A sua boca pode mostrar-lhe muito mais do que um sorriso. Pode apresentar sintomas de doenças que tenham surgido noutra parte do corpo, como anemia, leucemia, diabetes ou melanoma. Muitas dessas patologias «têm um caráter raro e as consequências das mesmas podem ser bastante minimizadas quando o diagnóstico é feito atempadamente nas consultas regulares com o seu médico dentista», refere Miguel Stanley, médico dentista.

Por outro lado, «pode também ocorrer que surjam manifestações e sintomas orais como consequência da medicação que se esteja a tomar». Por isso, «sempre que surgir algum sintoma ou manifestação, deve consultar com a maior urgência possível o seu médico dentista, a fim de poder fazer um diagnóstico correto e o mais precoce possível», ressalva o especialista.

De entre os vários possíveis sintomas, o médico dentista Miguel Stanley refere os mais comuns e aos quais deve estar atento:

- Secura bucal

Designada por xerostomia, ocorre «devido à diminuição da quantidade de saliva», explica  o médico dentista Miguel Stanley. Se associada a uma doença, a fase em que surge varia com a patologia em causa, em função «da medicação que se toma ou do tipo de alimentação», adianta. Consulte o médico «assim que tiver perceção do sintoma, uma vez que pode ser um indicador de patologias sistémicas (num ou em vários órgãos)», adverte.

Tal sucede «por estar associado a um risco maior de aparecimento de cárie e por poder ter uma diminuição da qualidade de vida (acordar várias vezes durante a noite para beber água, desconforto constante, dificuldade em ingerir certos alimentos)», aponta o médico dentista. Outras causas são «a toma de medicamentos antidepressivos, anticoagulantes ou relaxantes musculares, algumas terapêuticas, como a quimioterapia e a radioterapia», sublinha.

«A ingestão frequente de tabaco e álcool» também pode provocar a secura bucal. Este problema pode ser também um sintoma de doenças como «síndrome de Sjögren [doença crónica inflamatória, que afeta sobretudo mulheres acima dos 45 anos, em que o sistema imunitário ataca e danifica órgãos e estruturas do próprio organismo] ou fibrose  quística», explica Miguel Stanley.

Evite alimentos picantes, salgados ou biscoitos, bem como líquidos de bochecho com álcool e tabaco. Use estimulantes salivares (pastilhas elásticas sem açúcar, alimentos fibrosos ou sumo de limão) e beba muita água. Mantenha sempre os lábios hidratados.

- Úlceras

Também podem suceder. «Podem classificar-se em agudas (desaparecem, na maioria das vezes, em duas semanas) ou crónicas (permanecem além das duas semanas). Por norma, surgem em fases mais avançadas da doença que pode eventualmente estar em causa», explica Miguel Stanley. Consulte o médico se sentir dor ou se a úlcera, apesar de assintomática, «persistir por um período superior a duas semanas após a remoção do possível fator causal», aconselha.

«As úlceras agudas podem surgir devido a deficiências nutricionais (ferro, vitamina B12 ou ácido fólico), reações alérgicas a alimentos ou toma de certos medicamentos», explica o médico dentista. O surgimento de úlceras pode também ser sintoma de «anemia, cancro oral, sífilis, queilites (uma inflamação da pele dos lábios) ou leucemia», esclarece o especialista.

Deve aplicar um gel com cloro-hexidina três vezes ao dia para desinfetar a zona onde se encontra a úlcera, favorecer o alívio da dor e a cicatrização. Tenha também atenção ao manuseamento da escova (deve ser suave) e de outros instrumentos da higiene oral, como o escovilhão.

Veja na página seguinte: O que pode estar na origem de uma gengivite

- Gengivite

«Caracteriza-se por gengiva bulbosa, edemaciada (inchada), com tendência ao sangramento, apresentando tons avermelhados ou arroxeados. Em muitos casos, encontra-se associada a sensibilidade aumentada e dor», explica o especialista. Consulte o médico «assim que notar alterações gengivais, pois se a gengivite não for tratada atempadamente, pode evoluir para periodontite, a qual é irreversível e leva à perda progressiva dos tecidos de suporte dos dentes (osso, ligamento e gengiva)», conclui.

«Pode surgir devido a uma higiene oral deficiente, que permite a acumulação de placa bacteriana com consequente inflamação gengival (nestes casos, as restaurações dentárias mal adaptadas ou a presença de aparelho ortodôntico são fatores que agravam), devido a alterações hormonais, como gravidez, puberdade ou ciclo menstrual ou ainda devido à toma de antidepressivos ou anti-hipertensores», afirma.

«Se se tratar de gengivite não induzida por placa bacteriana, a sua origem pode dever-se a «lesões traumáticas ou a infeções bacterianas, virais ou fúngicas», enumera ainda o especialista. A gengivite pode ser sintoma de doenças como fibrose quística, leucemia ou diabetes.

Se tiver gengivite, a técnica de Bass Modificada, em que se posiciona a escova a 45 graus em relação ao longo do eixo do dente, é a mais adequada. Use o fio dentário ou escovilhão e visite o higienista três ou mais vezes por ano. A frequência ideal de lavagem deve ser de duas vezes por dia.

- Manchas

Podem aparecer em diferentes locais da boca, sendo as mais comuns a «mucosa jugal (parte interior da bochecha), a gengiva, o palato e a língua, tendo, por norma, uma cor castanha, vermelha, arroxeada ou branca e com diferentes dimensões», explica Miguel Stanley. Consulte o médico «se a mancha permanecer mais de duas semanas», aconselha o médico dentista.

«As manchas podem surgir devido a trauma, medicação, materiais dentários (como a amálgama) ou síndrome de Peutz-Jeghers (também denominada síndrome da polipose hereditária intestinal)», avança. Segundo o médico dentista, «as manchas de cor variável podem ser sinal de cancro oral ou melanoma», assim como de «doença de Addison [uma doença  endócrina] ou doença  de McCune-Albright  [uma doença genética rara]», diz.

- Ardor

«É mais comum senti-lo na ponta e dorso da língua e nos lábios», podendo ser um sintoma «permanente ou associado a certas alturas do dia ou atividades, existindo, em alguns casos, dias assintomáticos», refere Miguel Stanley. Consulte o médico «quando não conseguir relacionar o sintoma com a ingestão de certos alimentos ou com o refluxo gastroesofágico, para despiste de doenças sistémicas», aconselha.

«Pode surgir como resultado de alergias alimentares, de próteses mal adaptadas, refluxo gastroesofágico ou deficiências nutricionais», aponta o médico dentista. O ardor pode também ser sintoma de «diabetes ou de síndrome de boca ardente, uma patologia mais comum em mulheres acima dos 50 anos», aponta.

Face ao ardor, beba água com frequência e faça a higiene oral, duas ou três vezes ao dia, com uma escova de cerdas macias ou médias. Evite alimentos picantes e líquidos de bochecho que contenham álcool.

Veja na página seguinte: Outros sintomas que podem exigir atenção

- Lesões na mucosa

Resultam do «crescimento anormal de células», podendo apresentar-se em forma de nódulo ou em placa, com cor vermelha ou branca, refere Miguel Stanley. Juntamente com este sintoma, pode sentir-se «dor, ardor e desconforto», adianta. Consulte o médico «se ao fim de duas semanas a lesão não desapareceu ou não melhorou significativamente», aconselha o CEO da White Clinic.

«No entanto, pode acontecer o paciente detetar a lesão sem saber há quanto tempo ela já existe. Nestes casos, deve consultar  o dentista assim que possível», recomenda o médico dentista. «Pode surgir devido a tumores benignos ou malignos dos tecidos moles, ou como resposta a um trauma», refere ainda o especialista.

As lesões na mucosa são também sintoma de doenças como «candidíase ou infeção pelo vírus do papiloma humano (HPV)», complementa ainda Miguel Stanley. Se detetar lesões na mucosa, tenha cuidado ao «manusear a escova (deve ser macia) e outros instrumentos usados para realizar a higiene oral, como, por exemplo, o escovilhão», adianta o médico dentista.

Outros sintomas que podem exigir atenção

São vários os sinais que podem surgir na cavidade bucal como sintoma de doenças que afetam outras parte do corpo. O médico dentista Miguel Stanley indica-lhe outros dos sintomas mais comuns:

- Palidez das mucosas

Pode ser um sintoma de anemia. «Pode surgir no lábio, na língua ou gengiva, apresentando uma atenuação ou desaparecimento da sua cor (rosa ou avermelhada)», explica o especialista.

- Diminuição da quantidade da saliva

Conhecida por hipossialia, «é a responsável por causar xerostomia (boca seca), ou seja, uma diminuição do fluxo salivar». O seu aparecimento pode indicar diabetes.

- Despapilamento da língua

«Surge na língua, que fica lisa, brilhante e sensível, provocando dor ou ardor. Surge devido a deficiências nutricionais», podendo ser sintoma de uma anemia.

Texto: Catarina Caldeira Baguinho com Miguel Stanley (médico dentista e CEO da White Clinic)