Comemorar o aniversário leva-nos a refletir sobre a vida e a questionar as nossas prioridades. É, geralmente, uma época de balanço. Contribui para a construção equilibrada da noção do eu, para sedimentar a consciência de quem somos e a fase do percurso em que nos encontramos. Alejandro Klein, professor e investigador do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, no Brasil, refere que a data do aniversário é importante para o estabelecimento da nossa biografia pessoal e para nos situarmos numa cronologia de vida, sem a qual perderíamos a referência de quem somos.

Mas o aniversário é também um dos pilares culturais da sociedade. Como refere este especialista, a sociedade pressiona-nos para que todos façamos as coisas de um modo semelhante, mas é importante que cada um adopte a forma como mais gosta de viver o aniversário. O seu! Depois de conhecer as motivações deste especialista, comece já a pensar em como vai ser a sua próxima festa.

O perfil do aniversariante

Celebrar o aniversário pode parecer divertido, desejado e importante, mas esta ocasião não é vista da mesma forma por todos. Em termos existenciais, há quem não consiga ver alegria em comemorar seja o que for e não encontre factos da vida possíveis de celebração. Sobretudo, o aniversário.  São pessoas que entram mais facilmente em apatia perante a vida e angústia existencial.

Não conseguem olhar para o que a vida tem de bom, por pouco que esse bom possa parecer em determinados momentos. O filósofo Martin Heidegger refere que o eu recusa a finitude. Não celebrar o aniversário pode ser uma estratégia para esconder de nós mesmos que não temos todo o tempo do mundo. Por outro lado, quem se recusa a comemorar o aniversário pode estar a sofrer da ferida de abandono ou ter medo de não ser aceite nem amado.

Há quem minorize a data, usando frases como «É apenas mais um ano». No entanto, por detrás deste diálogo está alguém que necessita que se preocupem com ela, que lhe dediquem atenção. Não celebrar, e fazer disso bandeira, dá a estas pessoas a ilusão de que são elas que estão a dominar a situação.

Colocando-se fora de cena, evitam ser ignoradas ou não lembradas. No ponto inverso da escala, temos as pessoas que adoram festejar o aniversário.  Estas, teoricamente, estão  em equilíbrio com a vida. Possuem uma boa autoestima, um autoconceito positivo, saúde, amigos e uma estrutura familiar saudável. Mas será que é mesmo assim?

Porquê comemorar?

Devemos celebrar o aniversário pois tal atitude simboliza a celebração da nossa própria vida. Mesmo que, por vezes, as situações difíceis nos pareçam insuportáveis, o facto de iniciarmos mais um ano deve honrar a nossa resiliência. A nossa capacidade infinita de dar a volta por cima, mesmo quando só nos apetece desistir. Ter consciência da finitude deverá, pois, ser um incentivo para recomeçarmos as vezes que sejam necessárias para cumprirmos o nosso propósito. Para vivermos de acordo com o que sentimos e para sermos autênticos connosco.

Em termos sociais, será bom aproveitarmos o nosso aniversário para definitivamente iniciarmos um estilo de vida mais de acordo com o que queremos de verdade e não uma vida construída a partir do que as outras pessoas querem ou acham ser o melhor para nós. Seja a nossa vida longa ou não, o facto é que ninguém tem todo o tempo do mundo.  E, tendo a certeza disso, como vamos escolher viver?

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As diferenças entre homens e mulheres

A data do aniversário costuma ser mais sentida pelas mulheres. Fá-las pensar (de modo não muito positivo) na idade que têm. Temos pensamentos recorrentes sobre o facto de estarmos a envelhecer e questionamos o que temos feito e o que devíamos começar a fazer por nós. Valéria Meirelles, psicóloga e co-autora do livro «Mulher do Século XXI», defende que existe uma maior punição social para as mulheres no que respeita ao processo de envelhecimento.

Por volta dos 50 anos, passam muitas vezes por uma fase complicada associada ao seu autoconceito e à perda de autoestima relacionada com a menopausa, que as leva a sentirem que estão a perder a sua capacidade de sedução. No processo de envelhecimento, os homens não sentem os 50 anos da mesma forma. Segundo Christian Heslon, psicólogo e investigador, enquanto as mulheres são mais discretas nos festejos, os homens apreciam os seus aniversários e aproveitam a data para se mostrarem e se valorizarem.

Mais tarde, os papéis invertem-se. Aos 70 e aos 80 anos, as mulheres aceitam o envelhecimento muito melhor do que os homens. Esta é uma das razões de origem psicológica apontadas pelos especialistas para a maior longevidade das mulheres. Ainda assim, para esconder os efeitos da passagem do tempo, elas recorrem mais a cremes e à cirurgia estética para continuar a exibir um ar rejuvenescido.

A festa da década

O nosso cérebro detesta o caos e previne-se, organizando a nossa vida em unidades de tempo bem determinadas.  A divisão temporal em décadas é uma forma de estabelecer ordem cronológica e criar uma escala onde vamos arrumando os acontecimentos da nossa vida. A par desta necessidade de organização interna, a divisão em décadas representa também a própria organização da sociedade, estabelecendo aquilo que se convenciona ser apropriado e desapropriado a cada idade.

Assim, cada década tem associado determinados pressupostos culturais, sociais e familiares, que devemos cumprir para nos sentirmos integradas e aceites. Cumprir mais uma década e partir para uma nova é, desta forma, assumido como a passagem para uma nova fase, onde é pressuposto que realizemos o que socialmente se convencionou caracterizar esse novo período.

O aniversário recorda-nos o conceito de renascer, e festejá-lo é celebrar um novo começo. Um recomeço que se torna mais marcante quando iniciamos uma nova década de vida. Como tal, embora não sendo uma obrigatoriedade, cada nova década que iniciamos merece ser comemorada de forma especial.

A perceção do fim

A celebração da idade que temos é o nosso grande confronto com a finitude.  Com a escala de tempo da vida. Inicialmente, nem percepcionamos a escala temporal. Mas, à medida que vamos acumulando anos à nossa vida, vamos tomando consciência da noção de fim. Independentemente de termos ou não essa noção de uma forma mais clara, o que é um facto é que a conceção de aniversário vai sofrendo alterações ao longo da vida.

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O(s) simbolismo(s) do aniversário

Cada ritual de comemoração do aniversário tem uma raiz mítica, espiritual ou histórica. Saiba o que significam alguns dos principais acessórios e rituais associados a esta celebração:

- As velas

Simbolizam a passagem do tempo. A chama da vida e, no final, o apagar das velas.

- O bolo

O facto de ser partilhado entre amigos simboliza uma união ancestral para afastar a morte.

- Os presentes

Simbolizam o primeiro objeto de amor perdido entre a mãe e o bebé quando é cortado o cordão umbilical.

O aniversário ao longo da vida

A relação do nosso eu com o tempo vai-se alterando com a idade, bem como a forma como vivemos o nosso aniversário. Estas são as conceções que marcam cada uma das principais fases:

- Na infância

As crianças, ainda não conscientes do tempo que se esgota, ficam impacientes com a chegada do dia de aniversário e, sobretudo, com a festa de anos. Esta comemoração serve para se sentirem reconhecidas pela família e amigos. Os presentes são indispensáveis.

- Na adolescência

A celebração do aniversário perde o contexto familiar e é uma ocasião de afirmação perante o grupo. Promove a noção de pertença e a constituição de escalas de poder perante os outros.

- Na idade adulta

Começamos a dar importância aos grandes marcos, assinalando sobretudo os 30, os 40, os 50 anos... Para as mulheres sem filhos e sem uma vida emocional estável, a década dos 30 é a mais complexa e a passagem para os 40 e para os 50 é vivida, nalguns casos, de forma muito angustiada. É a fase do confronto não com a finitude, enquanto tal, mas com o fim da época áurea dos anos de juventude.

- Na velhice

Na idade da aposentação, comemoramos o aniversário com alegria se nos sentirmos felizes e tivermos objetivos de vida, um propósito que nos continue a oferecer uma razão para continuar. Caso contrário, a fase da reforma transforma-se no início do envelhecimento real.

Texto: Teresa Marta (coach para a coragem e CEO da Academia da Coragem)