Os primeiros sintomas começaram aos 28 anos, mas só passados 4 anos é que lhe foi diagnosticada a doença, que é mais frequente nas mulheres do que nos homens. Apesar de viver sempre com o coração nas mãos devido à imprevisibilidade dos surtos provocados pela patologia, Nuno afirma que a Esclerose Múltipla o tornou-o uma pessoa mais forte e ensinou-o a apreciar as pequenas coisas da vida.

Que tipo de sintomas o fizeram ir ao médico?

Nuno Gonçalves (NG): Normalmente o que acontece é que vamos ignorando a sua importância, uma vez que muitos deles são comuns a muitas pessoas. Falo de fadiga constante, alguma intolerância a situações de calor extremo, a sensação de falta de energia, dores de cabeça frequentes, dores nas articulações, sentimento de um membro ou parte de um membro dormente, a sensação de formigueiro que se prolonga, alterações ao nível da comunicação e deglutição, influência na libido e até mesmo alterações emocionais e intelectuais.

Há quem acorde sem ver, sem andar, mas meu caso concreto, acordei sem sensibilidade em toda a parte lateral esquerda do meu corpo. Não sentia dor, estava dormente. Não sentia o toque: a água não tinha temperatura no duche e podia estar a queimar-me com um isqueiro que não sentia qualquer calor ou dor.

Quanto tempo passou até lhe diagnosticarem a EM?

NG: Posso dizer que não houve tempo praticamente nenhum entre fazer os exames e analisar os relatórios. Foi tudo muito rápido. A certeza do médico poupou-me a um dos exames mais dolorosos: a punção lombar. Assim que foram analisadas as imagens da Ressonância Magnética, o médico responsável por mim, o Dr. João Correia de Sá não teve dúvidas, e fez o diagnóstico. Há quem acorde sem ver, sem andar, mas meu caso concreto (...) não sentia o toque

Qual dos tipos de esclerose lhe foi diagnosticado?

NG: Esta é uma questão difícil de responder, uma vez que só com o passar dos anos e o evoluir da doença o meu médico poderá classificar. No entanto, julgo estar enquadrado com o tipo Esclerose Múltipla Recidivante Remitente.

Como foi o impacto deste diagnóstico?

NG: Dado que já tinha vencido um tumor maligno, o meu medo imediato foi que pudesse ter reaparecido no cérebro. E apesar de não ter a mínima noção do que estava a ouvir, o facto de não ser um tumor deixou-me aliviado.

Quando finalmente caí em mim, percebi que tinha uma doença para a vida inteira e que o Nuno normal tinha acabado. Senti algum alívio por pelo menos conseguirem apresentar-me um nome para esta doença, mas quando ouvi que não tinha cura fiquei aterrorizado e triste. Para ser o mais honesto possível, tive receio de nunca mais poder conduzir. É algo que me dá extremo prazer.

Depois questionamo-nos e surge o “Porquê?”. “Porque me aconteceu a mim que ainda agora me agarrei à vida para me safar de um cancro? Não fiz mal a ninguém”. Depois de ter vencido o cancro, deixei de ter medos na vida. Apenas receios. Encarei esta doença como encarei o cancro: "Isto não me vai matar". Mas não tinha consciência que me ia mudar.

Entrou num mundo novo e desconhecido. Que mudanças ocorreram na sua vida diária no primeiro ano após o diagnóstico?

NG: O início da medicação foi duro. É muito forte e tem efeitos secundários brutais. Trata-se de uma medicação que tem como consequência imediata uma gripe virtual, dado que não é real. Todos os sintomas gripais fortes são sentidos: dores de cabeça, dores e espasmos musculares, arrepios de frio e tremuras. Normalmente faço-o à sexta-feira para que possa estar mais tranquilo com a chegada do fim de semana, caso me apeteça descansar ou relaxar.

Como mudou a sua forma de estar e a sua personalidade?

NG: Confesso que me senti revoltado, em baixo e um pouco incompreendido no início. Mas sem entender o porquê, gosto de pensar que a doença me faz sentir uma pessoa mais forte, embora na realidade seja uma pessoa mais fraca de dia para dia.

Mas por exemplo, sinto que a medicação me altera o estado de espírito. Tenho mudanças de humor e por vezes não me reconheço em certas reações, mas com o tempo tenho aprendido ou tentado controlar a impulsividade. Tenho estados de espírito voláteis, mas é algo que também tenho procurado conseguido gerir.

Também tenho algum cuidado com a alimentação, faço suplementação vitamínica (nomeadamente a D, cuja carência está associada à doença). Faço ginásio para fortalecer e poder ter mais energia. Poderá não passar de um Placebo, mas comigo resulta. Sinto-me com mais energia para encarar o dia a dia.

Como lida com a imprevisibilidade dos surtos?

NG:  Vivo na incerteza e na expectativa de quando será o próximo, e qual a sua consequência. Penso muitas vezes: “O que me vai acontecer da próxima?”. Sei que sempre que se algum dos sintomas se manifestar e persistir mais de 48h/72h devo procurar o meu neurologista. Mas também já sei diferenciar os sintomas normais e comuns a quase todos os doentes de EM. Mas apesar disso, não sei o que é ter um dia normal sem sentir qualquer tipo de dor. E isto causa sempre irritação e alguma ansiedade dado que não é algo que consiga controlar ou evitar. Tento fazer tudo aquilo que me apetece ou que me desafiarem a fazer

Como foi a reação das pessoas à sua volta? Como é que a EM influenciou as suas relações sociais e familiares?

NG: Como seria expectável, a reação dos meus familiares foi de tristeza e incredulidade: "Mais uma que ele tem de passar." Mas o seu apoio foi total, incansável e incondicional.

A doença permite-lhe fazer tudo aquilo que gosta e ter uma vida normal desde que começou a medicação?

NG: No meu caso, sim. Saio à noite na mesma noite em que faço a medicação. Sinto cansaço, dores, mas luto contra isso e já estou de tal forma acostumado que considero o meu registo normal. Apesar de me sentir debilitado após a toma do medicamento, tento fazer tudo aquilo que me apetece ou que me desafiarem a fazer. Nos restantes dias, faço o meu trabalho normalmente, que embora seja stressante e extenuante, me realiza.

O que mais gosta de fazer nos seus tempos livres?

NG:  Sou uma pessoa de gostos simples: gosto de música, conviver e partilhar. Tenho gosto na prática de BTT, natureza, faço ginásio com frequência, sou um entusiasta de desportos motorizados, fotografia, cinema, bricolage e adoro conduzir.

Normalmente as pessoas tem tendência a focar-se no impacto negativo que a doença tem na sua vida. Que mudanças positivas vê em si desde que aceitou a doença?

NG:   Eu não sou propriamente a pessoa mais positiva que conheço. É impossível não pensar no pior. É difícil não procurar toda e qualquer informação acerca da doença, geralmente pesquisas que acabam em casos extremos da doença nos quais me projeto e prevejo involuntariamente.

Quanto às mudanças positivas, creio que o facto de saber ser capaz de aguentar esta luta diária, permite-me abrir os olhos e ver que há muita coisa boa que ainda tenho para fazer. Vivo um dia de cada vez, e tento aproveitar o tempo da melhor forma possível e não desistir nunca.

Apesar de não ter cura, existem fármacos que ajudam a retardar a frequência e gravidade de surtos. Que cuidados tem que ter para a doença não evoluir?

NG:  O único cuidado que tenho comigo é evitar situações de calor extremo e evito esforçar-me ao limite. Eu faço interferão-beta uma vez por semana. Trata-se de uma injeção intra-muscular de auto administração. Apesar de não gostar de agulhas é algo simples de fazer e que não me faz impressão. Implica disciplina e por vezes adaptação de horário para não falhar a medicação.

Um estudo recente revela que um quarto dos doentes têm de mudar de trabalho e sofrem de dificuldades financeiras. De que forma é que esta realidade se aplica ao seu caso? Considera fundamental o apoio estatal aos portadores de EM?

NG:  O apoio estatal é fundamental e imprescindível uma vez que estamos a falar de fármacos com um custo mensal de cerca de 900 euros (uma injecção por semana, há quem faça quatro), fora consultas e outros exames adicionais, que consoante a gravidade e estado da doença podem facilmente atingir mais do dobro ou triplo. No meu caso, estamos a falar de uma quantia que dificilmente poderia pagar caso estivesse a viver completamente independente. Sinto-me afortunado, e algumas pessoas estão completamente sós, sem família, amigos, e caso lhe sejam retiradas as comparticipações estatais, o acesso à medicação é simplesmente impossível. O meu maior receio é, que um dia que seja pai, não possa brincar com o meu filho

Alguma vez sentiu discriminação por parte de terceiros?

NG: Não e tal comportamento deve ser abominado. Descriminação de qualquer tipo é má. Somos seres humanos como quaisquer outros. Somos apenas "especiais" e como tanto gostamos de dizer: temos ideias luminosas. (Isto porque as imagens da Ressonância magnética de um doente de EM contém manchas brancas, as tais cicatrizes provenientes dos surtos que dizemos" brilhar").

O que mais o assusta na doença?

NG:  O facto de não ter cura, de não saber como acordarei amanhã e se serei capaz de dar conta do recado sozinho. O facto de saber que irei estar potencialmente dependente de outros num futuro, que espero bem distante, também me assusta. Como disse anteriormente, deixei de ter medos, tenho receios. O maior deles é, que um dia que seja pai, não possa brincar com o meu filho ou ter a energia que uma criança precisa que um pai tenha. Esse é o meu maior receio e o que mais vezes ocupa o meu pensamento.

Há dias bons e dias maus. De que forma mantém o equilibro?

NG:  Nem sempre é fácil. Estou triste muitas vezes, mas também estou feliz outras tantas. Sou uma pessoa muito apaixonada, romântica e pouco racional. Tento ver sempre algo bom a que me agarrar. O importante nesta e em todas as doenças é nunca desistir e nunca nos darmos como derrotados. Não estou a passar a melhor fase da vida, mas já passei por pior. E melhores dias virão.

Esta entrevista foi publicada pela primeira vez em dezembro de 2015, a propósito do Dia Nacional da Pessoa com Esclerose Múltipla.