Intitula-se wrongologist, uma especialista em wrongology. A palavra vem de wrong, que em português significa errado. Estudou o erro em diferentes contextos, a sua constância através da história e a sua utilidade. Kathryn Schulz é uma jornalista freelancer com artigos publicados em meios como New York Times Magazine, Rolling Stone, TIME Magazine, The Nation, Foreign Policy e no blog Freakonomics do New York Times.

A sua estreia como escritora deu-se quando resolveu juntar a curiosidade e sentido de humor aos seus dotes de jornalista. O resultado? A obra «Being Wrong – Adventures in the Margin of Error», eleito um dos melhores livros de 2010 pela revista Publishers Weekly e pela Amazon. Uma publicação que, quase uma década depois, continua atual e pertinente.

Apesar de muito ocupada, Kathryn Schulz conseguiu disponibilizar algum tempo para conversar com a Saber Viver. Depois de ler este artigo vai perceber porque é que errar, para além de humano, faz parte da descoberta daquilo que está certo. «Há situações em que os erros podem ser catastróficos e é crucial preveni--los mas, em geral, e no dia a dia, os nossos erros costumam ser inofensivos», considera a especialista.

A omnipresença do erro

Embora seja difícil admiti-lo, a maior parte das pessoas parece sentir algum prazer em apontar o dedo aos erros dos outros, da mesma forma que parece quase irresistível dizermos a alguém «Eu avisei-te»... Então, porquê escrever um livro sobre estarmos errados, quando a nossa preocupação maior parece ser nunca cometermos erros e termos sempre razão? Kathryn Schulz ri-se com a pergunta.

«Gostava que a resposta a essa questão fosse que tive uma espécie de revelação drástica sobre o erro através de uma experiência pessoal qualquer, mas não foi esse o caso», explica. «O que aconteceu foi que, em 2005, estava a trabalhar numa série de artigos e um dia, quando estava a ir para casa, apercebi-me de que todos eles tinham em comum o facto de serem sobre o modo como lidamos com situações em que estávamos errados», refere.

«A verdade é que já tinha pensado escrever um livro mas não tinha planos concretos para o fazer e, nessa altura, pensei que era exatamente sobre isto que queria e ia escrever», revela ainda. Desde essa altura, o número de defensores desta ciência aumentou. «Crescemos a pensar que cometer erros é igual a falhar mas não é», defende Nona Walia, autora de um trabalho sobre o tema.

O medo de falhar

Errar é, geralmente, percecionado negativamente, embora seja um ato natural e comum a todos nós. Na opinião da jornalista, «apesar de, no abstrato, termos consciência de que os seres humanos erram, tendemos a achar que as pessoas erram porque são irresponsáveis, estúpidas, porque não se prepararam devidamente. E, se associamos uma certa inferioridade intelectual ao facto de errarmos, quando somos nós a fazê-lo, sentimo-nos também inferiores, e não gostamos», refere.

«Mas o primeiro passo para modificar esta associação desagradável é percebermos que toda a gente erra e, mais ainda, fá-lo muitas vezes na vida», prossegue Kathryn Schulz. «Não existe nenhum tipo de inferioridade intelectual ou até social, associada ao facto de errarmos e dos outros também cometerem erros», acrescenta ainda a jornalista.

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O ranking da imperfeição

No entanto, há erros e erros... Kathryn Schulz concorda, acrescentando que «há situações em que os erros podem ser catastróficos e é crucial preveni-los mas, em geral, e no dia a dia, os nossos erros costumam ser inofensivos. Em relação a este tipo de erros, o que podemos fazer é aprender com eles, não encarando-os como fracassos, mas como um processo natural e uma oportunidade para melhorarmos como pessoas», considera.

No caso de erros que conduzem a situações catastróficas se não forem prevenidos, todos os campos do conhecimento, desde a medicina à aviação, passando pela engenharia nuclear, têm demonstrado que a única forma de podermos lidar com eles é assumir, sempre, que podem ocorrer, prever essa possibilidade. «Só assim saberemos como lidar com os erros da melhor forma», diz.

«Houve uma coisa que me disseram uma vez e que nunca me esqueci e que foi que nós não precisamos de prevenir os erros. Precisamos, sim, de prevenir que ocorram danos. E isso é tão verdade», considera. Será que, ao adotarmos a postura de que errar corresponde sempre a aprender, podemos cair na situação extrema e, em vez de culpabilizarmos demasiado uma pessoa (ou a nós próprios) quando um erro é cometido, passarmos a ser demasiado compreensivos?

A escritora de «Being Wrong – Adventures in the Margin of Error» pensa que não existe esse perigo. «Estamos tão longe de uma situação cultural em que as pessoas sejam assim tão generosas e estejam dispostas a perdoar os erros dos outros», afirma. «Pelo contrário, temos de aprender a perdoar as pessoas pelos erros que cometem e tentar perceber porque é que o erro ocorreu», refere ainda.

As vantagens do engano

Pela profissão que tem e pelo fascínio por outras culturas, Kathryn Schulz costuma viajar bastante. Aliás, foi precisamente entre duas viagens que a Saber Viver conversou com ela. E foi em viagem que nos contou que uma das coisas que faz com que viajar seja tão fascinante é, exatamente, enganarmo-nos. Não premeditadamente ou pela vontade de prejudicarmos alguém ou de nos prejudicarmos a nós próprios mas, simplesmente, por não sabermos quais são as regras vigentes nesse país.

Como explica a escritora, «quando viajamos para um país onde nunca estivemos, com uma cultura distinta, um sítio onde todo o modo de funcionamento é diferente daquele a que estamos habituados, estamos sempre a cometer erros. Quase de hora a hora! É através desses erros que ficamos a conhecer melhor o país e as pessoas que lá vivem. Esse tipo de erros é tão gratificante e faz-nos aprender tanto», conclui.

Texto: Teresa D'Ornellas com Kathryn Schulz (jornalista e escritora)