Os anos vão passando mas existem crenças que ainda não foram totalmente desmistificadas. Ainda hoje persistem ideias erradas sobre a sida. Se pensa que este problema só afeta os outros, o que não sucede, continue a ler... "Em Portugal estão oficialmente notificadas cerca de 40.000 pessoas infetadas com o vírus de imunodeficiência humana (VIH). Tem havido, contudo, uma estabilização, mas continuam a surgir novos casos todos os dias", lamenta Fernando Ventura.

"Há uma epidemia nos divorciados, nas pessoas que, na faixa entre os 40 a 50 anos, têm novos parceiros sexuais e se infetam", sublinha o  infecciologista que, entre 2000 e 2003, presidiu à Comissão Nacional de Luta Contra a Sida. Para mudar comportamentos, "tem que haver uma educação global para a saúde desde jovem e que envolva pais, professores e família", defende o especialista. Pedimos-lhe que clarificasse algumas ideias comuns e erradas sobre esta infeção:

- Os seropositivos não transmitem a infeção

A desinformação continua a ser muita. "A sida é apenas um estádio terminal da infeção pelo VIH que, ao longo dos anos, provoca uma exaustão gradual do sistema imunitário e faz com que o vírus aumente. Quando existem menos de 200 células de defesa CD4 e cargas virais elevadas, dizemos que a pessoa tem SIDA, sobretudo se tiver uma infeção oportunista", explica o especialista.

"Mas quem é seropositivo para o VIH pode ser infetante praticamente desde o dia em que é infetado até ao último, embora haja fases em que pode sê-lo mais ou menos, depende se toma precauções e se faz ou não a terapêutica", refere Fernando Ventura.

- Evitar contactos sexuais com pessoas infetadas é a melhor proteção

São muitos os que defendem esta tese. "Primeiro, ninguém se coíbe de ter relações sexuais seja com quem for, se tiver vontade. Depois, ninguém sabe quem tem VIH ou não, muitas vezes nem os próprios infetados", explica. Uma pessoa que contraiu a infeção há um mês, nunca fez exames, não tem sintomas e está em fase de seroconversão, com uma carga viral extremamente elevada, tem um risco elevado de infetar alguém.

Assim, em relações sexuais ocasionais, a atitude correta é pensar que todos estão infetados até prova em contrário e tomar sempre medidas preventivas. "Pessoas lúcidas e informadas não são infetadas, os outros deixam-se infetar", sublinha o conceituado infecciologista.

- Homossexuais e toxicodependentes têm maior probabilidade de serem infetados

Os que o afirmam não estão certos. "A probabilidade de contrair a infeção é a mesma para todos os que têm comportamentos de risco", alerta o especialista. "A epidemia surgiu em 1982 em grupos muito específicos. Na altura, chamava-se doença dos quatro H [hemofílicos, homossexuais, haitianos e heroinómanos] e pensou-se que estava localizada àquelas bolsas epidemiológicas", refere Fernando Ventura.

"Esta ideia tem sido desmitificada lentamente, mas o estigma prevalece erradamente. Hoje, mais de 50% das novas infeções anuais em Portugal ocorrem em heterossexuais, os homossexuais têm 10% a 12% e os toxicodependentes por via endovenosa que, em 2000, eram quase 60%, são 20% a 30%", acrescenta.

- O teste ao VIH é muito caro e só pode ser feito por pessoas em risco

Outro mito. "Quando presidi à comissão, foi criada uma rede nacional de CAD, centros de aconselhamento e deteção precoce do VIH. Existe pelo menos um centro por distrito e os testes são gratuitos, anónimos, confidenciais e voluntários", refere o infecciologista.

"As pessoas não têm que se identificar e, se os resultados forem positivos, têm apoio psicológico e são orientadas para serviços especializados. Os médicos de clínica geral e medicina familiar também estão cada vez mais sensibilizados para, se for o caso, oferecerem o teste aos doentes", esclarece ainda o especialista.

- Em África é que ainda se morre de sida. Cá é só uma doença crónica

A realidade, hoje, é um pouco essa. "Se seguida precocemente por um médico especializado que atue de forma correta e com os fármacos indicados, a infeção pelo VIH pode ser controlada e as pessoas infetadas podem ter uma esperança de vida similar à das não infetadas", refere o especialista.

"Mas, mesmo com uma recuperação exaustiva do sistema imunitário e uma limitação da replicação do vírus, mantém-se uma ativação imunológica e inflamação não infecciosa que pode condicionar uma senescência precoce. Por exemplo, patologias tumorais podem ter maior probabilidade de ocorrer nas pessoas com VIH", desmistifica o infecciologista.

Os cuidados preventivos que importa (mesmo) valorizar

- A infeção pelo VIH contrai-se por contacto com sangue infetado ou relações sexuais com ou sem penetração (anal, vaginal ou oral) e sem preservativo, com infetados.

- Se teve, alguma vez na vida, comportamentos de risco apresse-se a fazer o teste.

- Se der positivo, procure de imediato aconselhamento médico especializado, para assegurar um melhor prognóstico a prazo, e siga à risca as suas indicações.

Texto: Rita Miguel com Fernando Ventura (médico infeciologista e professor de infecciologia)