«A glomerulonefrite é a principal causa de insuficiência renal em Portugal. Há alguns anos, estava muito associada a problemas do aparelho respiratório superior, a amigdalites e a outras infecções. Actualmente, a doença não está tão associada a este tipo de infecções. Também pode ter uma causa desconhecida», refere Castro Henriques, nefrologista no Hospital de Santo António.

Segundo este especialista, «trata-se de uma doença que pode aparecer em qualquer idade e que se manifesta de várias maneiras, desde alterações analíticas até a alterações da urina, nomeadamente, o aparecimento de sangue ou de proteína na urina. As alterações da urina são facilmente detectadas pelos testes da urina. Outra manifestação frequente é a hipertensão.»

Quanto mais precoce for o diagnóstico, mais facilmente se atrasa a evolução. O controlo da hipertensão e da proteinúria é importantíssimo. Muitas vezes, o que se faz é atrasar a progressão para a insuficiência renal.

As pessoas devem realizar um rastreio precoce em relação às infecções respiratórias e às amigdalites. Não devem falhar as consultas de rotina. Se tiverem algum sinal de alteração da urina, devem procurar ajuda no médico de família que, eventualmente, pode reencaminhar para um especialista adequado.

Como se trata?

«Quando surge insuficiência renal, há três formas de tratamento: hemodiálise; diálise peritoneal e o transplante, que é a solução que confere uma maior qualidade de vida», explica Castro Henriques. O médico refere que «quando o rim “novo” está em funcionamento, suspende-se a diálise. Ainda que passe a existir uma função renal adequada, os doentes devem tomar imunossupressores que impedem a rejeição ao transplante», refere o especialista.

«Os dadores vivos permitem-nos a realização de um transplante antes do doente iniciar a diálise propriamente dita. Normalmente, preferimos que seja alguém da família, que tem histocompatibilidade com o doente e características genéticas que favorecem a cirurgia.», conclui.

Nada fazia prever que, de um dia para o outro, a história de vida de Ana Nogueira mudasse totalmente. «Sempre me considerei uma pessoa saudável. Praticava futebol, ciclismo e motociclismo. Sempre gostei de praticar desporto e de estar fora de casa», confessa.

Certo dia, comentou com a mãe que estava muito inchada. 13 de Julho de 1980. A data ficou-lhe na memória tal como sente no corpo e na mente as contingências de ter uma doença crónica.

«Nesse dia, ia ingressar no Futebol Feminino do Boavista», o que acabou por não acontecer. Não houve tempo. Entre o principal sintoma – inchaço generalizado – e a ida ao hospital, o internamento veio a revelar a necessidade de fazer diálise, devido a um problema de insuficiência renal.

«Foi neste dia que começou o meu relacionamento com a doença». Na altura, os médicos avaliaram a situação como muito grave e chegaram mesmo a dizer à mãe que teria pouco tempo de vida. Esta é uma das memórias que não esquece e que critica vivamente: «Julgo que os médicos devem preparar os familiares para o pior mas é importante ter cuidado com a forma como dizem as coisas porque a prova de que a minha situação tinha solução é o facto de ainda estar viva.»

Adolescência roubada

Para Ana Nogueira, foi muito complicado receber aquela notícia aos 16 anos. «No começo, não me souberam explicar bem o que tinha. De qualquer forma, o facto de ter de começar a fazer tratamentos representou um grande choque para mim e para a minha família».

Começou por ser seguida no Hospital de Santo António, no Porto, mas foi posteriormente transferida para a Casa de Saúde da Boavista por não haver vagas no hospital.

Os primeiros tratamentos foram realmente difíceis de seguir. «Na altura, o que mais me marcou foi ficar sem ver e sem andar, dois sintomas transitórios resultantes da doença. Por outro lado, como fazia hemodiálise de manhã, nunca fazia a digestão na noite anterior. Comia pouco mas acabava por vomitar por uma questão nervosa.»

O corpo começava a queixar-se dos tratamentos de quatro horas três dias por semana. De tal forma que Ana Nogueira teve de abandonar os estudos. «Não tinha condições físicas nem psíquicas para continuar», diz-nos. Começou a ter apoio psicológico e a cada dia que passava aumentava o sonho de ser transplantada.

«O diagnóstico não foi fácil. Indicaram-me, algum tempo depois, que sofria de glomerulonefrite crónica de causa desconhecida», refere.

O hospital como segunda casa

Apesar da revolta inicial, Ana Nogueira tem boas recordações dos profissionais de saúde que a acompanharam desde o começo. «São os meus anjos da guarda». Eram eles que lhe davam assistência, mesmo quando estava em casa, pois tinha faltas de ar constantes resultantes do estado de nervos em que se encontrava. «Por outro lado, a certo momento, não foi fácil administrarem-me o tratamento por via venosa porque fazia fístulas regularmente», afirma.

Ana Nogueira sempre teve fé em Deus. Ainda hoje tem, apesar de confidenciar: «Quando a doença me foi detectada, revoltei-me imenso e cheguei a duvidar da minha fé.»

O ansiado transplante

Treze anos depois, Ana Nogueira teve oportunidade de realizar um primeiro transplante. «Mais tarde, viria a confirmar-se uma tentativa sem sucesso porque entrou em processo de rejeição.»  Define esta fase como a mais complicada em toda a sua doença, «porque sonhava com esse dia há anos». Foi então que ficou com a vida completamente virada do avesso. Correu perigo de vida, tinha hemorragias frequentes e recomeçou a fazer hemodiálise.

«Estive dois anos e meio em rejeição crónica». Ainda assim, sempre manteve a convicção de que iria conseguir sobreviver e não deixou de procurar ajuda em Medicina Alternativa. «Fiz acupunctura, yoga, alimentação macrobiótica… Tentei tudo!», ressalva.

Ajudar os outros

Esta complicada fase foi crucial para começar a ajudar outros doentes no Hospital de São João, no Porto. «Falei com os médicos nefrologistas e disse-lhes que gostaria de formar um núcleo de apoio a outras pessoas com o mesmo problema.»

A ideia ganhou forma e mantém-se ainda hoje. Com energia, dedicação e persistência.«Eu ensino com a minha experiência mas também aprendo muito! Por vezes, chego a estar 12 horas seguidas no hospital. Gosto de lá estar e ajudar outras pessoas com o mesmo problema», diz-nos.

Foi nesta altura que foi criado o Núcleo de Apoio e Informação à Diálise e Transplante (NIADT). Ana Nogueira continua à frente do projecto, todos os dias, de forma voluntária e chega a ser uma influência muito positiva para doentes que pensam desistir de realizar um transplante, com receio de que algo corra mal.

«Hoje em dia, tenho a minha opção de vida e luto diariamente pelos doentes que acompanho», explica, acrescentando que nunca chegou a casar e a investir num relacionamento ou na possibilidade de ter filhos.

O passaporte para uma nova vida

Tal como recorda a data em que lhe foi diagnosticada a doença, Ana Nogueira recorda o dia 29 de Julho de 1999 como aquele em que renasceu. «É a minha data sagrada que me conferiu qualidade de vida.»

No dia em que lhe telefonaram do hospital a indicar que poderia realizar um novo transplante, a mãe de Ana Nogueira teve muito medo pela sua vida.O que é facto é que, depois desta cirurgia, não voltou «a ter problemas nem a ser internada. «Fiquei muito feliz quando comecei a recuperar da cirurgia».

Tem noção que muitos doentes se deixam vencer pelo medo e pelos muitos mitos associados aos riscos dos transplantes. «Há que ter coragem. Eu sou o exemplo vivo de que vale a pena tentar», confessa.

Actualmente, faz a sua vida normal, passa cerca de 12 horas diárias no hospital dedicada ao NIATD e aos «seus doentes», como carinhosamente os trata.

Deixou de tomar 42 medicamentos diários. Agora, já só precisa de três: «um imunodepressor para controlar a possibilidade de rejeição, um calmante em jejum porque sou muito agitada e ainda um medicamento que controla a parte cardíaca», acrescenta.

Uma vida nova, muitos projectos para continuar e força de viver, características que fazem de Ana Nogueira uma mulher de armas e que não deixa de aproveitar a oportunidade para agradecer aos seus «heróis».

«Agradeço todo o apoio que o Centro Hospitalar de Santo António me tem dado. Espero contar sempre com este apoio para os projectos de futuro! Gostava ainda de agradecer aos meus heróis [equipa médica] que me ajudaram antes, durante e após o transplante», conclui.

 Os conselhos de quem enfrentou a doença

1. Ter vida social

«Se os doentes se quiserem isolar e não tiverem vontade de promover a sua vida social, os familiares e amigos devem apoiá-los, tentar que saiam e que se abstraiam da doença.»

2. Obter informação

«Na altura, cheguei a ser discriminada pela sociedade. Existe muita falta de informação sobre a hemodiálise e o que são as doenças renais.»

3. Não desistir.

«Lutem contra a doença! Não é o fim do mundo. Contactem as associações que estão disponíveis para vos ajudar.»

Contactos

Para pedir ajuda e esclarecimentos ao Núcleo de Apoio e Informação à Diálise e Transplante (NAI DT), escreva para naidt@hotmail.com

Texto: Cláudia Pinto com Castro Henriques (nefrologista no Hospital de Santo António) e Ana Nogueira (fundadora do Núcleo de Apoio e Informação à Diálise e Transplante no Hospital de São João)