Pouco mais de 20 anos separam Joana Costa de Ana Isabel Aires. Duas mulheres com diferentes vidas mas com algo em comum.

Ambas dão a cara à mais recente campanha da Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC) que tem como objetivo sensibilizar a população para a importância da prevenção do cancro do colo do útero.

Joana e Ana aceitaram partilhar o seu testemunho de forma a passarem a palavra às mulheres portuguesas. Aos 22 anos, quando repetiu um teste de Papanicolaou (citologia) que já tinha realizado dois anos antes, o exame revelou alterações no colo do útero. Joana não queria acreditar no diagnóstico.

«Em 2007, pensei que era altura de começar a ser seguida por uma ginecologista que se poderia tornar na minha obstetra quando quisesse engravidar e optei por ser vigiada no hospital onde trabalho. Depois da realização da citologia, a médica disse-me que me telefonaria caso detetasse alguma alteração», explica. Passado uns dias, o telefone tocou.

Joana estava com o noivo Carlos (atual marido) e o pai. «Achei um pouco estranho receber aquele telefonema até que a médica me disse que o meu exame tinha apresentado alterações e que eu teria de realizar uma biopsia com urgência». Joana foi respondendo com naturalidade até que desligou a chamada e começou a aperceber-se do que se estava a passar.

«Tentei conter-me para que o meu pai não percebesse. Era uma sexta-feira e estávamos a preparar-nos para ir assistir à bênção das fitas da minha irmã em Viseu. Como não queria estragar a festa, optei por não lhe contar», revela. Na segunda-feira seguinte, Joana realizou a biopsia. «Ao sair do exame, foi a primeira vez que vi o meu pai chorar. Foi um processo muito doloroso porque esperei alguns dias pelo resultado definitivo e estava naturalmente assustada», confessa.

O diagnóstico

Duas semanas depois, a médica contactou Joana e explicou-lhe que o resultado indicava um carcinoma in situ do colo do útero. O carcinoma estava bem localizado e Joana teria de se submeter a uma mini-cirurgia com anestesia local.

«Lembro-me que na altura tive um medo muito grande e senti que a minha vida estava em suspenso. O meu maior receio foi, não só a doença, como pensar que podia não conseguir ter filhos! Nesse dia repeti muitas vezes que queria muito ter filhos e não queria ser obrigada a desistir desse sonho», refere Joana.

Durante o tratamento, estava perfeitamente consciente e o procedimento «foi simples e muito rápido. Tive muita sorte porque o meu caso foi detetado a tempo». Depois da mini-cirurgia, Joana esteve 15 dias de baixa, porque não podia fazer esforços devido ao risco de sofrer hemorragias. Os receios de não poder vir a ser mãe acabaram por ser superados pois, com os tratamentos que fez, Joana pôde manter o útero e a esperança de vir a ter filhos.

Atualmente, faz exames regulares de vigilância que a inquietam pela preocupação de voltar a passar pelo mesmo mas que são essenciais para ter a certeza de que tudo está bem. Durante o processo nunca evitou a palavra cancro. «Apesar de algumas pessoas que me eram próximas tentarem evitar pronunciá-la, eu nunca gostei dessa postura.

Preciso de falar das coisas para as interiorizar e para conseguir ultrapassar as situações. O cancro torna-se mais pequenino a partir do momento em que o conseguimos enfrentar. Não deixo de ter medo da doença e do desconhecido. No entanto, é preciso materializar as coisas para conseguir lutar contra elas», salienta.

O dia do casamento

Quando soube que estava doente, Joana falou com o noivo e perguntou-lhe se queria manter a data do casamento e continuar consigo nessas circunstâncias.

«Não considerava justo que ficasse preso a uma mulher com esta doença e que poderia não conseguir dar-lhe filhos», confessa.

«A resposta foi peremptória, tive sempre o seu apoio e a data do casamento manteve-se», revela.

O dia 21 de julho de 2007 foi então vivido com muita felicidade conforme Joana sempre tinha sonhado, cerca de dois meses depois de ter sido operada. «Achei que tinha o direito de viver aquele dia como tinha idealizado. O dia foi lindo e a lua de mel foi passada na República Dominicana». Uma espécie de recompensa bem merecida para quem tinha passado por uma dura prova há tão pouco tempo. O desejo de ser mãe permanece mas Joana confessa que está mais tranquila e que prefere avançar para esse projeto familiar «quando tiver maturidade suficiente».

Projetos para o futuro

Atualmente, o seu dia a dia é completamente normal. «Trabalho sem qualquer limitação e não tive necessidade de alterar o meu quotidiano. Apesar de ter tido muita sorte, considero que todas as mulheres devem ser vigiadas no seu ginecologista.

O tempo que se gasta numa consulta pode equivaler a uma vida inteira de saúde! Um eventual diagnóstico de cancro pode ser pesado mas confere a possibilidade de cura e de tudo correr bem. O diagnóstico não é necessariamente o fim da vida. É o princípio de uma nova luta e de uma nova etapa. Nós podemos ser mais fortes que o cancro!», sublinha Joana.

Continuar a trabalhar, viajar, ser feliz e ter filhotes são projetos que estão na lista de prioridades para o futuro desta jovem que tem toda a vida pela frente. «Afinal, estou cá para contar a história!», conclui.

No mesmo ano em que Joana descobriu que tinha um carcinoma, Ana foi operada a um cancro invasivo do colo do útero.

«No início de 2007 fui a uma consulta de Ginecologia onde foram efectuados os exames de rotina de rastreio. Os resultados revelaram a presença de células cancerígenas», explica. A notícia também chegou através de um telefonema.

«Vinha a conduzir na auto-estrada e tive de parar numa área de serviço porque comecei a sentir os membros a paralisarem e um sufoco na garganta. Foi um choque absoluto. Não tinha sinais, indícios, qualquer suspeita», recorda.

«Não estava nada à espera daquele diagnóstico! Por alguns momentos, deixei de ser racional. Fiquei uma hora sentada dentro do meu carro, imobilizada, até conseguir recuperar», conta ainda.

Após o impacto inicial, reagiu com positivismo e entregou-se com confiança aos excelentes profissionais que a têm acompanhado nesta luta. «Acreditei sempre que tudo iria correr bem, e hoje, estou convicta de que esta atitude faz toda a diferença».

Depois da confirmação do diagnóstico, foi encaminhada do Centro de Saúde para a Maternidade Dr. Alfredo da Costa que, por sua vez, ao verificar tratar-se de cancro invasivo, transferiu-a para o Instituto Português de Oncologia de Lisboa.

«Tudo isto aconteceu em duas semanas, o que me deixou realmente surpreendida. Posso dizer que o Serviço Nacional de Saúde funciona bem», adianta.

Depois do diagnóstico

Ao contrário de Joana, o tratamento passou pela realização de uma histerectomia radical, ou seja, Ana submeteu-se a uma cirurgia onde lhe foi retirado o útero, bem como os tecidos adjacentes que podem estar afetados pelas células cancerígenas, nomeadamente os gânglios linfáticos regionais.

Desde essa altura, Ana está de baixa devido às sequelas do cancro que a impossibilitam de trabalhar. Está a ser seguida em várias especialidades médicas. «Tenho andado de hospital em hospital nestes últimos anos».

A situação de Ana ainda não está totalmente resolvida. No entanto, quando vencer definitivamente a luta, já tem projetos bem definidos. «Continuar a estudar, ainda que parcialmente, retomar a minha atividade profissional e as minhas viagens. Acima de tudo, viver a vida!», desabafa.

Os filhos de Ana, de 19 e 13 anos, tiveram sempre uma atitude positiva durante este processo. «Em momento algum pensaram que algo de mal fosse acontecer à mãe. É a tal energia positiva que cria um bom ambiente. O apoio e força dos restantes membros familiares têm sido inestimáveis», confessa.

Ana decidiu aceitar o desafio de participar nesta campanha com a expectativa de que o seu testemunho possa motivar outras mulheres a fazerem o rastreio e a vacina e, com esses dois gestos, afinal tão simples, muitas se possam salvar».

«Porque esta é a questão fulcral. É preciso inverter os dados estatísticos que temos actualmente, que nos dão um número superior a uma morte diária em Portugal por cancro do colo do útero», refere.

«É urgente que as mulheres percebam que podem alterar estes dados», aconselha.

«Este é um dos poucos cancros que se pode prevenir. E, afinal, é tão fácil. Temos acesso à vacina e o teste de Papanicolaou pode ser realizado na consulta de Ginecologia ou nos Centros de Saúde. Nem sequer é doloroso e salva muitas vidas». A este propósito, Ana costuma dizer uma frase que já se tornou mediática e que faz todo o sentido. «Disponham de um pouco de tempo hoje para não perderem muito tempo amanhã», sublinha.

Para além disso, Ana Isabel aceitou dar a cara por esta campanha da LPCC também para transmitir uma mensagem (palavra) de solidariedade às mulheres que atualmente vivem a doença, para que saibam que não estão sós. «Existem apoios da Liga, como a Linha Cancro, apoio social e psicológico. Não têm de viver o problema isoladas», refere.

Relativamente ao seu caso, assume que, com a doença, aprendeu a relativizar inúmeras situações da sua vida. «Fui obrigada a parar e dar a volta à situação. E acredito que é possível tirar algo de positivo de qualquer situação negativa. É isso que tenho feito», esclarece.

Cancro do colo do útero

- É a segunda causa de morte por cancro em mulheres jovens, depois do cancro da mama.

- Habitualmente, não provoca sintomas e pode demorar até 15 anos a desenvolver-se a partir de lesões genitais pré-cancerosas.

- Não é hereditário. É causado pelo papilomavírus humano (HPV), transmitido por via sexual. De acordo com dados internacionais, uma média de oito em cada 10 mulheres poderão ser infetadas pelo HPV ao longo da vida.

- O uso do preservativo protege das infeções sexualmente transmissíveis, mas não assegura uma proteção completa no caso do HPV, uma vez que o contacto genital pele-pele pode ser suficiente para ocorrer transmissão do vírus.

- O teste de Papanicolaou ajuda a detetar lesões pré-cancerosas no colo do útero e a vacinação ajuda a preveni-las. A associação destas duas medidas maximiza a eficácia da prevenção do cancro do colo do útero ao longo da vida.

- O primeiro teste de Papanicolau deve ser feito, pelo menos, a partir dos 25 anos, ou desde que se tenha iniciado a vida sexual.

- A vacinação protege contra vírus que são responsáveis por cerca de 75% de todos os casos de cancro do colo do útero. E demonstra benefícios mesmo depois de iniciada a vida sexual.

Texto: Claúdia Pinto