Enquanto as instituições de saúde caminham a passo lento para uma maior utilização das tecnologias, uma boa parte dos utentes entrou já na era não só da utilização das ferramentas para democratizar o seu acesso à saúde, mas também da participação. E exigem novos mecanismos para aprofundar essa experiência. Sobretudo os mais jovens, que pesquisam sintomas antes de se dirigirem ao médico e que participam em comunidades virtuais para trocarem informação sobre problemas de saúde comuns.

«Se fizermos uma pesquisa pelas redes sociais, verificamos que existem já muitos grupos ligados à saúde; mas, na verdade, ainda faltam grupos que tirem proveito da grande potencialidade das redes: relacionamento», aponta Paulo Morais, docente, responsável  pela  T-Evolution  (Digital  &  Interactive  Marketing) e consultor  de  marketing  da  JRS  Pharmarketing, num dos capítulos de «Web Trends – 10 cases made in web 2.0», editado pela Comunicarte Publishing.

Para este especialista, «o sector da saúde em geral procura investir nesta área, mas ainda não percebeu o grande potencial da nova forma de comunicar, informar e relacionar». O marketeer em saúde aponta o exemplo da gripe A, que gerou milhões de entradas sobre a eventual pandemia na Internet. «Ficou claro para todos os que estão atentos que a web 2.0 pode ser um grande veículo para a prevenção de doenças. Se a estratégia for bem desenhada, é possível atingir milhares de pessoas em muito pouco tempo», sublinha.

Sandra Câmara Pestana, autora da tese de mestrado «Saúde web 2.0 – O papel das comunidades virtuais de
doentes – Um estudo de caso para Portugal», partilha da mesma opinião. «Esta participação é vista como uma oportunidade para os pacientes se empenharem, cada vez mais, na pesquisa de informação sobre saúde e se preocuparem com questões ligadas à sua própria saúde».

Esta «é, também uma oportunidade para fomentarem relações formais e informais entre doentes/familiares, cuidadores e a classe médica/prestadores de cuidados de saúde», refere ainda. Desta forma, surgem diferentes comunidades virtuais nesta área. «Existe uma grande variedade de comunidades virtuais que se diferem e caracterizam em função do tipo de tecnologia utilizada para comunicar, dos utilizadores dos sistemas, dos temas das discussões, das tarefas a executar. Na área da saúde também existem diferentes tipos de comunidades virtuais», explica. 

O crescimento dos grupos de entreajuda

Em «Saúde web 2.0 – O papel das comunidades virtuais de doentes – Um estudo de caso para Portugal», a investigadora caracteriza as comunidades virtuais de doentes, de profissionais de saúde, de doentes e profissionais de saúde, abertas ao público, de pacientes e organizações e de organismos com interesse na saúde pública. «Desde os anos 1980 assistimos a um crescimento exponencial de grupos virtuais de entreajuda compostos por pessoas que sofrem de doenças crónicas, pessoas em longos períodos de reabilitação e pessoas com problemas de adição», salienta.

«No entanto, fica ainda por explicar a razão pela qual certas doenças têm uma maior presença online. Alguns investigadores são da opinião de que as doenças mais representadas são as que têm poucas opções de tratamento e cuja causa ainda não é clara. O facto é que existem inúmeras experiências realizadas com comunidades virtuais de doentes em mais de 20 doenças (diferentes tipos de cancros, diabetes, obesidade, Parkinson, sida, Alzheimer, doenças mentais, esclerose múltipla, doenças órfãs, etc) que se converteram em verdadeiros casos de sucesso», expõe Sandra Câmara Pestana.

O novo papel dos doentes

À semelhança de outras áreas como as que abordadas no livro «Web Trends – 10 cases made in web 2.0», marketing e publicidade, comunicação social, empresas e negócios, sociedade, educação, política, cultura, lazer e religião, também no sector da saúde os doentes adquiriram um novo poder, fazendo nascer um novo perfil de pacientes cada vez mais activos e participativos nas decisões relacionadas com a sua saúde.

Este novo modelo de pacientes possui um nível de literacia em saúde mais elevado (adquirido através da pesquisa não só na Internet, como também nos diversos meios de comunicação de informações sobre determinadas patologias), conhecem os seus direitos enquanto doentes e muitos deles pertencem a associações de doentes.

No nosso país, apesar de já existirem alguns sites especializados, ainda são sobretudo as empresas farmacêuticas que disponibilizam bibliotecas de saúde online. Destacam-se o Manual Merck para a Família da Merck Sharp & Dohme e o Infocancro da Roche. O reverso da medalha desta tendência é, entre outros aspectos, a automedicação.

Em Janeiro de 2010, a Autoridade Nacional do Medicamento veio a público mostrar a sua preocupação face às conclusões de um estudo, de acordo com o qual seis por cento dos internautas portugueses já compraram medicamentos online. Um número considerado significativo  pelo Infarmed. A análise revelou que cerca de 46 por cento dos medicamentos comprados online são substâncias destinadas ao emagrecimento.

Os antidepressivos são a segunda escolha mais frequente, sendo responsáveis por 16,7 por cento das vendas. A maior parte fizeram-no porque os medicamentos comprados na net «são mais baratos» (29,2 por cento), porque é mais cómodo e prático (20,8 por cento) ou por não existirem em Portugal (14,6 por cento). Esta foi uma realidade visível ao longo do pico de divulgação de casos de gripe A, com a compra online de Tamiflu contrafeito.

O perigo da má informação

Essa está, no entanto, longe de ser a única preocupação das autoridades e dos responsáveis de saúde que têm de lidar com estas questões. Outros riscos da medicina 2.0 são a má informação e a falta de rigor nos critérios de pesquisa.

«Se, por exemplo, pesquisarmos cancro da mama no Google, surgem cerca de 266 mil sites, 42 escritos em português, o que mostra a quantidade de informação disponível na Internet, apenas numa língua», alerta.

«É preciso combater a má informação online, criando espaços com informação credível e com acompanhamento junto do utente/doente/familiar. Outro dos grandes problemas é a forma como se pesquisa na Internet e se procura informação sobre determinado assunto. Uma das principais fontes de influência, actualmente, são os grupos sociais e é preciso acompanhar a sua presença», enfatiza.

«Não podemos controlar o que as pessoas dizem mas podemos influenciá-las. Quando se busca uma informação, por vezes só se fica contente quando surge a resposta que se procura, o que pode dar origem a um excesso de informação» que levanta muitas questões junto da população», adverte ainda. Sandra Câmara Pestana alerta também para o facto de a Internet ser «uma vasta fonte de informação caracterizada por uma grande volatilidade dos seus conteúdos, o que, particularmente na área da saúde, levanta inúmeras questões sobre a fiabilidade da informação veiculada».

O (longo) caminho que ainda há a percorrer

Apesar de as estatísticas demonstrarem a apetência dos utentes para uma medicina 2.0, sem fronteiras, contudo, «em Portugal há ainda muitos hospitais públicos sem computadores ou com tecnologia muito antiquada para a implementação de bons projectos tecnológicos», alerta Paulo Morais. Por isso, temos de apostar na resolução do problema da modernização da nossa rede informática da saúde, defende.

«O nosso objectivo é que em 2012 todos os portugueses tenham, pelo menos, um embrião do registo de saúde electrónico, que estará centrado no cidadão e não na instituição. A vantagem residirá no facto de uma pessoa que mora em Lisboa e que está de férias no Algarve, na eventualidade de vir a ter alguma doença ou acidente, quando vai ao hospital, poder ser assistida por um médico que acederá a informações clínicas sobre si, que estão noutro serviço de saúde», ressalva.

O Registo Electrónico de Saúde (RES) entrou, em Fevereiro de 2010, na fase de tipificação dos chamados casos de uso, destinada a definir a informação acessível em cada contexto. Apesar de considerar o projecto positivo, a Ordem dos Médicos veio a público alertar para questões em redor da segurança do acesso à informação dos utentes, já que a centralização de dados facilita o acesso a mais utilizadores e à distância.

Para o organismo, o RES nunca será seguro, a menos que avance a criação da assinatura digital dos médicos, um projecto que se arrasta há mais de seis anos. A ideia é que o RES venha a ser um repositório de informação clínica relevante para a prestação de cuidados de saúde, acessível a médicos e enfermeiros a partir de qualquer unidade de saúde do país (pública ou privada).

As vantagens da telemedicina

telemedicina é uma das principais potencialidades oferecidas pelas tecnologias da web, mas algumas das aplicações que estão a ser desenvolvidas para o sector da saúde não trazem grande novidade em relação ao que hoje se conhece.

Actualmente, através da banda larga fixa, é possível efectuar testes à distância, sem a presença física do médico, que recebe a informação num monitor em tempo real.

A tecnologia existente permite observar a garganta e a pele, auscultar o coração, avaliar o arfar dos pulmões, verificar a glucose do sangue, por exemplo, como se o médico estivesse presente. A telemedicina proporciona, ainda, a troca de informação entre clínicos e investigadores em saúde distantes geograficamente, possibilitando avanços extraordinários na investigação. O futuro reside, portanto, nas aplicações móveis, que permitirão que os dados possam ser recebidos e processados em qualquer lugar.

Adaptado do livro «Web Trends – 10 cases made in web 2.0» editado pela Comunicarte Publishing