguns especialistas, «um
espelho».

Uma figura, representada pelos pais e pelos professores, que os ajudassem a construir
uma imagem sólida de si
mesmos e é por essa razão
que, na idade adulta, não são
capazes de distinguir o que
imaginam ou idealizam da sua
realidade. O psicólogo Vítor
Rodrigues, baseado na sua
prática clínica, confirma. «As
pessoas narcisistas, quando
são demasiado elogiadas ou,
pelo contrário, severamente
criticadas ou ridicularizadas,
tendem a desenvolver uma
inabilidade em lidarem consigo
mesmas e em encontrarem-se a si mesmas», refere.

O papel da psicoterapia

O tratamento passa pelo
recurso à psicoterapia.
A intervenção psicológica
pode ser muito útil para ajudar
os narcisistas a conhecerem-se de modo realista e a
apreciarem os sentimentos
alheios. O especialista adianta,
no entanto, que é «muito
difícil as pessoas com este
transtorno reconhecerem
que precisam de ajuda
psicológica, já que, aos
olhos deles, são demasiado
perfeitos e importantes». O
acompanhamento psicológico
é mais procurado, segundo o
psicólogo, pelos «narcisistas
moderados». E, nestes casos, «a
psicoterapia ajuda as pessoas a
tornarem-se mais construtivas,
realistas e afáveis».

Conquistar o verdadeiro ego

Para que as pessoas com
transtorno de personalidade
narcisista consigam vencer a
imagem irrealista que têm de
si próprias e construir relações
saudáveis, o especialista defende
que «é necessário que aprendam
a avaliar-se com realismo e a
desenvolver consideração e
sensibilidade pelos outros».
A solução pode estar em atitudes
como a auto-observação e a
observação cuidada dos outros e
dos seus sentimentos.
A capacidade de amar sem
segundas intenções, de seduzir
os outros com naturalidade, de
acreditar neles e de ter verdadeiro
afeto para com eles são outras
mudanças fundamentais.

Serei narcisista?

«As pessoas que apresentam
falhas no desenvolvimento
da autocrítica, que são muito
centradas nas suas necessidades
e interesses ou que não distinguem bem
o que idealizam da realidade, são boas
candidatas a narcisistas»,
alerta o psicólogo clínico
Vítor Rodrigues.

A influência das redes sociais

Um estudo recente
realizado pela
Western Illinois
University, nos
Estados Unidos da
América, constatou
que os jovens com
mais amigos no
Facebook e que
atualizam o seu
estado várias vezes
durante o dia, têm
mais tendências
narcisistas. Segundo
os investigadores,
as pessoas que têm
uma necessidade
acrescida de se
sentir bem sobre
si mesmas usam
o Facebook para
obter o feedback
que precisam
para se tornarem
o centro das
atenções. O psicólogo clínico
Vítor Rodrigues
confirma que
«o Facebook é o
terreno de eleição
para elaborar
uma imagem falsa
e apresentá-la
publicamente,
uma das principais
características
do transtorno da
personalidade
narcisista».

O mito do narciso

A designação de
narcisista deriva do
mito do Narciso,
da Mitologia
Grega. Narciso
era um jovem de
extrema beleza que
ignorava todas as
ninfas porque só a
sua própria beleza
o interessava.
Quando Narciso
viu a sua imagem
refletida numa
ribeira de água,
apaixonou-se e
ficou ali, durante
dias, a tentar
tocar no jovem
encantador que
via (ele próprio),
acabando por
enfraquecer e
morrer.

Veja na página seguinte: 6 sintomas de personalidade narcisista

6 sintomas comuns

Fala-se em transtorno
de personalidade
narcisista quando
a pessoa manifesta
os seguintes
comportamentos:

1. É arrogante, manipuladora,
exigente, desprovida de
empatia e de consideração
pelos sentimentos e
necessidades alheios. Conhece alguém assim?

2. Desenvolve uma visão
grandiosa ou megalómana
de si mesma que apresenta
aos outros e em que,
pessoalmente, tende
a acreditar, mas que se
aproxima do delírio. É também muito comum.

3. Reage muito mal a críticas,
por vezes, até de modo
violento (seja em termos
físicos ou psicológicos),
e revela uma autocrítica
muito reduzida.

4. Apresenta os seus talentos
e realizações de modo
exagerado e até quase
delirante.

5. Usa os outros para os
seus fins, coloca-se acima
deles e imagina que tem
possibilidades imensas.

6. Inveja muito ou imagina que
há-de ser objeto de inveja por
ser uma pessoa tão perfeita.

Texto: Sofia Cardoso com Vítor Rodrigues (psicólogo clínico)