No início de janeiro, Rosa Guimarães, então com 47 anos, foi confrontada com a realidade de que sofria de leucemia mieloide crónica (LMC), um tipo de cancro no sangue de carácter crónico.

Apesar de existirem alguns sintomas de alerta, a verdade é que, no seu caso, nenhum se manifestou, e o diagnóstico foi feito numa simples análise de rotina.

Durante um dos exames anuais feitos na empresa onde trabalhava (Millennium BCP), os resultados do hemograma acusaram valores anormais e foi encaminhada para o Hospital de S. João, no Porto, para fazer outro tipo de exame. «No dia 2 de janeiro de 2006, fiz a punção da medula óssea e, passadas mais ou menos duas horas, já tinha o resultado do diagnóstico», recorda Rosa Guimarães, casada e mãe de dois filhos de quase 30 anos.

Não esconde que a primeira reação foi de negação. «Pensei que os médicos estavam enganados porque não tinha sintomas nenhuns», admite. Depois sim, experimentou sentimentos como raiva e o medo de morrer. «Tive medo de perder tudo aquilo de que mais gostava e amava na vida, uma miscelânea de sentimentos, muitas perguntas sem respostas e muitas incertezas. Tudo fica indefinido», constata.

Conhecer o inimigo e aceitá-lo

Como o seu conhecimento sobre a doença era, na altura, escasso, o primeiro passo foi procurar informação. «Já tinha ouvido falar em leucemia mas desconhecia que a doença se dividia em diferentes tipos. Só após o meu diagnóstico é que, aos poucos, procurei informação junto dos médicos, através da Internet, artigos em revistas e jornais, e ouvindo depoimentos de outros doentes», explica. Confrontada com a realidade e depois de ter vivido uma mistura de sentimentos desde a raiva ao medo, Rosa Guimarães, hoje com 52 anos, admite que, inicialmente, a doença não teve grande impacto imediato na sua vida.

«Continuei a trabalhar e a fazer tudo normalmente. Nos primeiros tempos só tinha que ir todas as semanas ao hospital fazer o controlo de sangue (hemograma). Mas, com o passar do tempo, há certas reações ao tratamento que começam a surgir, embora nunca tivesse sido provado que essas reações fossem fruto da medicação, da própria doença, ou outro problema que pudesse ter surgido», conta.

De qualquer forma, para quem tem uma doença crónica, considera que leva uma vida normal mas não esconde que, neste momento, se encontra em situação de reforma e que, emocionalmente, «é difícil de gerir uma situação destas, mas também existem técnicos e médicos para ajudar a controlar toda a emoção. Tenho regularmente uma consulta de Psicologia no Hospital de S. João. E depois, a família também é um pilar importante, fazendo-nos sentir que precisam de nós. Mas o trabalho de dominar a situação (doença sem cura) tem de ser nossa. Deve-mos aceitar a doença sem nos deixarmos vencer por ela. Criar estratégias para ocupar o tempo de forma a não existir disponibilidade para se pensar nela», admite.

Rosa Guimarães ressalva a importância de sentir que, ao seu lado, houve
sempre compreensão e disponibilidade para ajudá-la. «As pessoas que me
rodeiam foram e são compreensivas e solidárias. Comunicaram-me que se
fosse preciso fazer testes para detetar uma possível compatibilidade de
medula, estariam disponíveis. Só isso fazia com que sentisse que não
estava sozinha e que tinha a melhor família e amigos do mundo. Tenho um
irmão a residir do Brasil e deslocou-se o mais rápido possível a
Portugal para ir comigo fazer os testes no Centro de
Histocompatibilidade do Norte mas, tanto ele como o outro irmão que
tenho a residir cá, não foram compatíveis», conta.

Viver com a doença

Apesar de todo o apoio e de nunca ter sido proibida pelos médicos de fazer o que quer que fosse, a verdade é que Rosa Guimarães sente algumas limitações no seu dia a dia. «Por exemplo, em situações de muita poluição ou pó, sinto-me um pouco asfixiada, noto que tenho alguns sintomas de alergia, mas também nunca foi confirmado qualquer relação com a doença. Sinto mais cansaço em qualquer tarefa, mas isso pode ser da idade», ri-se. Segue à risca o tratamento que lhe foi indicado e, todos os dias, toma um medicamento específico.

«Neste momento, faço o hemograma e sou observada 60 em 60 dias no Hospital de S. João. No início, este intervalo era mais curto mas, quando tudo começa a ter sucesso, vai-se alargando. No meu caso, faço também um exame anual (quantificação BCR-ABL), para provar que os valores do hemograma estão dentro dos parâmetros normais», explica.

Otimista, tenta não fazer da doença um cavalo de batalha mas sim aprender a viver com ela. Por isso mesmo, quando questionada sobre o que mudou na sua vida desde que descobriu que sofria de leucemia mieloide crónica, a resposta parece, à partida, um pouco ambígua. «Muda tudo e ao mesmo tempo não muda nada». Mas é a própria
que desfaz essa ambiguidade.

«Não muda nada, porque é isso que queríamos, mas na verdade não é bem assim. Muda tudo porque não há dúvidas, a doença está ali. Depois, há um sintoma novo que aparece que até ao momento não tínhamos e fica sempre a dúvida se existe alguma relação entre o mesmo e a doença. Há uma dor inesperada que aparece, existem sempre muitos pontos de interrogação e para os quais não temos respostas. São as consultas, são as análises, são os exames de ecografias, é a toma do medicamento, etc», descreve. Também na alimentação houve alguma alteração. «Fui encaminhada para a consulta de Nutrição, onde sou informada sobre a dieta a seguir, os alimentos que devo privilegiar assim como aqueles que devo evitar», constata.

Mas há algo que não tem dúvidas ter mudado para melhor. «Na minha maneira
de ser, passei a ser uma pessoa mais disponível para os outros mas
também mais sensível. Dou mais importância ao que me rodeia, talvez por
não poder viajar tanto como queria. Acima de tudo, privilegio o meu
bem-estar e o de quem me rodeia», assume.

Num balanço entre perdas e ganhos, Rosa Guimarães prefere pensar de
outra forma. «A doença é mais uma premissa em qualquer decisão. Não
gosto de dizer que perdi, gosto mais de dizer deixei de fazer. Por
exemplo, nas férias, não devo apanhar sol, não devo viajar para países
com doenças tropicais ou que tenham condições sanitárias precárias mas
ainda sobram muitas alternativas», exemplifica.

«Como em tudo na
vida, perdem-se umas coisas e ganham-se outras. Passei a ter mais tempo e
a geri-lo em meu proveito», confidencia esta mulher.

«Ajudo a minha família a tratar de assuntos
burocráticos, para que não faltem aos seus empregos. Por exemplo, neste
momento, o meu marido foi operado e sou eu que o tenho acompanhado na
cirurgia, nas consultas, e diariamente, na fisioterapia. Faço
companhia a quem precisa, em geral sou uma boa ouvinte e gosto de dar
conselhos pacificadores e mostrar que o mundo é aquilo que nós somos.
Gosto de fazer o balanço sobre o que vou fazendo diariamente para que
haja mais felicidade», refere.

«Também frequento aulas num ateliê de pintura, um
espaço que serve também para  conviver e falar das nossas angústias»,
afiança. E é no fator psicológico que se encontra grande parte do segredo para
conviver melhor com a doença. «Devemos aceitar a doença sem nos
deixarmos vencer. Ao aceitarmos a doença sabemos que há um tratamento
que tem que ser feito impreterivelmente, tal e qual como o médico manda,
porque é daí que resulta o sucesso do respetivo tratamento», conclui,
com um sorriso.

Os conselhos de Rosa Guimarães

- Procurem ser felizes

«Não deixem que a doença mande mais do que o vosso querer. A leucemia mieloide crónica é apenas uma doença como tantas outras. Não deixem de ser felizes. Ocupem a vossa mente e lutem por projetos».

- Informem-se e partilhem histórias

«Quando tiverem dúvidas sobre a doença, falem com os médicos, são eles que estão em situação privilegiada para esclarecer todas as dúvidas. Ouvir depoimentos de outros doentes que estão na mesma situação também ajuda».

Texto: Joana Martinho