Idalina Reis chega cedo ao hospital. Assim que veste a farda de enfermeira,  esquece a vida que tem lá fora. Durante o turno, não fala com familiares ou amigos. O tempo é todo ele dedicado aos seus pacientes. “Se vale a pena ser enfermeira? Eu não seria a mesma pessoa com este prazer de viver, se não tivesse esta profissão”, diz.

Por Sónia Santos Dias, a acompanhar o turno de uma enfermeira no Hospital Garcia de Orta

São 8h00. Idalina Ribeiro (na foto), 42 anos, está presente na passagem de turno. Durante meia hora, a equipa de enfermagem da noite passa toda a informação sobre os pacientes internados à equipa seguinte. Estamos no serviço de Ginecologia/Cirurgia Vascular do Hospital Garcia de Orta, em Almada.

Feita a passagem, começa o rodopio da manhã: medicação, avaliações, pensos, banhos, análises... e todos os restantes cuidados a serem prestados aos pacientes. São os enfermeiros quem estão junto dos utentes 24 horas por dia e conhecem todos os seus problemas.

Lina, como é chamada, é enfermeira há 19 anos: passou pelos hospitais S. Francisco Xavier e Egas Moniz. E por vários serviços, entre os quais as urgências. Tem uma especialização em Saúde Mental e Psiquiatria. «Tento sempre saber o que sentem. Brinco com eles. Mas o humor é uma faca de dois gumes e temos de ter sensibilidade para saber quando se pode brincar», diz. Ouvir o doente faz parte da profissão de enfermeiro, saber o que sente, as suas angústias e tentar esclarecer-lhe todas as dúvidas.

Ver vidas no limite faz parte da rotina diária dos enfermeiros num hospital. Há que desenvolver estratégias para superar toda a carga dramática com que se cruzam. A enfermeira Lina tem várias: o humor, ter uma forte rede de amigos e familiares, ter uma animal de estimação, fazer exercício físico, escrever, viver o dia a dia aproveitando os bons momentos com prazer, e não falar dos casos passados no hospital!  E resultam? «Às vezes fico a pensar nos casos. Essa história de que somos insensíveis é completamente mentira. Há situações com as quais nos identificamos e às vezes há uma empatia especial. Há uma grande ligação entre utentes e enfermeiros», conta. 

 

Meio da manhã. Virgínia Tavares, 61 anos, bate à porta. Retirou uma mama em 2004 e a outra no passado mês de fevereiro. Vem fazer uma massagem ao peito. Uma rotina diária no seu tratamento. Questionámos sobre o papel que os enfermeiros têm nesta fase da sua vida: «É fundamental. Sentir o apoio é uma meia cura. Numa altura destas, uma pessoa precisa de muito apoio e os enfermeiros são os que nos dão mais atenção».

Virgínia sai da sala, Ana Flores, 52 anos, entra. Operada à mama, no passado mês de abril, tem também uma experiência positiva no que respeita ao papel dos enfermeiros. «Foram espetaculares», mas remata: «Só que há umas pessoas melhores que outras».

Muitas histórias se passam num hospital. Um pouco de tudo. Uma caricata foi quando a esposa e a amante de um paciente internado se cruzaram na hora da visita. Deu discussão, conta Idalina. Mas as mais dramáticas são também as mais marcantes, como «quando uma senhora muito querida quis ir morrer a casa e o serviço ficou todo a chorar».

Por vezes, há histórias que ficam para a vida. Idalina recorda emocionada o caso de um jovem que ficou tetraplégico, mas que manteve algum sentido de humor. Era na altura estagiária no serviço de ortopedia: «É uma história triste, mas não me quero esquecer dela. Ele estava naquela situação e brincou comigo. É uma pessoa que está lá dentro», conta Idalina, sem conseguir evitar algumas lágrimas. «Eu continuo à espera de conseguir ser insensível, mas não consigo. Por isso, é tão importante ter vida lá fora», remata. Hora de almoço. É altura de desanuviar.

15h00, hora da medicação. Cada enfermeiro tem sete utentes atribuídos. E, mais uma vez, é preciso ver os sinais vitais, fazer pensos e controlar o estado de saúde e evolução do doente.

É da parte da tarde que chegam também as visitas. Bruno Miguel, 24 anos, veio visitar a avó, de 88 anos, e diz: «Têm sido cinco estrelas, mas noto que os enfermeiros mais novos dão mais valor aos idosos. É algo mais emocional, mais humano».

Todos os dias chegam ao serviço bolos, flores ou outros presentes de agradecimento oferecidos por quem viveu nesta unidade alguns dos momentos mais dramáticos das suas vidas. Mas os enfermeiros queixam-se da pouca reputação que a profissão ainda goza fora das paredes do hospital. Carlos Rodrigues, enfermeiro chefe do serviço de Ginecologia/Cirurgia Vascular, comenta: «Ser enfermeiro é um bocado ingrato, porque é uma profissão muito exigente, com muitas responsabilidades, mas não é muito reconhecida. Já foi pior, mas muitas vezes este trabalho só tem visibilidade pela parte negativa». E acrescenta: «Mas é recompensador. O feedback que temos dos utentes é bom, e  são eles o alvo do nosso trabalho»... talvez por isso é que no dia 12 de maio se celebra o Dia Internacional do Enfermeiro.

16h30, fim de turno!