«Isto não tem importância nenhuma, não é nada, deixa estar». Era assim que António Neves, de 66 anos, reagia quando a mulher, Henriqueta, insistia com ele para ir ao médico queixar-se de um sinal que lhe tinha aparecido recentemente no pulso.

A história de António Neves teve início em junho de 2010. A infância passada com os três irmãos em tardes de praia ou de pesca nunca foram um problema.

Apesar de ter a pele branca e os olhos muitos claros, para onde os irmãos iam, António Neves não deixava de ir. Mais tarde vieram as férias de família no Algarve com longos dias de praia e muitas horas de sol. António Neves confessa que desconhecia os perigos do excesso de exposição solar.

Aliás, nem pensava nisso. «Fazia sempre praia no verão, à vontade, sem qualquer tipo de proteção. Nunca punha nada», conta. A sua mulher, Henriqueta, acrescenta que «ele era muito relutante em aplicar protetor solar». É certo que há 40 anos não havia tanta informação sobre os riscos dos raios  ultravioleta e os malefícios que provocam no organismo e na pele. Muito menos informação havia sobre melanoma ou qualquer outro tipo de cancro cutâneo.

O sinal que era diferente

Quem deu o alerta foi Henriqueta que reparou naquele sinal, em junho de 2010. Tinha nascido na parte interna do pulso, era rosado e tinha uma espécie de núcleo. Não sabiam há quanto tempo lá estava mas, provavelmente, desde o inverno. «Para mim, era apenas mais um sinal», diz António ainda hoje, com um encolher os ombros.

A mulher insistia para ele ir ao médico ver o que se passava. «Não gosto mesmo nada desse sinal», dizia Henriqueta insistentemente. Os alertas da mulher não foram, contudo, suficientes para que António marcasse uma consulta de dermatologia. Mas o facto de, entretanto, surgir um outro sinal, com sintomas de comichão, nas costas de Henriqueta foi, de alguma forma, a coincidência que salvou António. Foram os dois ao médico.

Depois de analisado o sinal de Henriqueta (que, felizmente, não era grave), o dermatologista olhou para a mancha na pele de António e, ainda ele dizia «isto não tem importância nenhuma», já lhe estava a pedir para fazer uma biopsia com urgência. A partir deste momento, António diz que se desligou completamente do processo.

Deixou tudo nas mãos de Henriqueta e limitava-se a fazer o que médico mandava. «Quem me orientou foi a minha mulher. Não soube de mais nada. Estava na ignorância total. E não queria saber. Para não me preocupar, para me abstrair. Felizmente, a minha mulher é uma pessoa muito interessada, em tudo, e se ainda hoje estou aqui devo-o a ela», revela.

A biopsia e o resultado

No dia em que António foi buscar o resultado da biopsia, por mero acaso tinha ido sozinho, viu o relatório e ligou a Henriqueta, que se lembra desse momento como se fosse hoje. «Ele liga-me e diz que já tem o resultado do exame e que diz que tem um melanoma maligno. Achas que é perigoso? É alguma coisa de mais?», perguntou-me. Henriqueta diz que ficou paralisada. Mas como sempre foi uma pessoa muito direta, respirou fundo e respondeu. «É. É muito mau. Vais à consulta agora? Então eu vou já aí ter contigo», relembra. Ao chegarem, a reação do médico também foi a mais realista possível.

Perante as perguntas de Henriqueta sobre o que poderia acontecer, disse-lhes que não sabia. «Antes de removerem o tumor e de fazerem mais exames, seria impossível saber se já se tinha espalhado, tanto podia ter dois meses como um ano de vida», desabafa. António não estava ali. E confessa que nunca ficou psicologicamente afetado porque se desligou da realidade.

Perante o diagnóstico de melanoma maligno, o dermatologista disse-lhes que a única coisa a fazer era a remoção cirúrgica e que isso tinha de ser feito naquele mesmo dia. «É mesmo muito agressivo, pode estar aqui de volta dentro de 20 minutos?», insistiu. E assim aconteceu. Naquele dia, naquele momento, António soube que tinha um cancro na pele e, logo de seguida, foi operado.

A importância da cirurgia

A extração do sinal foi feita com o devido alargamento das margens, prevendo uma dimensão superior à da mancha e com uma profundidade maior, para evitar que permaneçam vestígios de células cancerígenas. Cicatrizes? Uma costura discreta de oito pontos na parte interna do pulso. De seguida, foi feito o estadiamento para analisar a profundidade e a gravidade do melanoma e um raio-X ao tórax.

Seguiu-se um cálculo das probabilidades de se ter espalhado pelo organismo através  do exame PET, um scan corporal que analisa a possível proliferação de células malignas no organismo. O resultado foi, naquelas circunstâncias, o melhor possível: 0,2 mm, o que não implica  risco de vida nem a necessidade de fazer tratamentos oncológicos como radio ou quimioterapia. «Hoje penso duas vezes se acredito ou não em coincidências porque sem dúvida que o meu sinal nas costas foi o alerta que nos fez ir ao médico», confessa Henriqueta convictamente enquanto António a observa com um sorriso.

Depois do melanoma

Neste momento, a situação clínica de António está estável e não implica risco de vida. Mas, depois deste susto, Henriqueta pesquisou e quis saber mais.

«Neste caso, sim, foi um problema de excesso de sol mas alguma coisa fez desencadear isto, não?», questiona-se. Descobriu que o melanoma surge, em grande medida, devido a um sistema imunitário enfraquecido e partiu em busca de soluções que pudessem minimizar os riscos de reincidência.

Encontrou um centro de Medicina Funcional e Integrativa que  preconiza a combinação de várias medicinas alternativas em prol do equilíbrio do organismo. E deu início a uma nova terapêutica, com a concordância dos médicos que acompanham o caso de  António. Foi criado um plano alimentar totalmente personalizado que privilegia os alimentos ricos em antioxidantes e ácidos-gordos ómega-3, com muitos frutos secos, peixe, e a total abolição de  laticínios (foram substituídos por bebidas de soja e derivados).

«Ficámos a conhecer as nossas carências alimentares e reforçámos os cuidados que já tínhamos, porque, ainda que não seja  determinante, o equilíbrio do organismo e o reforço do sistema imunitário é crucial para diminuir a  probabilidade de voltar a surgir alguma coisa», conclui Henriqueta. Paralelamente, António continua a ser seguido trimestralmente pelo dermatologista e uma oncologista do IPO e tenta manter todos os sinais debaixo de olho.

A necessidade de alertar os outros

Henriqueta e António estão seriamente empenhados em alertar a sociedade para os perigos do sol. «O que nos aconteceu foi de tal maneira avassalador que gostava de evitar que isto acontecesse a outras pessoas», explica Henriqueta, porque «as pessoas são apanhadas de surpresas e não têm  noção do perigo a que se expõem». António sugere até que seja criado um sistema de informação sobre os raios solares, colocado à entrada das praias, com a indicação da perigosidade da radiação e até com a sugestão de produtos recomendados.

«Seria positivo a todos os níveis. Isto porque tudo na vida tem consequências e um sistema destes, para além de avisar as pessoas, que é o mais importante, a longo prazo, poupavam-se também gastos no sistema de saúde com problemas de cancro da pele», explica. Até porque, «curiosamente somos um país de sol, mas todos os produtos de proteção solar de qualidade, que garantam realmente alguma eficácia, são caríssimos», lamenta Henriqueta. Para além disso, não têm qualquer comparticipação médica por serem considerados produtos cosméticos.

No fundo, a verdade é que este é um longo percurso para mudar consciências. Se há 40 anos não se usava protetor solar, hoje usa-se mas pouco. Colocar um protetor com FPS 20 no primeiro dia de praia e com apenas uma aplicação, não é suficiente para garantir a proteção da pele. É preciso mais. Porque o melanoma existe, é perigoso e silencioso. E reflete todos os erros cometidos ao longo da vida. Proteja-se e bronzeie-se de forma saudável. Pense em si.

Os conselhos de António Neves

«Cometi graves erros quando era jovem. Não se falava disto na altura. Achávamos que se apanhássemos um escaldão bastava pôr um pouco de creme que depois passava e não tinha mais consequências», recorda.

«Mas a verdade é que os efeitos nefastos do excesso de sol e dos escaldões que se vão apanhando só se fazem sentir mais tarde», explica. António Neves conta que agora tem um ritual de cuidados diários. «Uso protector solar 50+ todos os dias», confidencia.

«Ponho três doses  generosas de creme e espalho por todas as zonas de pele expostas, principalmente no rosto. Só visto camisas de manga  comprida e uso sempre chapéu», refere. Nestes casos, todo o cuidado é pouco e, tal como refere Henriqueta «estamos sempre  com o credo na boca. Um melanoma pode surgir, por exemplo, no couro cabeludo ou mesmo dentro do nariz», sublinha.

Texto: Ana Catarina Alberto
Foto: Artur