Ainda não andava nem falava quando sofreu a primeira crise de epilepsia. Salomé Oliveira tinha apenas 10 meses quando uma convulsão, após uma queda da cama, deu o primeiro sinal de alerta. Hoje, com 35 anos, confessa que não foi fácil crescer com uma doença que a tornava diferente dos outros mas que, graças à operação a que foi submetida há um ano, recuperou uma nova autoestima e confiança no futuro. Até aos 10 meses, Salomé Oliveira era um bebé como todos os outros. À espera de mostrar uma nova surpresa, uma nova graça todos os dias.

Uma convulsão após uma queda da cama foi o primeiro sinal de alarme e o início de um novo ciclo, o de passar a conviver com a epilepsia. Não havia casos na família mas o diagnóstico foi imediato e sem margem para dúvidas: «Disseram logo que era uma crise epiléptica mas que podia ser uma crise única ou o início de epilepsia crónica ou benigna», explica. O tempo confirmou o pior cenário e há 34 anos que Salomé Oliveira, à semelhança de cerca de 60.000 portugueses, sofre de epilepsia.

Lidar com a diferença e o olhar dos outros

A convivência com a epilepsia não foi fácil para Salomé Oliveira, sobretudo, numa idade mais jovem, causadora de uma enorme insegurança e instabilidade. «Fiquei muito afetada, principalmente, do ponto de vista social. Quando fui para a escola era muito activa e irrequieta mas depois de começar a conviver com os meus colegas a situação alterou-se. Eles assistiam às minhas crises, chamavam-me deficiente mental e faziam troça de mim, razão pela qual comecei a isolar-me socialmente», revela.

«Passava o recreio sentada num canto sozinha ou a conversar com alguma empregada», recorda ainda com tristeza. Infelizmente, um ataque epilético não escolhe hora nem lugar para acontecer. E, em muitos casos, dá-se quando menos se espera, longe de casa e daqueles com quem nos sentimos protegidos, à mercê do desconforto da diferença e da solidão. «Já tive muitas crises publicamente», desabafa. «Durante anos ficava triste, revoltada e envergonhada. Depois conformei-me e via essa limitação como muitas outras que determinadas pessoas têm», diz.

«Por exemplo, os Jogos Paraolímpicos para mim resumem tudo. Esses atletas têm muitas limitações mas não ficam frustrados a pensar nisso. Lutam!», sublinha. A importância de procurar ajuda de quem sabe é fundamental. Salomé Oliveira assume que o facto de ter integrado o Grupo de Ajuda Mútua (GAM) de Pessoas com Epilepsia, uma iniciativa da EPIAPFAPE (Associação Portuguesa de Familiares, Amigos e Pessoas com Epilepsia) contribuiu muito para que se aceitasse a si própria.

«Este grupo acaba por ser um apoio psicológico dado por pessoas que passam pelos mesmos problemas», explica. Apesar de ter começado a gerir as crises, admite que é muito importante que os outros à nossa volta saibam o que se passa connosco e sentiu vontade de minimizar a falta de informação que a sociedade tem sobre esta doença. «Aos poucos apercebi-me que as pessoas resumiam epilepsia a crises convulsivas, o que não é verdade. A epilepsia engloba muitos tipos de crises além das convulsões, entre elas as que eu tinha, que eram crises parciais complexas», diz.

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Aprender a viver sob o olhar dos outros

Para Salomé Oliveira também foi uma aprendizagem saber viver com o olhar dos outros, o que nem sempre é fácil. Mas, em grande parte, depende da maneira como nos vemos e nos damos a ver aos outros. «Sentia que os outros olhavam para mim de maneira diferente, mas agora acho que tinha essa impressão mas não era realidade. Como me sentia com limitações achava que os outros me avaliavam como sendo uma pessoa diferente das outras», refere.

«Mas, analisando bem, não deve ser tanto assim porque, por exemplo, trabalho na mesma empresa há mais de 12 anos. Se me olhassem de maneira diferente a opção dos responsáveis certamente seria outra», assegurava em 2011, com convicção e confiança nas suas capacidades profissionais. Infelizmente, nem todas as pessoas que sofrem desta doença do foro neurológico se podem gabar da mesma sorte. Um pouco por todo o mundo, não faltam casos de discriminação.

Uma nova confiança depois da cirurgia

Salomé Oliveira não esconde que a cirurgia a que foi submetida no ano passado contribuiu muito para um aumento de autoestima. «Felizmente, desde 9 de Outubro de 2009, data em que fui submetida com sucesso a uma cirurgia da epilepsia na qual me foi retirada a parte cerebral afetada que causava as crises, comecei a sentir-me muito diferente, para melhor», revela. Hoje, tem uma autoestima, autoconfiança e independência «muito maiores e, consequentemente, um grau de ansiedade, sensibilidade etc., normalizada», afirma.

Antes desta operação, apesar de seguir um tratamento rigoroso, Salomé Oliveira não tem medo de reconhecer que sentia que determinados momentos importantes da vida lhe fugiam entre as mãos. «Agora, não. Sinto-me como quem anda a estudar. Todos os dias estou a aprender alguma coisa. Algo que antes do controlo das crises não se passava», conta. Mesmo assim, vive um dia de cada vez, consciente das suas limitações. «O mais aborrecido é não haver nenhuma estabilidade», assegura.

«Se pensasse, por exemplo, aproveitar o bom tempo de um domingo para sair e nesse dia tivesse crises, sentia-me pior na fase pós-crises do que propriamente durante as mesmas. Tinha falta de força física e psicológica, de apetite, dores de barriga, fadiga, etc.», explica. Hoje, depois da operação e de um trabalho interior reconhece que está numa fase em que vive com a tranquilidade possível a doença que a afeta. «Através dos GAM conheço outras pessoas com epilepsia, isso é positivo e ajudou-me muito a aceitar a doença», conclui com um sorriso.

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Os conselhos de Salomé Oliveira para lidar com a doença:

- Informe-se

«Investigue especificamente o problema que tem, recolha o máximo de informações através da internet, revistas, médicos, associações, etc (sem que essas informações se tornem certezas absolutas) e, nas consultas, coloque todas as dúvidas que tem. A saúde não é como a matemática em que 2+2 são 4», refere.

- Pense positivo

«A força psicológica afecta a doença mas a doença também afeta e muito a força psicológica. Pense positivo», aconselha Salomé Oliveira.

- Adira aos grupos de ajuda

«Uma coisa que me ajudou muito a aceitar a minha doença foi o facto de passar a pertencer a um Grupo de Ajuda Mútua (GAM) de Pessoas com Epilepsia. É uma iniciativa da EPIAPFAPE (Associação Portuguesa de Familiares, Amigos e Pessoas com Epilepsia), que acaba por ser um apoio psicológico dado por pessoas que passam pelos mesmos problemas», assegura.

Contactos úteis

Associação Portuguesa de Familiares, Amigos e Pessoas com Epilepsia
Telefone: 226 054 959 (Porto) - 239 482 865 (Coimbra) - 218 474 798 (Lisboa)
Internet: www.epilepsia.pt/epi

Texto: Ana Mendonça da Fonseca