Felizmente, nas últimas duas décadas, graças à informação disponível, já é possível ter acesso, livre de paradigmas, dogmas e tradições retrogradas impostas pela sociedade e pela família, à linguagem dos sentimentos (literacia emocional), de acordo com as características individuais e sociais de cada um de nós, visto ser uma parte indissociável do ser humano (mente e espírito). Sabemos que não podemos negar e/ou reprimir os sentimentos, “fazer de conta” durante muito tempo, especialmente, os dolorosos e desconfortáveis.

A dica desta semana contempla o sentimento de raiva. Imediatamente associamos à raiva, comportamentos de irritabilidade, agressividade, hostilidade, desconfiança, intimidação, impulsividade. É um sentimento poderoso que precisa de ser compreendido visto apresentar uma componente social importante. Em termos sociais é através da raiva que expressamos autoridade, disciplina, justiça e definimos limites nas relações. Sabia que a raiva está associada a sentimentos de frustração, inadequação, isolamento, injustiça e à vergonha? Todos nós, dependendo da sua intensidade e da frequência, sentimos raiva. É OK. Sentir raiva faz parte dos nossos sentimentos, mais uma vez, negar ou reprimir, pode influenciar e reforçar o comportamento irracional.

Aquilo que pretendemos é precisamente o oposto, almejamos identificar e compreender os sentimentos, em vez de fugir ou reagir impulsivamente.  Todavia, quando o sentimento de raiva é negado ou reprimido pode desencadear reacções de fúria e ódio intenso capazes de distorcer a realidade. É esse tipo de reacções irracionais e impulsivas que pretendemos compreender.

Um exemplo muito comum que ouvimos nos meios de comunicação social, quando existem relatos de violência, os vizinhos do agressor, afirmam “Não compreendemos porque é que ele teve um comportamento desta natureza, nunca foi violento, de repente …. No dia a dia, era um tipo simpático e muito calmo. Se não tivesse visto, não tinha acreditado…” Reprimir ou negar a raiva pode desencadear comportamentos impulsivos e irracionais, fazendo uma analogia, tal como acontece com um vulcão, quando entra em erupção, lançando fumo e lava incandescente.

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Algumas dinâmicas associadas ao sentimento de raiva

- O sentimento de raiva pode proporcionar uma falsa sensação de poder, justiça e proteção. Para algumas pessoas, que se sentem inadequadas, em determinados contextos sociais, o sentimento de raiva pode revelar-se apelativo. Porque enquanto estiverem em raiva, não entram em contacto com outro tipo de sentimentos, por exemplo, vergonha, culpa, ansiedade e inquietação.

- Em muitos casos, a vergonha é a fonte da raiva. A vergonha está enraizada no âmago e nas crenças, em que o individuo acredita que não conseguirá, apesar de todos os seus esforços, corresponder às expetativas, às suas próprias e às das outras pessoas. Ouvir comentários, do tipo, “Não és boa pessoa, deves ter algum problema, estás sempre contra tudo e contra todos…”, “Não conseguirás ter pessoas que gostem de ti, por causa do teu mau feitio…assim acabas sozinho/a…” com o tempo estas afirmações revelam-se familiares e reforçam a vergonha, a frustração e a rejeição.

- Se o individuo não consegue viver de acordo com as suas expectativas e com as das outras pessoas, sobre o seu passado, irá distorcer a realidade, certamente não consegue fazê-lo em relação ao seu presente e ao seu futuro. Distorcer a realidade, com base na vergonha, na ansiedade e no sentimento de raiva, revela-se um investimento cujo retorno é a baixa auto estima.

- Algumas pessoas, com problemas de raiva, afirmam que são assertivas porque dizem aquilo que pensam e sentem. É um mito, porque assertividade não é agressividade. Nos contextos sociais, a agressividade é um mecanismo de defesa, que é desencadeado quando não se consegue corresponder às expetativas, às suas e às das outras pessoas.

Nos contextos sociais, o verdadeiro poder e controlo não advêm da agressividade, da manipulação, da confrontação e da intimidação. O verdadeiro poder reside no leque de opções e nas competências (literacia emocional) que adoptamos na livre expressão dos sentimentos, independentemente da forma como nos sentimentos, expressando a raiva de uma forma construtiva – optando por ser vítimas ou sobreviventes resilientes.
João Alexandre Rodrigues

Addiction Counselor

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