Sócrates, Platão, Darwin, William James, Freud, António Damásio... «As emoções sempre foram consideradas um elemento essencial da nossa existência e merecedoras de atenção de estudo. Manifestam-se em todas as ações do homem e assumem-se como uma força que os pensadores não podem ignorar. No entanto, durante algum tempo, especialmente desde os tempos de Descartes, até há cerca de cinco décadas, foram relegadas para segundo plano em detrimento da razão e consideradas questões efémeras em termos científicos», contou, em entrevista à revista Prevenir, o neurocientista italiano Giovanni Frazzetto.

«Recentemente, o paradigma alterou-se e, hoje, são alvo de investigação em laboratório», sublinha. Segundo o autor do livro «Como sentimos», publicado em Portugal pela Bertrand editora, o estudo das emoções, através dos séculos, é «uma longa história com um final feliz» e só a aliança entre a neurociência e a arte permite «a criação de um espaço que nos possibilita navegar e compreender as nossas emoções, compreendermo-nos a nós próprios», sublinha o autor.

Rejeita a distinção entre emoções boas e emoções más. Qual o lado positivo daquilo que, geralmente, consideramos negativo no campo emocional?

Não existem boas e más emoções porque cada emoção teve e tem um percurso evolutivo. Experimentamos emoções por questões de sobrevivência. Por exemplo, necessitamos sentir alegria (prazer) após, por exemplo, uma refeição ou uma relação sexual, para que possamos sobreviver ou nos reproduzir, assim como precisamos de sentir medo (dor) para conseguir fugir de uma fonte de perigo.

As pessoas tendem a preferir emoções positivas, mas precisamos de todos os tipos de emoções, embora tentemos fugir das emoções negativas, nomeadamente através do consumo de drogas e álcool.

Que consequências a nível neurológico pode esse tipo de fuga ter?

O álcool e drogas atrofiam as nossas emoções que, sob o seu efeito, perdem o caráter selectivo. Enquanto nos ajudam a ignorar algumas das emoções negativas, silenciam também as emoções positivas. Assim, se estamos anestesiados em relação a sentimentos como a ansiedade, a raiva ou a tristeza, também ficamos menos propensos a sentir alegria ou outras sensações pacíficas. Em caso de utilização abusiva, estupefacientes e bebidas alcoólicas distorcem a realidade.

Quais as estratégias mais inteligentes para lidar com emoções negativas?

É importante conseguir encontrar o equilíbrio certo ao sentir esse tipo de emoções. Por exemplo, uma vida sem raiva seria monótona. Não conhecer o medo pode ser perigoso. Não ter noção de culpa seria um fator de risco. Mas, sob outra perspetiva, não faz sentido sentir raiva de algo que nos transcende, ter medo de uma situação irreal ou assumir-se culpado sem razão. O caso específico do medo e da ansiedade, defendo que, se formos facilmente ansiosos sobre algo, tal pode significar que lidamos com um conflito que precisa ser identificado e resolvido.

Então, a ansiedade, tão terrível em sim mesma, pode realmente funcionar como uma oportunidade para nos fazer descobrir o que precisa ser alterado ou melhorado na nossa vida. Devemos refletir sobre a situação em detrimento de sucumbir ao medo. É aconselhável fazer algo agradável e lutar por um caminho mais saudável e tranquilo.

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O fator genético é determinante para o nosso perfil emocional?

Os genes são a espinha dorsal da nossa biologia e comportamento. A variação genética determina o tipo de reações químicas registadas no nosso cérebro. Se a minha sequência de ADN é um pouco diferente da sua, existem diferenças na forma como os recetores ou neurotransmissores funcionam. No entanto, o papel dos genes é modulado pelo meio ambiente.

A partir do momento em que nascemos, somos influenciados por fatores como a educação, a paternidade, as relações interpessoais e as circunstâncias sociais, o que pode adensar ou suprimir o papel de genes. Não há um único gene responsável por uma emoção específica e os genes per si não determinam o nosso comportamento.

Intuímos que a nossa capacidade de raciocínio e de decisão pode ser condicionada pelo nosso lado mais emotivo. A ciência pensa o mesmo?

Sem dúvida. As emoções baralham completamente o nosso lado mais racional. Por vezes, acreditamos que estamos a tomar decisões racionais mas as emoções podem tomar de assalto esses vereditos sem nos apercebermos disso.

Homens e mulheres são diferentes na gestão das emoções?

As diferenças entre os cérebros dos homens e das mulheres são controversas. Ainda assim, estudos comportamentais revelam que ambos os géneros experimentam emoções mais ou menos fortes na mesma medida, mas fazem uma gestão diferente das mesmas sendo a cultura individual um fator decisivo nesse jogo.

Cientificamente está provado que um dos lados do cérebro se revela mais ativo face a emoções positivas. É um traço comum a todas as pessoas?

A experiência demonstra que há uma certa noção de lateralidade em relação à forma como o cérebro processa emoções. O hemisfério direito está associado a emoções negativas; o esquerdo a emoções positivas. O facto de termos a possibilidade de distinguir, por exemplo, o prazer e a dor tem uma explicação evolutiva. As emoções positivas são agradáveis, as emoções negativas envolvem dor.

Por isso, talvez essa lateralidade emocional do cérebro resida neste discernimento, nesse juízo com milhares de anos que nos ajuda a evitar ou a reduzir os erros indesejáveis. Há um conjunto de processos cerebrais responsáveis por emoções, no entanto, todos compartilhamos as mesmas áreas. A diferença estará na actividade relativa dessas áreas.

Veja na página seguinte: A influência das emoções por oposição ao sentimento

Como sentimos

Estes são os três focos de investigação da neurociência:

1. A influência das emoções

«A emoção tem um papel primordial nas nossas vidas, interferindo fortemente com a racionalidade. Conhecem-se, dentro de alguns limites, as fronteiras do nosso mapa cerebral onde isso acontece. Veja-se, por exemplo, o trabalho de António Damásio», refere Giovanni Frazzetto.

2. Formação de padrões

«A segunda grande lição sobre a pesquisa emocional tem o seu foco no entendimento da formação dos padrões emocionais e das áreas em que essas informações são armazenadas. Somos animais que respondem ao ambiente e acumulam experiência emocional que orienta o nosso comportamento», defende o especialista.

3. Epigenética

«Estamos a começar a compreender como o ambiente pode modificar a expressão dos genes», sublinha Giovanni Frazzetto. «Ainda sabemos pouco sobre os mecanismos, mas o campo de investigação é extremamente excitante», considera.

Emoção ou sentimento?

- Emoções

«São respostas fisiológicas automáticas para o que encontramos na vida. São reações rápidas e imediatas, face a padrões a partir dos quais evoluíram ao longo dos séculos. Por exemplo, ficamos irritados quando somos alvo de ofensa ou agressão. O nosso coração acelera quando sentimos perigo. Estas são respostas espontâneas e úteis», refere Giovanni Frazzetto.

- Sentimentos

«São emoções fruto de atos conscientes, são a realização subjetiva do que está a acontecer ao corpo. São mais lentos do que as emoções e fazem parte da consciência. Hoje, a ciência estuda e disseca as emoções. Já os sentimentos são inefáveis e a ciência não pode gravá-los. É por isso que podem ser expressos por palavras, histórias e arte», afirma o autor de «Como sentimos».

Texto: Carlos Eugénio Augusto