Em 2003, pouco tempo antes de dar à luz o primeiro filho (Frederico Xavier), Isabel Araújo soube que já existia um banco privado a fazer criopreservação de células estaminais do cordão umbilical em Portugal.

Graças à sua formação em farmácia e medicina conhecia o enorme potencial terapêutico destas células e a utilidade que poderiam vir a ter no futuro, pelo que achou prudente guardar as do filho, apesar das dúvidas inciais.

«Inicialmente hesitámos por causa do montante, mas tomámos a decisão de avançar porque achámos que poderia vir a ter interesse, mais tarde, para alguém da família que pudesse ter algum problema», desabafa.

Foi uma dos primeiras pessoas em Portugal a guardar células do sangue do cordão umbilical dos filhos naquele que era, na altura, o único banco privado do género. «Tínhamos algum receio em relação ao procedimento, mas correu tudo bem. Ficámos muito satisfeitos com o serviço», revela.

Depois quando nasceu o segundo filho, Frederico Manuel, não hesitou em repetir o processo. Apesar de Isabel Araújo e do marido estarem convictos do interesse em preservar as células estaminais do cordão umbilical dos filhos, nunca pensaram vir a precisar utilizá-las tão cedo. «Pensei que poderiam vir a ser úteis para uma pessoa de família mais envelhecida, nunca para eles», assume.

Contudo, poucos meses após o nascimento do segundo filho, esta opção viria a revelar-se de extrema importância. «Ainda bem que as tinha, se não as tivesse ia ficar muito triste de não poder recorrer a elas. Hoje, acho que valem muito mais do que aquilo que paguei por elas», sublinha.

O problema da imunodeficiência

A suspeita que algo de errado se passava com o filho mais novo surgiu inesperadamente.

«Por volta dos dois meses de idade, começámos a notar uma pequena diferença na postura dele», conta.

«Tinha feito uma reação exagerada à vacina BCG e o gânglio por baixo do braço onde levou a vacina foi aumentando, limitando-lhe os movimentos, mas o pediatra dizia que o corpo havia de reabsorver e que não era preocupante», recorda.

«Depois, próximo dos cinco meses, teve problemas respiratórios, mas nada de alarmante. Entretanto, começou a não digerir bem o leite e a perder peso. Para além disso, notava-se impaciente, rabugento, cada vez mais apático, parado (passava o dia a dormir) e eu não conseguia fazê-lo brincar nem sorrir», lamenta.

«Embora não tivesse febre, nem outros sintomas, achei que não era o comportamento normal numa criança naquela idade e voltei ao pediatra. Para minha grande surpresa, ele estava com valores de oxigénio muito baixinhos (daí toda aquela inércia) e foi-lhe diagnosticada uma pneumonia muito extensa que os médicos identificaram com um problema de imunodeficiência», relembra.

Durante os meses seguintes, até fazer um ano de idade, devido à debilidade do sistema imunitário, teve episódios recorrentes de infeção que foram sendo provisoriamente controlados através de antibióticos e imunoglobulinas, obrigando a sucessivos internamentos.

«Começou a perder muito peso e não o conseguíamos alimentar. Tinha vómitos sucessivos, diarreia e teve de passar a ser alimentado por via venosa», refere. Na altura, ainda se colocou a hipótese de existir um problema intestinal associado, mas o diagnóstico final indicava que todas estas complicações estavam relacionadas com uma imunodificiência severa devida à quase ausência de linfócitos CD8.

O transplante como saída

A constatação da irreversibilidade da imunodificiência, por volta de um ano de idade, apontava como única hipótese de cura um transplante de medula, pelo que se começou a fazer estudos de compatibilidade com os pais e irmão.

«Foi quando soubemos que o Xavier era compatível. Não tinha posto essa hipótese, mas perante o entusiasmo da médica percebi que era uma boa notícia, até porque só em 25% dos casos é que é possível encontrar um irmão histo-compatível», recorda ainda Isabel Araújo.

«Mas ainda era preciso fazer muitos estudos para termos a certeza de que essa era a melhor solução», admite. Foi então que se colocou a hipótese de recorrer às células estaminais guardadas. As células do Frederico Manuel não resolviam o problema porque a imunodeficiência era congénita, afetando também as células guardadas. Mas as do irmão podiam ser uma alternativa ao transplante direto.

Havia, contudo, uma série de dúvidas relativamente à sua aplicabilidade: se as células seriam em número suficiente e se estariam em condições de ser utilizadas. Portanto, «até os médicos terem acesso às células, saberem quantas eram, e se tinham condições para serem utilizadas, o processo foi orientado para fazer o transplante a partir do Xavier», refere.

A cura através do cordão

A confirmação de que as células estaminais do cordão umbilical do Xavier podiam ser utilizadas chegou na consulta anterior ao transplante.

«Para mim foi um grande descanso, porque estava com um certo receio de sujeitar o Xavier a um internamento, uma anestesia (e se surge algum imprevisto? Ele é muito pequenino...). Era uma decisão complicada de tomar», desabafa.

«Houve uma fase em que o Manuel estava muito mal e pensei que tínhamos mesmo de recorrer ao transplante», recorda.

«Mas, quando soube que podíamos usar as células estaminais, nem pus outra hipótese. Pensei que se elas estavam lá para ser utilizadas, não ia prejudicar mais ninguém. Para além disso, tinham a vantagem de não provocarem reações no hospedeiro e de terem uma capacidade de resposta muito maior», acrescenta ainda.

Para dar início ao transplante, a 19 de fevereiro de 2007, o Manuel foi novamente internado e começou por fazer, durante uma semana, imunoterapia para anular a medula original. Depois, as células estaminais foram introduzidas por um cateter como se fosse uma transfusão de sangue normal.

«Inicialmente foi-se um pouco abaixo. Depois, lentamente, começou a recuperar, e passadas quatro semanas, já estava com o número suficiente de células que lhe permitiam defender-se do exterior, e teve alta, embora com grandes cuidados. Veio para casa com uma série de regras muito bem definidas em termos de alimentação, de ambiente e de contactos. Sobretudo a partir do primeiro mês em casa, começou a notar-se uma grande diferença nele», regozija-se.

«Passou a ser uma criança completamente diferente. Continua a fazer muita medicação mas acho que, em pouco tempo, vai recuperar todo o tempo perdido. Foi a melhor opção. Claro que podíamos ter feito o transplante directamente do Xavier, mas não sei teria corrido tão bem. Não vale a pena pôr essa hipótese», diz agora. Uma coisa é certa, se vier a ter mais filhos, vai guardar novamente as células estaminais do cordão umbilical. Sem qualquer dúvida.

Os conselhos de Isabel Araújo

Recomendações a ter em conta:

- Preservar. Acho que todos os pais deviam preservar as células estaminais dos filhos.

- Devia haver um banco público para esse efeito.

Não havendo essa hipótese, não se deve ver o preço como impeditivo, porque quando precisamos delas o valor torna-se irrisório.

- Mais vale poupar um pouco em algumas das coisas que se compra para os bebés e apostar numa coisa que pode vir a ser muito útil.

- A nossa saúde deve-se prevenir e não faz sentido deitar para o lixo (é lá que vão parar se não forem guardadas) algo com um potencial terapêutico tão grande.

O que lhe interessa saber sobre as células estaminais:

O que são?

São células com uma enorme capacidade de se auto-renovar e que podem transformar-se em diversos tipos celulares. Podem substituir células doentes na origem de várias doenças.

Onde se encontram?

Estão presentes em vários órgãos e tecidos do corpo humano e podem ser isoladas a partir do embrião, do sangue do cordão umbilical e de alguns órgãos e tecidos adultos.

Porquê criopreservar as células estaminais do sangue do cordão umbilical?

Para o tratamento de eventuais doenças ao longo da vida do dador e dos seus familiares. Actualmente, a sua aplicabilidade terapêutica restringe-se a doenças hemato-oncológicas, mas acredita-se que num futuro próximo possam vir a tratar muitas outras doenças até hoje incuráveis.

Onde fazer?

Em Portugal não existem bancos públicos de células estaminais. Para as armazenar é necessário recorrer a um banco privado (já há vários a funcionar em Portugal).

Durante quanto tempo ficam guardadas?

Durante 20 anos, sendo possível, depois, estender o prazo. Mas ainda não se sabe qual a durabilidade, em boas condições, destas células.

Texto: Fernanda Soares