Portugal pode vir a posicionar-se de forma muito interessante no turismo da saúde. Eis a opinião de Luís Cunha Ribeiro, afinal, na sua perspetiva, o nosso país tem condições turísticas que podem ser apelativas para quem necessite de procurar cuidados de saúde fora das fronteiras do seu país. A opinião surgiu no âmbito de uma questão sobre a viabilidade do sistema europeu de saúde. 

Por Sofia Filipe

Luís Cunha Ribeiro assumiu a presidência do Conselho Diretivo da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) em outubro de 2011, vindo do Hospital de S. João, no Porto, com as funções de chefe de serviço da carreira hospitalar e diretor do serviço de imunohemoterapia. Também já exerceu funções como presidente do Conselho Diretivo do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM).

Hospital do Futuro (HdF): O que encontrou quando assumiu o cargo de presidente do Conselho Diretivo da ARS de Lisboa e Vale do Tejo?
Luís Cunha Ribeiro (LCR):
Encontrei um sistema de saúde complexo, com certeza com problemas, mas dotado de um conjunto de profissionais muito dedicados e empenhados. Um sistema em que é evidente a necessidade de se introduzir um conjunto de medidas alargado com o objetivo de produzir uma melhoria da sua eficácia e eficiência, uma redução do desperdício, racionalização da rede de unidades de saúde e melhoria do acesso aos cuidados de saúde.

Todas estas áreas são muito importantes, mas a última das questões que enunciei tornou-se uma das minhas principais preocupações desde o primeiro momento. Neste contexto, procurar oferecer a possibilidade de ter um médico de família por parte de um cada vez maior número de utentes é uma das principais tarefas. Corrigir este problema é estruturante, imperativo, e prévio a qualquer processo de reforma credível. E, felizmente, a ARSLVT tem já alguns bons resultados nesta área. 

HdF: Qual a estratégia para resolver esse problema?
LCR: Já há muitos anos que o número de utentes do Serviço Nacional de Saúde é superior ao número de residentes no país. Assim, fizemos uma radiografia da situação e delineámos uma estratégia de intervenção que, sinteticamente, passa por três fases: eliminar os utentes já falecidos que ainda constam das listas; eliminar os utentes em duplicado, situação também muito frequente; e gerir a dinâmica das listas de utentes, nessa altura atualizadas, de forma a garantir uma capacidade de resposta adequada ao real número de utentes na região.

É incompreensível a existência de médicos de família com utentes atribuídos que não os procuram, alguns que mudaram de residência, outros que infelizmente morreram, ao mesmo tempo que existem doentes que necessitam de assistência médica nos cuidados de saúde primários, mas não têm médico assistente atribuído. Nenhum responsável nesta área da saúde pode ficar indiferente sabendo que existem utentes que fazem fila à porta do centro de saúde, de madrugada, para conseguirem ser atendidos em consulta.

HdF: Qual a visão da ARSLVT para as prioridades de investimento e modernização em Saúde?
LCR:
O envelhecimento da população, o avanço da tecnologia e a sofisticação dos cuidados médicos originaram uma acrescida e natural procura de cuidados de saúde. É neste contexto que surge a necessidade de melhores cuidados de saúde primários e da reorganização da rede hospitalar existente, acompanhando a nova realidades geodemográfica da região.

O objetivo é dar sustentabilidade ao sistema de saúde da região, que serve mais de quatro milhões de pessoas, sem sacrificar a qualidade da resposta à população. Por outras palavras, temos de ser capazes de introduzir ganhos de eficiência, que permitam compensar os ajustamentos orçamentais que temos inevitavelmente de fazer, pois caso contrário estará em causa a sustentabilidade de todo o sistema de saúde.

No atual contexto económico não nos podemos permitir falhar este grande objetivo. Tornar possível uma reestruturação num contexto económico de carência orçamental é o maior desafio, sendo que a prestação de cuidados de saúde é a mais sensível das atividades sociais, pelo que terá de existir uma cuidada e redobrada atenção a todas as variáveis em questão.

A ARSLVT vai procurar seguir a dinâmica da região, consciente de que os equipamentos de saúde constituem um serviço público essencial e uma âncora na fixação e atração das populações. Os novos espaços deverão corresponder a uma marca de modernidade que cumpra inteiramente os padrões de qualidade e inovação que pretendemos para o Serviço Nacional de Saúde. A reorganização de serviços, a construção/renovação de edifícios e a otimização de alguns espaços, será feita numa a lógica de aproveitamento da capacidade existente e de qualificação dos espaços de prestação de cuidados de saúde à população.

Desde junho de 2011 foram abertas 23 unidades de cuidados de saúde primários na ARSLVT. E em vez de uma rede dispersa e em muitos casos disfuncional, composta por edifícios desadequados ou degradados, a ARSLVT pretende uma renovação da rede, dimensionando-a à procura real e qualificando os espaços existentes.

HdF: Acredita que é viável um sistema europeu de saúde? Pode a Península Ibérica dar passos nesse sentido, criando uma dinâmica de “estratégia emergente” ou deverá essa estratégia ser definida desde o topo (comissão europeia) para baixo?
LCR:
Na minha perspetiva muito pessoal, é viável e desejável, pois também a área da saúde poderá contribuir de forma decisiva para uma plena concretização do projeto europeu, enquanto espaço de solidariedade entre os povos e desenvolvimento da sociedade em todos os seus setores. Agora, se será fácil o caminho para esta concretização, já é uma questão completamente diferente e de resposta muito mais complexa.

Vejamos as políticas de saúde e definição das formas de funcionamento dos vários sistemas nacionais de saúde que têm sido feitas com base em visões meramente individualistas, ou seja, nacionais de cada um dos países. Tal leva a que existam diferenças muito significativas nos diversos sistemas de saúde dos países da europa e, mais concretamente, daqueles que integram a União Europeia. 

HdF: A existência dessas diferenças é indubitavelmente uma questão complexa e difícil, mas deve, ainda sim, ser encarada como uma oportunidade para que consigamos construir o tal sistema de saúde europeu. Como?
LCR:
Numa lógica de complementaridade dos vários sistemas, em que alguns países mais avançados em determinadas áreas contribuam – quer pela “exportação” de know-how, quer mesmo pelo desenvolvimento de parcerias entre unidades de saúde – para a diminuição de assimetrias entre as várias regiões, ou melhor, entre os vários países.

Numa lógica também de solidariedade, em que determinados países assegurem até a prestação de cuidados de saúde a cidadãos de outros países do espaço europeu, em que não exista capacidade de resposta, ou esta seja insuficiente, em determinada área.
Quer ainda, numa lógica de integração, em que políticas de saúde são definidas transnacionalmente, já que os problemas e desafios que se colocam à saúde dos cidadãos – vejam-se matérias como a obesidade infantil, a diabetes, só para dar dois exemplos simples – são hoje globais e necessitam, também por isso, respostas globais.

E, para terminar, numa lógica de igualdade, em que todos os cidadãos do espaço europeu tenham acesso, em tempo útil, à prestação de cuidados de saúde, mesmo que tenham de ser prestados alguns milhares dequilómetros de distância.
Quanto à outra questão, penso que a Península Ibérica terá ainda assim no espaço europeu uma dimensão de escala relativamente reduzida para querer ser o motor desta “revolução” na forma como pensamos e organizamos a saúde.

Como tal, penso que deverão antes de mais ser definidos um conjunto de princípios enformadores e enquadradores, para que Portugal e a Espanha possam melhor avaliar aquilo em que podem constituir uma mais-valia.

Agora, desde já penso que Portugal pode vir a posicionar-se de forma muito interessante no chamado “turismo da saúde”, já que as nossas condições turísticas do país podem ser apelativas a quem necessite de procurar cuidados de saúde fora das fronteiras do seu país. Isto porque, como responsável na área da saúde, mas também como médico, tenho a certeza que o nível de qualidade técnica dos cuidados de saúde que prestamos em Portugal está ao nível do melhor da Europa.