A depressão é a inexistência ou perda do normal (e natural) entusiasmo pela vida, diga-se, pela vida de relação com todas as coisas e todos os seres, especialmente com os congéneres. Pode ser permanente, constituindo um traço de carácter – personalidade depressiva –, ou episódica, aparecendo como sintoma de descompensação do humor – estado depressivo.

Quanto à sua intensidade, vai desde o sentimento de tédio ou aborrecimento até à total ausência de esperança e desejo de morte. Para o deprimido, a vida não é fonte de alegria e de prazer; pelo contrário, é um sofrimento, uma dor. O depressivo não vive, sobrevive.

De causalidade multifactorial, na sua génese encontramos: uma vulnerabilidade hereditária específica poligenética; condicionantes epige- néticos; factores do meio físico-químico e do eco-sistema biológico; processo educativo e circunstâncias sócio-profissionais; valores, ideais e influências da cultura; muito particularmente, a distorção/perversão das relações afectivas. De facto, a depressão é, essencialmente, a reacção bio-psicológica à carência ou perda de amor e apreço/afecto e reconhecimento dos parceiros privilegiados de relação. Assim, o seu sintoma patognomónico é a baixa auto-estima; e o sinal mais evidente, a diminuição de iniciativa e inibição da acção. Donde, se pode afirmar não haver depressão sem sentimento de desvalia, desânimo e abatimento das funções psíquicas e somáticas.

Perante a ausência ou perca do interesse e investimento afectivo da pessoa ou pessoas significativas, o indivíduo deprime-se – fica triste, abatido, desmotivado – e retira-se da relação interpessoal. É a designada retirada depressiva, em que o sujeito se afasta da relação real com o objecto desamante mas mantendo e até reforçando a relação imaginária com essa mesma pessoa. Há uma deriva intrapsíquica do investimento psico-afectivo do sujeito (ansa de derivação), escasseando estímulo interno e carga emotiva para os afazeres e prazeres do real quotidiano e a invenção-construção do futuro.

A depressão pode ser normal – quando o sujeito se revolta contra o objecto afectivamente abandonante – e patológica – quando assume, ilogicamente, a culpa e/ou a vergonha pelo abandono sofrido. Esta culpa/vergonha ilógica – e, como tal, patológica e patogénica – é oriunda: quer (1) da culpa/desvalorização incutida (implícita ou explicitamente) pelo objecto abandonante, agente da depressão ou agente depressígeno – a causa mais importante –, quer (2) da racionalização patológica do paciente para salvar a sacralização do objecto (‘a minha mãe é a melhor do mundo’).

Na depressão patológica, o paciente é pobre e humilhado; na depressão normal, pobre mas revoltado. Na primeira, o sujeito idealiza o objecto, negando a sua má qualidade; na segunda, reconhece a malevolência e malignidade do objecto.

Na história pregressa do depressivo há ou pode haver: (1) momentos depressígenos traumáticos – retirada de afecto pelo objecto, com decepção e desânimo no sujeito – e (2) uma relação constante de perda contínua de afecto – a relação de economia depressígena, em que o indivíduo sistematicamente dá mais afecto do que aquele que recebe, assim se exaurindo.

Esta relação disfuncional e mórbida – a relação depressígena – é o processo central da etiopatogenia da doença depressiva. O doente – indivíduo sensível, generoso e criativo – busca, sendo empático e amando cada vez mais, captar o amor do objecto. Mas em vão, ingloriamente; pois o objecto, arreigado no seu egoísmo, suga o sujeito em vez de o amar. É um objecto desnarcisante; a mor das vezes, também paranóico – projectando na vítima a sua própria maldade, desvalorização e culpa –, controlador e opressor. A opressão, o desamor e a acusação indevida, no fundo a injustiça, são os ingredientes e a geleia do caldo de cultura da depressão – em que a predisposição herdada e a constituição adquirida de feições depressivas germinam e florescem.

A relação depressígena e depressiva é uma relação fechada, sem abertura a outras relações, uma relação de objecto único – com aquela pessoa e mais nenhuma. Exclusiva, logo restritiva; única, portanto sem arejamento. O paciente vive aprisionado numa relação doentia, que o oprime e esgota. Vítima da identificação projectiva patológica e maligna do objecto (‘o mau és tu’), é o “pião das nicas”, o “bode expiatório” e a “sanita privativa” deste. E vítima também da sua própria identificação projectiva benígna mas esvaziante: desidentifica-se perdendo as suas partes mais nobres e valiosas (‘o bom é ele: o pai, o mestre, o senhor’) – a sua identidade depaupera-se.

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