Tinha 45 anos quando se viu confrontada com uma doença rara que a levou ao desespero, depois de perder a visão de um olho. Uma patologia que afeta menos de uma em cada 5.000 pessoas.

«Iria acabar por ficar cega porque todos os tratamentos que estava a fazer não estavam a resultar. A situação era má», recorda o britânico John Dart, professor da University College London.

Habituado a lidar com doenças como a queratite neurotrófica, a retinite pigmentosa e o síndrome do olho seco, este médico do Moorfields Eye Hospital conseguiu incluir a sua paciente na lista de cobaias do REPARO, um ensaio clínico internacional que está a decorrer em nove países europeus, incluindo Portugal, para avaliar as potencialidades terapêuticas da proteína NGF (nerve growth factor) e da aplicação clínica rhNGF (recombinant human nerve growth factor) no tratamento de doenças que podem afetar irreversivelmente a visão de homens e mulheres um pouco por todo o mundo. «Neste momento, essa mulher já voltou a trabalhar», elucida John Dart.

«Atualmente, já não está a fazer qualquer tratamento e voltou a sorrir», assegurou mesmo o especialista numa conferência de imprensa para jornalistas europeus, realizada no final de maio de 2014, em L’Aquila, em Itália, onde a Dompé, a empresa anfitriã que está a desenvolver o rhNGF, tem o seu centro de investigação tecnológica. «Este estudo tem demonstrado que o tratamento é seguro e bem tolerado pelos pacientes», garantiu também, na mesma ocasião, Stefano Bonini, o investigador que lidera o ensaio clínico.

A queratite neutrófica é uma doença rara incapacitante, marcada por uma forte progressão degenerativa. Provocada por doenças como a diabetes ou lesões causadas por herpes, também pode ser consequência de intervenções cirúrgicas. A inervação reduzida que dela resulta leva, em situações mais extremas e mais graves, à ulceração e perfuração da córnea, que pode ter como consequência a perda de funções visuais e até mesmo a cegueira completa.

Para combater o problema, a Dompé, com base nas descobertas da vencedora de um Prémio Nobel Rita Levi Montalcini, desenvolveu o rhNGF, um potencial medicamento que está a ser alvo de um inédito e inovador teste clínico internacional com resultados muito promissores. «Os nossos investigadores são os primeiros a utilizar uma molécula de NGF para utilização oftalmológica», sublinha Eugenio Aringhieri, diretor-executivo da empresa.

Os dados preliminares da fase I da investigação foram apresentados em maio de 2014 na reunião anual da ARVO, as siglas de Association for Research in Vision and Ophthalmology, a associação para a investigação da visão e da oftalmologia, nos EUA. A possibilidade do fator recombinante de crescimento do nervo humano (rhNGF), uma molécula para utilização oftálmica, representar o primeiro tratamento potencial direcionado para a queratite neurotrófica, entusiasmou os presentes. Mas o estudo ainda não está concluído e em Portugal só arrancou, em termos práticos, depois de junho.

Os resultados preliminares da fase I do ensaio clínico, desenvolvidos nos 39 centros dos nove países envolvidos com 18 doentes (11 mulheres e 7 homens), vieram confirmar a tolerabilidade do rhNGF.

Numa percentagem elevada de doentes, as lesões da córnea foram totalmente curadas. «Temos resultados muito prometedores», afirma Eugenio Aringhieri, diretor-executivo da empresa biofarmacêutica Dompé.

Em Portugal, o Hospital de São João do Porto e os Hospitais da Universidade de Coimbra são os dois centros de excelência envolvidos na investigação.

Os dois primeiros pacientes que se vão submeter ao tratamento que os promete curar em apenas oito semanas estavam na fase final de seleção em maio de 2014, iniciando o processo nas semanas seguintes. À semelhança do que tem sido feito lá fora, numa primeira fase apenas um recebe a nova medicação, sendo o outro submetido a uma substância inócua para inferir de um eventual efeito de placebo, permitindo aos investigadores estabelecer comparações.  

«Mas, depois dessas oito semanas, o outro paciente também tem acesso ao medicamento», realça John Dart. «Na prática, todos acabam por fazer o tratamento, que implica a toma de seis fármacos por dia durante oito semanas. E, em termos médios, cerca de 70% desses doentes ficam curados ao fim desse período», realça o especialista britânico, que assume que a parte relacional da experiência acaba por ser uma das mais complicadas. Porque os pacientes têm noção de que podem estar inseridos no grupo errado.

«São pacientes muito difíceis de lidar porque não gostam de saber que podem estar no grupo que está a ser alvo do tratamento fictício», reconhece o professor. Em meados de 2014, os olhos estão postos na fase II do REPARO, a fase de desenvolvimento que ainda tem em curso a inscrição de doentes. A prioridade é dada aos que já sofram de uma queratite neurotrófica moderada ou grave. Como a integridade da córnea, o órgão com mais terminações nervosas no organismo humano, é mantida pela inervação e não pela vascularidade, a ação da NGF pode ser decisiva.

Esta proteína estimula o crescimento, a manutenção e a sobrevivência dos neurónios, pelo que a produção biotecnológica de um tratamento baseado em rhNGF tem «potencial para fornecer aos doentes que sofrem de queratite neurotrófica uma resposta terapêutica verdadeira e eficaz», reforça Eugenio Aringhieri, a quem Stefano Bonini, responsável pelo Departamento de Oftalmologia do Campus Biomédico de Roma e investigador principal do estudo, tece elogios.

«Possibilitou a produção de um medicamento sob avaliação clínica num espaço de tempo muito reduzido», enaltece o especialista. A molécula, em análise há já 12 anos, também se encontra em experimentação para o tratamento da retinite pigmentosa e da síndrome do olho seco mas, apesar dos primeiros indicadores positivos, o novo medicamento ainda poderá demorar a chegar ao marcado. «2018 ou 2019» é o horizonte temporal atualmente previsto por Eugenio Aringhieri. Mas o prazo pode vir a ser encurtado.

O impacto positivo da apresentação pública dos resultados da fase I do estudo científico REPARO acabou por colocar mais pressão em cima da Dompé.

Se se confirmar que o novo tratamento da biofarmacêutica italiana é tão eficaz como os dados preliminares do período inicial do ensaio clínico internacional fazem, à partida, crer, a empresa tem todo o interesse em começar a rentabilizar o investimento feito ao longo da última dúzia de anos.

«No fim da fase II, inicia-se a fase III, que só deve terminar em 2018 ou 2019», esclarece Eugenio Aringhieri.

«Mas se, no fim de 2014 ou 2015, tivermos elementos consolidados que nos comprovem que o tratamento é fiável e eficaz, teremos de fazer uma nova análise», admite o diretor-executivo da companhia. «Teremos de ver mas, nesse caso, quereremos levar rapidamente o produto para o mercado. O processo pode ser acelerado», reconhece Eugenio Aringhieri, que, contudo, também não se quer precipitar.

«O rhNGF é um tratamento promissor mas ainda não temos dados suficientes que transformem a promessa em realidade. Mas estamos a trabalhar nisso e temos essa expetativa», acrescenta o executivo, que se prepara também para iniciar um projeto de tratamento do glaucoma nos EUA, onde a empresa abriu uma subsidiária em 2013. «E estamos a desenvolver esforços para iniciar este estudo lá», revelou ainda aos jornalistas.

Texto: Luis Batista Gonçalves (em L’Aquila, Itália, a convite da Dompé)