É procurado desde o início da humanidade, já mudou várias vezes de conceito mas continua a ser o pote de ouro no fim do arco-íris por que todos parecem ansiar. Haverá um elixir para a felicidade? A boa notícia é que os especialistas acreditam que sim. Só que dá trabalho e depende acima de tudo da iniciativa individual. Essa é que é essa! Aos 41 anos o músico Pharrell Williams pôs, literalmente, meio mundo a dançar ao som de «Happy». O tema, cujo título pode ser traduzido por «Feliz», adquiriu um caráter viral com milhares de pessoas a fazer as suas próprias versões do vídeo e a publicá-las no YouTube.

O fenómeno tornou o músico norte-americano, produtor de nomes como Britney Spears, Madonna, Snoop Dog, Gorillaz ou Nelly Furtado, a cara daquilo que pode ser chamado de movimento Happy. As gravações improvisadas vieram de locais tão diversos como Lisboa, Paris, Londres, Nova Iorque ou Hong Kong e sublinharam a alegria de viver o espírito descontraído transmitido pela batida do tema de Pharrel Williams. No Irão, a iniciativa ganhou contornos políticos, com a ousadia de seis jovens (três rapazes e três raparigas) que gravaram o vídeo nos terraços de Teerão a custar-lhes uma detenção por atentado ao pudor.

O facto das jovens não usarem véu irritou as autoridades. No entanto, a mensagem que deixaram no fim do vídeo já tinha atravessado fronteiras. «Fizemos este vídeo como fãs de Pharell Williams em oito horas e utilizando iPhones 5S. Esta canção foi a desculpa para sermos felizes. Desfrutámos cada segundo. Esperamos que ponha um sorriso no vosso rosto», justificaram. A adesão global a algo tão aparentemente descomprometido como é um tema pop é, talvez, a mais recente manifestação da urgência que todo o ser humano (não importa a etnia, credo, condição social ou convicção política) tem de ser feliz.

Essa felicidade desconhecida

Alcançar a felicidade é uma ambição do ser humano desde sempre e, por isso mesmo, o tema tem sido alvo de estudo tanto da filosofia como da psicologia e da religião. Apesar dos esforços, este é um conceito difícil de definir. Não admira por isso que instrumentos como o Questionário da Felicidade de Oxford, que tem como propósito medir o nível de felicidade de um indivíduo, tenha em conta elementos tão diversos como a idade, o estado civil, o envolvimento religioso e político ou o nível de rendimentos. Ao longo dos tempos, a noção de felicidade mudou e, com ela, a forma de a alcançar.

Zoroastro, profeta que viveu na região que hoje é o Irão, algures entre os séculos XVII e XIV antes da era cristã, fundou o zoroastrismo, religião baseada na constante luta entre o bem e o mal. Quando o profeta questionou a divindade do bem sobre o que seria a felicidade na terra, a resposta foi aparentemente simples. «Um lugar ao abrigo do fogo e dos animais ferozes,  mulher, filhos, rebanhos e gado», retorquiu. Jesus Cristo pôs a tónica no amor como elemento fundamental para atingir a harmonia a todos os níveis. Já para o budismo a felicidade só se alcança com a libertação do sofrimento e, para conseguir, o Homem deve superar o desejo em todas as suas formas.

Na filosofia encontramos definições como a de Lao Tsé para quem a harmonia (e, com ela, a felicidade), poderia ser alcançada através da união com as forças da natureza. Também Jean-Jacques Rousseau, o criador do mito do bom selvagem, abordou o tema, afirmando que o Homem foi originalmente feliz mas perdeu essa capacidade quando a civilização destruiu essa harmonia primordial. Para o filósofo francês, a melhor forma de recuperar essa harmonia perdida seria o retorno à simplicidade.

Com o avançar do tempo a questão ganhou novas dimensões, com Karl Marx a defender a sociedade sem classes para atingir a felicidade humana e o psicanalista Sigmund Freud a estipular o princípio do prazer como primeiro motor de busca para a felicidade. Busca essa condenada, à partida, já que a realidade não nos permite satisfazer todos os nossos desejos. Algumas destas noções de felicidade parecem ter pouca aceitação na sociedade atual. Caso da visão estóica, de acordo com a qual a felicidade é alcançada através da tranquilidade que se consegue pelo autocontrolo e aceitação do destino, ou do conceito aristotélico de felicidade.

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Onde está a felicidade?

A pergunta é feita por muita gente mas a resposta é tudo menos fácil de obter. Para Aristóteles, a felicidade está na virtude e, mais do que um estado de espírito que se pode ganhar ou perder numa questão de horas, envolve a totalidade da vida de uma pessoa. No limite, só no fim da vida, alguém pode perceber se tinha levado uma vida virtuosa, ou seja, uma vida feliz. Algo que implica escolhas difíceis, disciplina e uma visão global da existência.

O culto do produto instantâneo

O culto do produto instantâneo é uma realidade nos dias que correm. «A procura da felicidade é um processo natural, é a forma de tentarmos anular o desconforto e o sofrimento. Vimos equipados biologicamente para fugir do desconforto. O que por vezes atrapalha, nesta fase de transição no desenvolvimento da humanidade, é a definição do que é a felicidade para cada pessoa. É aí que nos baralhamos um bocadinho, porque aquilo que é a felicidade para a maioria das pessoas pode não me fazer feliz a mim, e quando insisto em procurar a felicidade dessa forma, surgem situações de desconforto e sofrimento e essa busca torna-se problemática».

É desta forma que o psicólogo Quintino Aires resume a problemática da busca da felicidade hoje em dia. Para o especialista, houve uma mudança de paradigma ao qual a sociedade ainda tenta adaptar-se. «Numa fase pré-revolução industrial a noção de felicidade tinha um caráter mais coletivo, no sentido em que era partilhada por quase toda a sociedade. Passava por casar, ter filhos, ter pão e quatro paredes para se abrigar. Hoje, a noção de felicidade perdeu o carácter coletivo para se tornar mais individual. Mas o problema está em que não conseguimos definir os objetivos individuais», alerta.

«Não temos por hábito refletir muito sobre o assunto e, por outro, insistimos em ver a felicidade como um produto, algo que pode ser adquirido no imediato, e não como um processo», diz Quintino Aires. Para complicar ainda mais a situação, existe a tendência para tentarmos alcançar mitos. «A ideia do amor e uma cabana nunca deu felicidade a ninguém, mas há quem corra atrás dela. Ao tentarmos alcançar certos mitos, esperamos muito, desejamos muito, lutamos muito por algo que nunca conseguimos alcançar. Em vez de encontrarmos felicidade encontramos desconforto», exemplifica o psicólogo.

A perceção que temos da felicidade

No fundo, mais do que a realidade é a perceção que temos dela que nos pode, ou não, fazer felizes. Na verdade, o desconforto que as buscas mal sucedidas da felicidade provocam pode levar a uma série de situações, inclusivamente à depressão. «A depressão é a perceção de que não consigo algo. Ao traçar objectivos irrealistas é possível que me frustre e que, em vez de agir de forma a alcançar uma meta possível, passe a achar que, simplesmente sou incapaz de fazer algo», diz Quintino Aires.

Dada a importância da felicidade para o ser humano, e numa sociedade que valoriza a imagem positiva, o bem-estar e a alegria imediatas, as vendas dos livros de auto-ajuda continuam em alta. Um bom exemplo é o livro «Eat, Pray, Love», «Comer, Orar, Amar» na versão portuguesa, publicado em 2006 pela autora norte-americana Elizabeth Gilbert e que se manteve na lista de best-sellers do New York Times durante 187 semanas. No livro, a autora narra a viagem de autodescoberta feita após o divórcio, que a levou a Itália, Índia e Indonésia onde, por fim, voltou a encontrar o amor.

Oito anos depois, e já com o livro passado ao cinema, o site de «Eat, Pray, Love» continua ativo, com Elizabeth Gilbert a comunicar regularmente com os seus seguidores. Mesmo sem gerar o mesmo tipo de fenómenos, é raro o mês que não é publicado um novo livro dedicado ao tema. Um dos mais recentes é «As Três Chaves Para a Felicidade», da psicóloga e especialista em coaching executivo Maria Jesús Álava Reyes. A especialista espanhola coloca a tónica na capacidade de nos perdoarmos como passo essencial para alcançar a felicidade. No fundo, de acordo com a psicóloga e especialista em coaching executivo, tudo se resume a três pilares essenciais.

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O imperativo de perdoar o passado

Perdoarmo-nos factos do passado é um deles, não nos deixando condicionar por situações ocorridas há anos. Assumir o presente e ser o melhor amigo de si mesmo, aprendendo a gostar de si, é outro. Para o psicólogo Quintino Aires, a distração é um dos fatores que pode explicar o sucesso de que este tipo de livros continua a gozar. «Só posso entender esse fenómeno se assumirmos que as pessoas não lêem com atenção o que vem escrito nesses livros. Na verdade, todos dizem e, acertadamente, mais ou menos o mesmo. É preciso olhar para dentro de si, traçar um rumo pessoal e segui-lo», refere. Está à espera de quê?

O que nos faz felizes

Na verdade, apesar de não haver uma receita concreta para alcançar a felicidade. Há até quem defenda que a felicidade pode ser influenciada pelo clima. Um estudo realizado pela Universidade de Osaka no Japão, «Weather and Individual Happiness», determinou que a temperatura ideal para a felicidade são uns revigorantes 13,8º C. Mas há algumas pistas que podem ser seguidas. Para Quintino Aires, passa por cada pessoa descobrir o que a faz feliz e, partir daí, «em cada dia, mês ou ano» tentar alcançá-lo. «Nesse percurso já se encontra parte da felicidade», sublinha.

«Precisamos de produzir para ter ânimo para a vida. Manoel de Oliveira e Oscar Niemeyer são óptimos exemplos. Tenho uma colega de 93 anos que ainda trabalha e pede continuamente para lhe passarmos casos para se manter viva», garante o psicólogo. Estes objetivos não têm, porém, de ser laborais. Ações de voluntariado, uma coleção de livros, tentar conhecer um grupo de aldeias em Portugal, tudo o que for um desafio e levar à ação e a desenvolver uma competência pode desencadear um processo de felicidade. «O amor também é um objetivo, mas é apenas um no meio de outros» alerta Quintino Aires, para quem os objetivos escolhidos têm de permitir avaliar o sucesso que cada um tem em aproximar-se deles.

Um estudo realizado pela Universidade de Harvard ao longo de 75 anos acompanhou a vida de 268 licenciados (homens) com o objetivo de perceber o que é necessário para alcançar uma vida feliz. Os resultados, publicados em 2012 no livro «Triumphs of Experience», revelam dados interessantes. Por exemplo, que as relações sociais e interpessoais que um indivíduo mantém aos 50 anos são determinantes para prever se este vai envelhecer bem ou mal nos seus 70 e 80 anos. Por outro lado, entre os homens acompanhados, provou-se que o amor foi o fator determinante para conseguir ter uma vida feliz.

Já para o pai da psicologia positiva, o psicólogo norte-americano Martin Seligman, 60% da felicidade é determinada pela genética e pelo ambiente, sendo os outros 40% dependentes do esforço de cada indivíduo. A psicologia positiva destaca ainda fatores como a existência de uma rede de amigos próxima e presente, o envolvimento em atividades de voluntariado, uma relação familiar que estimule e apoie o desenvolvimento das capacidades de cada um e manter relações saudáveis num ambiente de trabalho como elementos diretamente relacionados com uma vida feliz.

«Caia sete vezes e levante-se oito» é um provérbio chinês que valoriza a capacidade de recuperação do ser humano. Peter Kramer, outro psicólogo norte-americano, realça a resiliência e não a felicidade, como o antónimo da depressão e da concretização de uma vida satisfatória. Já o atual Dalai Lama, Tenzin Gyatso, afirma que, para alcançar a felicidade é necessário identificar primeiro quais os fatores que nos fazem infelizes e quais nos fazem felizes. Basta depois extinguir os primeiros e estimular os segundos. Para consegui-lo, é necessária uma disposição mental adequada que tem por base a serenidade.

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Traços comuns ao homem feliz

Embora a definição de felicidade seja individual, estudos recentes apontam alguns padrões comuns a pessoas que se consideram felizes. Entre eles estão a capacidade de adaptação a novas situações, a procura de objetivos adequados às caraterísticas individuais, a riqueza de relacionamentos humanos, pertencer a um grupo, ser independente e enfrentar os problemas recorrendo à ajuda de outras pessoas.

A estes, Martin Seligman junta outros, como o poder de recuperação, o facto de estas pessoas tentarem ser felizes (só o facto de tentar já melhora o estado emocional do indivíduo) , o estar atento às coisas boas, valorizar o exercício, apreciar o ar livre e dar valor a pequenos prazeres como o cheiro a café pela manhã. Atingir a felicidade pode afinal ser uma tarefa simples.

5 passos que conduzem à felicidade

Martin Seligman estabeleceu o modelo PERMA, que se resume em cinco ideias base, conceitos fundamentais que podem ajudar a melhorar a psicologia humana:

1. Emoções positivas (positive emotions)

Quanto maior o número de ideias e palavras positivas ocorrerem durante o dia, maior o nível de bem estar.

2. Envolvimento (engagement )

Capacidade de se envolver de forma positiva nas atividades do dia a dia por muito aborrecidas que estas possam parecer.

3. Relações (relationship)

Gerir as relações de forma construtiva ajuda a manter os níveis de bem-estar.

4. Significado (meaning)

Pertencer a algo que é maior do que o indivíduo. Atitudes altruístas, como ajudar alguém, trazem mais satisfação do que uma compra.

5. Realização (accomplishment)

Sentir que se é capaz de fazer algo é outro dos passos para um maior bem-estar.

Texto: Susana Torrão