Sabe guardar um segredo? Não diga a ninguém, mas parece que o casamento, supostamente uma união com base na confiança e na honestidade entre os parceiros, é, na verdade, um poço de segredos. Num inquérito realizado, nos Estados Unidos da América, a um universo de 1.000 homens e mulheres casados, publicado pela Reader’s Digest, cerca de 40% dos inquiridos revelou esconder alguns factos ao cônjuge. O assunto mais secreto diz respeito, imagine-se, ao valor gasto em compras.

E não pense que é defeito feminino, porque 48% dos entrevistados, de ambos os sexos, confessou esconder as faturas e os recibos longe da vista do companheiro. Mas há mais! Em entrevista a Vítor Rodrigues, psicólogo clínico, à revista Saber Viver, pela primeira vez publicada online num exclusivo Modern Life/SAPO Lifestyle, ficámos a saber muitos outros factos acerca dos segredos que todos nós guardamos. Curioso? Contamos-lhe tudo!

Por natureza, o ser humano é capaz de guardar segredos?

No dia a dia, as pessoas guardam grandes e pequenos segredos. Algumas pessoas conseguem mesmo guardar segredos importantes durante muito tempo. Pensemos, por exemplo, nos agentes secretos que mantêm durante anos uma identidade falsa ou nas pessoas, que nem sob tortura, revelam facilmente informações que possuem.

É verdade que as mulheres têm menos facilidade em guardar segredos?

Penso que não há diferenças entre sexos. Algumas mulheres conseguem, até, guardar segredos de modo exemplar, como Beulah Duncan, uma oficial americana que descodificava mensagens secretas para navios durante a II Grande Guerra e que guardou para si todos os detalhes do Dia D. Também parece haver consenso entre especialistas de que as mulheres são melhores espias do que os homens.

Há uma idade em que temos maior tendência para partilhar segredos?

Quanto mais jovens somos, mais dificuldade temos em guardar segredos. No entanto, algumas crianças conseguem-no fazer extremamente bem e durante muito tempo, sobretudo por medo de serem magoadas ou de magoarem alguém. Os casos de abuso sexual tardiamente descobertos são exemplo disso mesmo.

Quais os segredos mais difíceis de guardar?

Os segredos mais difíceis de guardar são aqueles que interferem com o nosso funcionamento, que geram conflitos interiores, relacionados com a lealdade ou com valores éticos. O caso clássico é o de um amigo que nos pede sigilo face a um crime que confessa ter cometido.

Num casamento devem ou não haver segredos entre os parceiros?

Costumam existir segredos em muitos casamentos. Porém, do meu ponto de vista, isso não é desejável, pois tende a comprometer a possibilidade de cada um se sentir plenamente à vontade com o outro e de desenvolver uma relação de profunda abertura, confiança e intimidade.

Contudo, isto é diferente de cada um ter direito à sua privacidade e à sua liberdade. Algumas pessoas tornam-se uma espécie de espias do comportamento do cônjuge e isso tende a impedir uma saudável e espontânea confiança mútua e a acabar com o casamento.

Veja na página seguinte: Os motivos que podem levar uma pessoa a cometer uma inconfidência

Que motivos poderão levar uma pessoa a cometer uma inconfidência?

As inconfidências podem ocorrer por vários motivos. Falta de atenção e de concentração, a ânsia por dar nas vistas, o desejo de partilha, sobretudo de assuntos que pareçam interessantes e relevantes e nos façam parecer importantes, um impulso vingativo ou ainda falta de jeito ou de estratégia. Por vezes, cometemos inconfidências simplesmente porque não demos importância ao assunto segredado.

Em termos psicológicos, considera que pode haver vantagens em partilhar um segredo?

Depende do segredo. Há segredos que nos farão sentir muito mal se os partilharmos por considerarmos esse ato uma traição ou um fracasso. Outros tornam-se, para nós, num peso ou numa culpa tão grande que até é bom podermo-nos libertar deles.

Uma investigação feita na Universidade da Califórnia parece ir no sentido de que os seropositivos homossexuais obrigados, ou que se sentem obrigados, a esconder a sua homossexualidade tendem a uma progressão mais rápida da doença, quando comparados com aqueles que a assumem abertamente.

Como se sente a pessoa depois de contar um grande segredo?

Como psicoterapeuta, recebo a confiança dos meus pacientes que me contam, às vezes pela primeira vez na vida, coisas bem difíceis ou dolorosas. Isso costuma vir acompanhado de um grande alívio para eles.

Que conflitos interiores sofre quem lida com o sigilo profissional?

Alguns profissionais podem encontrar situações difíceis. Um padre a quem um paroquiano confesse que tenciona assassinar alguém, um médico que sabe de uma doença infetocontagiosa num paciente que lhe pede segredo, um psicólogo que verifica que um pai ou uma mãe poderão ser danosos para os filhos se ficarem com a custódia legal deles, um assistente social a quem uma pessoa revela a intenção de se suicidar.

Devem revelar o que sabem?

Às vezes não basta seguir os códigos deontológicos, é preciso algo mais. Em diversos casos, conflitua a lealdade a um cliente face ao interesse de uma família ou da sociedade em geral.

O que aconselha a estes profissionais?

É importante que tenham algumas ideias e referências bem claras. Por um lado, devem ter um conhecimento razoável dos códigos deontológicos da sua profissão e dos princípios que a regem.

Por outro, devem ter bem definidas para si as razões pelas quais o segredo é importante e quais os valores que poderão justificar alguma quebra desse mesmo segredo. Geralmente, e na minha opinião, deverão ser razões tão importantes como a própria vida humana e a sua dignidade.

Que conselhos dá a quem não consegue guardar segredos?

É importante que se conheçam a si mesmos e aprendam a gerir as emoções e os pensamentos de modo mais adequado. Devem tentar perceber o que os leva a revelarem segredos, o que podem fazer face às causas encontradas, quais as consequências positivas (ou que julgam ser positivas) da revelação de segredos e que impulsos estão subjacentes. Haverá erros estratégicos no modo como gerem o pensamento? O que poderá ser diferente da próxima vez?

Texto: Vanda Oliveira