O mieloma múltiplo, também conhecido como mieloma, é um cancro sanguíneo
no qual os plasmócitos, componente importante do sistema imunitário,
reproduzem-se de forma descontrolada e se acumulam na medula.

No 13º Workshop Internacional de Mieloma, realizado em Paris com o apoio da International Myeloma Fundation, as inovações terapêuticas que permitem que esta doença incurável se possa transformar, aos poucos, em doença crónica foram o destaque em debate.

A Prevenir esteve presente e partilha agora consigo todas as novidades. A causa exata desta doença ainda é desconhecida mas existem muitos fatores de risco que aumentam a probabilidade de desenvolvimento do mieloma múltiplo. A constante exposição a pesticidas ou a sprays de pintura tem sido sugerida como uma das possíveis causas. Adicionalmente, vários estudos têm associado infeções víricas, tais como o VIH, ao aparecimento do mieloma múltiplo. Sabe-se que os portadores de VIH têm 4 a 5 vezes mais probabilidade de vir a desenvolver esta doença.

Quem atinge?

«Estamos a falar de uma doença cuja incidência aumenta com a idade. A maioria dos  doentes terá mais de 75 anos», refere Paulo Lúcio, hematologista no Hospital Militar e no Instituto Português de Oncologia de Lisboa. Mas não são de excluir os cerca de 2% de novos casos por ano em pessoas mais jovens. «A doença tem aparecido em pessoas mais novas, nomeadamente, antes dos 40 anos», acrescenta Catarina Geraldes,  hematologista nos Hospitais da Universidade de Coimbra.

Como se diagnostica?

O diagnóstico desta doença nem sempre é fácil, sobretudo quando os sintomas se  confundem com os de outras patologias. E requer intervenção laboratorial, através de  exames invasivos que passam pela biopsia de tecidos e pela avaliação da medula óssea. 

No entanto, «a suspeita é clínica, sendo de reforçar o papel dos médicos de Medicina Geral e Familiar, que, segundo Graça Esteves, hematologista no Hospital de Santa Maria, «já têm a noção que determinadas análises devem ser incluídas na rotina do  doente, permitindo que, depois de detetada determinada alteração, seja reencaminhado para uma consulta de especialidade», o que é considerado um grande avanço para os especialistas neste cancro. Desta forma, num doente com suspeita de mieloma, «em 24 a 48 horas, é possível ter o diagnóstico confirmado», salienta Paulo Lúcio.

De doença incurável para doença crónica

O mieloma múltiplo tem inúmeras consequências negativas a nível ósseo e
renal. No  entanto, a sobrevivência é cada vez mais longa.

«Apesar de
não ser conhecida cura, os hematologistas acompanham estes doentes
durante muitos mais anos, o que significa que lhes vão sendo colocados
novos desafios a nível terapêutico», caracteriza Catarina Geraldes. É por isso que esta patologia se tem vindo a transformar numa doença 
crónica, na qual as novas terapêuticas possibilitam maior qualidade de
vida aos doentes. 

«As doenças hematológicas não têm a mesma frequência
que o carcinoma da mama ou da próstata, por exemplo. Apesar de tudo, há
umas centenas de novos casos por ano e, provavelmente, aquilo que deu
protagonismo ao mieloma em termos científicos foi o facto de terem
surgido novos agentes com uma eficácia quase revolucionária em relação
ao que tínhamos para tratar este tipo de cancro há dez anos atrás»,
reforça Paulo Lúcio.

Opções de tratamento

No 13.º Workshop Internacional de Mieloma realizado recentemente em Paris foram divulgadas as mais-valias dos novos tratamentos, que têm resultado «na diminuição da mortalidade dos doentes com mieloma», indica o hematologista Paulo Lúcio. Antes da introdução dos novos fármacos, a sobrevivência era de cerca de três anos, «tendo  duplicado após as novas combinações», adianta Catarina Geraldes. «Cada novo fármaco aumenta as possibilidades de combinações e de novos mecanismos de ação»,  acrescenta.

Atualmente, o transplante de medula só é opção para doentes até aos 65-70 anos, «o que significa que os doentes além dessa idade vão, inevitavelmente, fazer os novos  fármacos», afirma Catarina Geraldes. Opinião partilhada por Mario Boccadoro, da Universidade de Turim, em Itália, que salienta que «quando o paciente chega ao consultório, os médicos devem decidir qual o tratamento mais adequado. Nos mais jovens, opta-se pelo transplante mas nos doentes mais velhos, há que apostar em  tratamentos mais convencionais».

Estratégia terapêutica

Cada doente passará ao longo da sua vida por várias terapêuticas, que vão sendo  ajustadas ao seu caso particular. Graça Esteves explica que «é possível recuperar  doentes em fases muito críticas, de forma a dar-lhes a capacidade de realizarem as suas atividades diárias, o que, por si só, é uma vantagem enorme. Apesar de haver casos em que os doentes perdem qualidade de vida definitivamente, outros há que voltam a ser autónomos», acrescenta a hematologista do Hospital de Santa Maria. Todos os novos medicamentos estão disponíveis em Portugal para uso hospitalar.

«Cada vez que surge um novo medicamento, procuramos associá-lo e integrá-lo num conjunto de armas  terapêuticas que já temos e que vão ser utilizadas», reforça Paulo Lúcio, adiantando  ainda que «como estes doentes vivem muito e nenhuma destas terapêuticas é curativa, inexoravelmente, vão passar por todas. O que procuramos é associá-las não só num  mesmo momento como ao longo do tempo para otimizar o resultado». Ou seja, o tratamento do mieloma passou a ser planeado não em cada momento mas de uma forma longitudinal.

Viver mais anos

Como o mieloma múltiplo esteve sempre associado a fraturas ósseas em que os  doentes ficavam praticamente imobilizados numa cama, é importante verificar o que se ganhou em termos de qualidade de vida. «Esse quadro, felizmente passou a ser exceção e não a regra. O que combinamos com cada doente é a forma como vamos gerir a sua doença para que possa viver melhor o maior tempo possível. Todos nós  temos doentes com mieloma múltiplo diagnosticado há 10, 15 anos. O objetivo é  lutarmos para que todos os doentes se aproximem desta realidade, ainda que nem todos lá cheguem», salienta Paulo Lúcio.

Prevenir um novo cancro

As novas terapêuticas permitem aos doentes «não terem um cancro ativo nem  submeterem-se a tratamentos mais agressivos», refere Kenneth C. Anderson, diretor do Serviço de Doenças Hematológicas do Dana-Farber Cancer Institute, em Boston (EUA). Além disso, a possibilidade de vir a sofrer um novo cancro diminui em larga  escala, com a vantagem de os testes laboratoriais demonstrarem que os pacientes toleram bem os efeitos secundários.

Têm existido também inovações fundamentais na terapêutica de suporte como, por  exemplo, fármacos que inibem a destruição óssea acelerada verificada no contexto  desta doença (bifosfonatos), bem como novos analgésicos para controlar a dor, mais potentes e eficazes. «Os bifosfonatos têm uma atuação muito importante no micro- ambiente em que está inserido o clone maligno, isto é, os plasmócitos monoclonais (com um comportamento funcionalmente anormal) que vão ser responsáveis pelas  manifestações do mieloma múltiplo», esclarece Catarina Geraldes.

Texto: Cláudia Pinto com Mario Boccadoro (professor na Universidade de Turim), Catarina Geraldes (hematologista nos Hospitais da Universidade de Coimbra), Graça Esteves (hematologista no Hospital de Santa Maria), Kenneth Anderson (director do Serviço de Doenças Hematológicas do Dana-Farber Cancer Institute, em Boston - EUA) e Paulo Lúcio (hematologista no Hospital Militar e no Instituto Português de Oncologia de Lisboa)