Hoje vive-se, em média, quase mais uma década do que há 30 anos. O número é espantoso mas encerra um enorme desafio para a ciência. "As doenças ligadas ao envelhecimento cerebral são actualmente muito prevalentes. As queixas de memória, por vezes, ultrapassam o esperado no envelhecimento normal e configuram quadros de demência, de perda das faculdades cognitivas", esclarece Belina Nunes, neurologista.

Em entrevista à edição, autora do livro "Envelhecer com saúde – Guia para melhorar a sua saúde física e psíquica", editado pela Lidel. Porque, diz, "não basta juntar anos à vida, é preciso juntar vida aos anos". "Há muito desinvestimento nos idosos. A maioria fica em casa e desempenha tarefas muito reduzidas, o que contribui para que as famílias demorem mais tempo a perceber as alterações que estão a surgir", alerta.

No seu livro, aborda várias teorias do envelhecimento. Qual delas destaca?

Há diversas teorias e nenhuma tem comprovação absoluta. A teoria dos radicais livres, que nos últimos anos tem tido muitos adeptos e na qual se baseiam terapêuticas anti-aging, parece fazer sentido.

O envelhecimento e as doenças degenerativas a ele associadas resultam de alterações moleculares e lesões celulares desencadeadas por radicais livres. Os antioxidantes combatem a acção dos radicais livres e devemos introduzi-los na nossa alimentação.

Que alimentos privilegia?

Peixe, fruta, legumes... Recentemente, um estudo inglês defendia que devia ser obrigatório ingerirmos, diariamente, cinco a seis doses de frutas e legumes. Os frutos secos, tais como as nozes, as amêndoas, o azeite e o alho também fazem parte da lista de alimentos benéficos.

Recomenda suplementos alimentares?

Sim, à maioria dos pacientes, sobretudo aos mais idosos. Com o passar dos anos, também devido aos maus hábitos alimentares, há a tendência para se criarem défices de vitaminas e minerais, existindo uma relação direta entre carências e defeitos de funcionamento.

O ácido fólico, por exemplo, é essencial na prevenção cerebrovascular assim como a vitamina B12 o é para o funcionamento do sistema nervoso.

Tem alertado para o facto de as queixas de memória terem vindo a aumentar, sobretudo na faixa etária dos 30 e 40 anos. O que explica este fenómeno?

Os níveis de stresse, a depressão e a ansiedade generalizada, que são mecanismos patológicos para as estruturas neuronais da memória. Para um bom funcionamento cognitivo é preciso tempo para conseguir apreender os factos, codificá-los, evocá-los... Quando estamos sujeitos a múltiplas tarefas é mais comum existirem quebras de memória.

Com relativa frequência, nas profissões altamente diferenciadas, há pessoas nessas idades a queixarem-se de problemas de memória que nada têm a ver com o processo degenerativo, mas sim com as limitações normais da capacidade de funcionar em termos cognitivos de memória.

O stresse envelhece o cérebro?

Cada vez mais, sabemos que isso acontece, graças à ação das hormonas de stresse, do cortisol. Sabemos também que a depressão tem um efeito danoso sobre as estruturas da memória.

Há uma relação comprovada entre depressão e demência?

Está provado que a depressão crónica é um fator de risco. Tem efeitos negativos sobre as estruturas cerebrais e, portanto, deve ser tratada. Quando uma pessoa está deprimida, tem de ser medicada, mas os antidepressivos não servem para tratar as tristezas ou os aborrecimentos da vida.

O que aconselha nesses casos?

A pessoa deve ser ajudada através de psicoterapia e de outras abordagens de forma a encarar-se e a encarar as situações, resolvê-las e não torná-las crónicas e dependente de fármacos. Pela falta de tempo e de dinheiro, recorre-se a medicamentos para tratar situações de vida que acabam por se eternizar. Vejo mulheres medicadas cronicamente que nunca quiseram ou puderam transformar a sua vida e vivências interiores.

Uma vida stressante aumenta a probabilidade de se vir a sofrer de demência?

Não há estudos suficientes para estabelecer essa relação, até porque a maioria dos estudos epidemiológicos foi realizada nas últimas duas décadas, ou seja, em populações que viveram tempos diferentes dos atuais.

Sabe-se que o stresse crónico acarreta risco elevado para diversas doenças do cérebro e do coração. O que está mais do que comprovado é que a prevalência da demência é maior entre pessoas com baixa escolaridade, baixa diferenciação, analfabetismo...

Portanto, cérebros que foram pouco estimulados do ponto de vista cognitivo...

Exato. Nenhum de nós está livre de desenvolver uma demência, mas, em estudos populacionais, a prevalência é maior e relaciona-se mais com a baixa escolaridade e baixa diferenciação profissional ao longo da vida.

Quando é que o esquecimento deixa de ser normal?

Normalmente, esquece-mo-nos quando não estamos suficientemente atentos ao que nos dizem ou à tarefa que estamos a executar mas, mais tarde ou mais cedo, conseguimos evocar e desempenhamos a função planeada. Estamos perante sinais de alarme quando sistematicamente conversam connosco e não nos recordamos do que nos dizem.

Quando temos algo planeado para fazer e sistematicamente nos esquecemos. Da minha experiência clínica, verifico que as famílias dos pacientes mais idosos chegam a demorar um ano a perceber que o esquecimento ultrapassa uma situação banal.

Porquê?

Há ainda tendência para se considerar que tudo se deve ao envelhecimento, que os problemas de memória são da idade. Por outro lado, há muito desinvestimento nos idosos. A maioria fica em casa e desempenha tarefas muito reduzidas, o que contribui para que as famílias demorem mais tempo a perceber as alterações que estão a surgir, perdendo a janela de oportunidade do diagnóstico precoce.

Qual é a importância do diagnóstico precoce?

Se o diagnóstico acontecer numa fase inicial, podemos ser mais eficazes e oferecer maior qualidade de vida ao doente e à sua família. Os medicamentos não permitem reverter as lesões, mas acompanham a evolução dos sintomas.

Não podemos atribuir tudo ao envelhecimento e devemos estar atentos, assim como nunca esquecer que o cérebro é plástico. Temos sempre capacidade de aprender e não podemos deixar de usar as nossas competências porque, caso contrário, elas perdem-se. Portanto, a estimulação cognitiva tem de se manter ao longo da vida.

Como podemos exercitar o cérebro na terceira idade?

Participar em atividades culturais e educacionais, como as universidades séniores, as acções de voluntariado, que nos afastam da depressão, mantêm-nos cerebralmente activos, motivados e permitem estar em grupo. Cuidar do jardim, fazer exercício são óptimas opções.

É obrigatório sair todos os dias, fazer uma caminhada... Costumo perguntar aos meus doentes se fazem fisioterapia aos músculos porque não o fazem ao cérebro? As pessoas reformam-se aos 65 anos e têm mais 20 anos de esperança de vida, portanto, não podem desistir nem deixarem de se estimular intelectualmente.

Homens e mulheres vivem o processo de envelhecimento de forma distinta?

A mulher vive mais cerca de sete ou oito anos do que o homem, mas é afetada por várias patologias, o que se explica, em parte, pelo facto de viver cerca de 30 anos depois da sua quebra hormonal. Para além disso, tem mais tendência para abandonar os seus interesses de vida, isolar-se em casa, deprimir-se.

Os homens não são tanto assim, mas contra eles jogam fatores de ordem hormonal e genética que fazem com que tenham mais propensão para a doença cardiovascular e uma menor esperança de vida. No entanto, envelhecem melhor.

A menopausa intimida muitas mulheres. Como devem olhar para ela?

É uma fase em que têm de pensar mais em si. A meia-idade é um tempo muito bom porque a mulher ainda vai ter 30 anos pela frente, mas tem de os viver bem, tem de investir nela própria. É uma etapa em que deve também estar atenta aos sintomas, tentar compreender o que o seu corpo lhe diz, em vez de encarar essa fase de forma negativa.

Qual é a sua opinião sobre a terapia hormonal de substituição?

Alguns estudos criaram pânico ao demonstrarem um aumento de incidência de cancro da mama e do endométrio. Contudo, estudos mais recentes mostram que tem vantagens ao nível da prevenção. Atualmente, é feita uma avaliação caso a caso, até porque sabemos que os estrogénios são essenciais para o funcionamento cognitivo.

Algumas queixas que as mulheres têm na menopausa, como as falhas de memória ou o facto de não terem a mesma velocidade de processamento cognitivo, por exemplo, estão ligadas a factores hormonais. Por outro lado, sabemos que o sexo feminino corre maior risco de vir a sofrer de demência, mas ainda não sabemos se este facto está ligado apenas a factores hormonais ou se também se deve a condicionantes socio-culturais.

Pesará aí também o facto de a mulher ter maior tendência para a depressão?

É uma tendência muito maior, aliás o diferencial entre o homem e a mulher vai aumentando ao longo da vida. No que toca à demência, os investigadores ainda não conseguiram apontar qual é o fator mais importante até porque a mulher foi sempre menos privilegiada no acesso à educação e diferenciação profissional.

As novas gerações serão muito diferentes e, nos próximos anos, avançaremos imenso no conhecimento da saúde feminina. A terapêutica tem de ser pensada caso a caso e a vida da mulher tem de ser reestruturada, mas isso não passa só pela terapia hormonal de substituição ou pela suplementação. Implica a reformulação da cabeça da mulher que tem de se recentrar e perspectivar o seu lugar no mundo.

Uma atitude optimista prolonga a esperança de vida?

Se olharmos para casos pontuais, somos capazes de dizer que seguramente o optimismo, a criatividade e a atitude positiva favorecem um bom envelhecimento. Dificilmente vemos uma pessoa com 100 anos que seja pessimista. Veja-se o caso de Manoel de Oliveira ou de Oscar Niemeyer. As pessoas que envelhecem com sucesso tiveram, ao longo da vida, uma atitude tónica optimista, foram e são muito activos, mantêm a sua plasticidade cerebral.

Os afetos podem contribuir para uma maior longevidade?

Há um estudo que demonstra que um casamento estável e feliz é um fator de qualidade de vida e de longevidade para os homens, mas em relação às mulheres não existe um estudo comparado tão longo. Da minha experiência clínica, verifico que se o casamento foi mau há depressão crónica, tristeza, um desistir da vida por parte da mulher...

Curiosamente, no meu grupo de estudo verificámos que a família demora mais tempo a aperceber-se dos sintomas de demência no homem do que na mulher. Isto porque a mulher é mais activa na casa e o marido está muito mais dependente dela. Na maioria dos casos, se a mulher começa a não conseguir cumprir as funções que a sociedade lhe atribui, o marido colapsa e necessita muito mais da ajuda da família.

Há medicamentos que podem acelerar o processo de envelhecimento?

Não podemos dizer que aceleram. O que acontece é que há fármacos que provocam efeitos secundários. Por exemplo, há o uso um pouco exagerado de vasodilatadores cerebrais que condicionam tremores e potenciam a lentificação do raciocício.

Também há medicamentos com efeitos anticolinérgicos, usados nas perdas urinárias, que podem afetar o funcionamento cognitivo e ocasionar uma quebra muito grande no raciocínio. É preciso cautela na sua prescrição e não tomar medicação sem supervisão médica.

Que avanços na área da neurologia podemos esperar nos próximos anos?

A investigação está muito centrada no tratamento das demências de forma mais precoce e na capacidade de percebermos o risco de vir a desenvolver a doença [testes genéticos e outros tipos de marcadores bioquímicos]. Há fármacos em estudo, cujo objetivo é travar a evolução da demência, que nos próximos quatro ou cinco anos estarão no mercado.

Na patologia vascular cerebral, a tónica estará na prevenção e tratamento dentro da janela terapêutica da trombólise, associada à chamada via verde do Acidente Vascular Cerebral (AVC). O doente que sente sintomas de um AVC deve ser levado a um hospital de forma a desfazer o enfarte cerebral, minorar as consequências. Isso já é realizado actualmente e a expectativa é que a eficácia seja cada vez maior.

A sexualidade na terceira idade ainda é um tema proibido?

As pessoas não falam no assunto. Mesmo no consultório, não o abordam e há problemas que se arrastam ao longo dos anos sem serem resolvidos. Os idosos ainda hoje têm o tabu da intimidade, o que está também relacionado com a família que, em muitos casos, acha que é algo vergonhoso.

A situação de quem vive em lares é ainda pior. É como se não houvesse direito à sexualidade a partir de uma determinada idade. Esse é um mito da nossa sociedade em que se associa a sexualidade à juventude.

Só recentemente, com o advento dos fármacos, é que se começou a abordar a sexualidade mas muito ligada à disfunção erétil, portanto a um problema e não tanto à sua vivência normal. Temos de perceber que a sexualidade humana nos acompanha ao longo da vida.

Quais os benefícios de uma sexualidade activa nesta etapa?

Uma incomparável qualidade de vida. A fase da menopausa é, por vezes, mal vivenciada a este nível. Há um abandono e começa-se a construir o tabu de que a sexualidade tem fim, quando é completamente salutar que o casal mantenha a sua vida sexual.

No seu livro avalia as terapias alternativas. Recomenda-as?

Já experimentei acupunctura, shiatsu e osteopatia e veem-se resultados. Mas, tal como a medicina ocidental, as terapias alternativas não são isentas de riscos, portanto a pessoa tem de se informar sobre os técnicos mais responsáveis e perceber se a terapia tem interesse para a sua patologia. Cada vez mais, devemos caminhar para a utilização de diferentes abordagens.

Defende, portanto, a complementaridade entre a medicina ocidental e a medicina oriental...

A medicina ocidental não se deve fechar no tecnicismo. Os avanços tecnológicos são fantásticos e sem eles não teríamos a actual esperança de vida, mas a medicina ocidental deve ir beber às medicinas orientais a leitura do ser humano como um todo, não separar a psique e o corpo.

Texto: Nazaré Tocha