O stresse pós-traumático é um conceito que está associado às grandes guerras do século XX. No decorrer da I Grande Guerra Mundial, em 1915, um médico inglês Charles Myers publica um artigo em que descreve uma situação que denomina shell shock (Shell, de «projétil», no inglês). Esta dá-se em alguns soldados que, após serem expostos a combate, desenvolviam um estado psicológico caracterizado por grande ansiedade mental (medo intenso) e física (dores musculares, tremores, etc.) e tinham de ser evacuados rapidamente do campo de batalha.

Mais tarde, após a II Guerra Mundial, estas situações vieram a ser conhecidas pelo nome de "reação de stresse ao combate".

Posteriormente, já em 1980, no rescaldo da guerra do Vietname e com mais uma onda de soldados com este tipo de problema, a Associação Americana de Psiquiatria introduz o conceito de "perturbação de stresse pós-traumático", usado até hoje. Portanto o aparecimento e desenvolvimento deste conceito de stresse pós-traumático está muito ligado ao efeito psicológico que as situações de guerra tinham sobre os soldados.

Várias experiências traumáticas

No entanto, acabou por se generalizar a todas as situações em que uma pessoa tenha enfrentado ou testemunhado um acontecimento que representasse uma ameaça de morte, uma morte real, uma lesão grave ou uma ameaça à integridade física. Isto inclui muitas situações além das experiências de guerra, nomeadamente violações, agressões, assaltos, situações de bullying (violência física ou psicológica exercida repetidamente sobre um indivíduo, muito frequente em crianças) ou de catástrofe como a que se vivenciou nos incêndios de Pedrógão Grande.

Em resposta ao acontecimento traumático, os pacientes experimentam sintomas mentais graves e prolongados, que incluem lembranças intrusivas em que revivem dolorosa e continuamente o evento (podem ser vívidas e simular com todos os pormenores a situação passada - os flashbacks).

O reviver pode ser espontâneo ou ativado por algum som ou imagem que lhe traga à memória o sucedido. Por outro lado, os pacientes evitam qualquer local, circunstância ou tema que lhes faça recordar o trauma. Além disto, eles vivem continuamente ativados, estão sempre em alerta, olhos bem abertos e atentos, tensos. E frequentemente estão irritados e são agressivos.

Todos temos um avô, um tio, um conhecido que esteve no Ultramar... Muitos deles padecem de stresse pós-traumático. Não é fácil lidar com um paciente destes. É preciso ter muita compreensão. É fácil interpretarmos o seu comportamento como agressivo, antipático, anti-social.

As mulheres dos ex-combatentes sabem o quão difícil é conviver com estes pacientes. Eles muitas vezes estão alheados no mundo, revivendo situações que ultrapassaram a capacidade humana de adaptação. Estes ex-combatentes viram os melhores amigos a morrer-lhes nas mãos, viram famílias que eles conheciam perderem o pai e o marido, e tudo isto num cenário de uma crueza animal. Alguns ultrapassaram ferimentos que quase os conduziram à morte. Ficaram estropiados, sem um braço, uma perna… Embora o seu corpo tenha conseguido arrastar-se para fora do campo de batalha, muitas vezes a sua mente permanece lá para sempre.

Tratamento

É fundamental que estas pessoas tenham acesso ao tratamento especializado. É um sofrimento terrível. Felizmente temos formas de ajudar estes pacientes, e que passam irremediavelmente na maioria dos casos por medicação. Mas não costuma haver resistências destes doentes em relação à medicação. Tal é o nível do seu sofrimento físico e psíquico que ao experimentarem um alívio dos sintomas são eles que não prescindem da medicação.

Do ponto de vista psicológico, o primeiro passo é ouvi-los. Não é raro estes pacientes terem memórias tóxicas dentro de si que precisam de extravasar as vezes que forem necessárias! A catarse repetida dos acontecimentos acaba por torná-los mais fácil de suportar. É importante também estimular exercícios de relaxamento e exercício físico como forma de aliviar aquela tensão física constante. Gradualmente, podemos estimular a sua reaproximação, dos estímulos e locais que os incomodam.

Por exemplo, podem ter dificuldade em ir ao aeroporto, em ouvir aviões ou em ouvir determinados ruídos de motor, ou ir às zonas onde ocorreram os incêndios (se for esse o caso). A sua exposição sistemática e acompanhada a estes fatores pode reduzir a ansiedade que eles provocam.

É fundamental estarmos atentos, nesta fase que se sucede à tragédia de Pedrógão Grande às pessoas que passaram pela traumática experiência de vivenciar o horror na primeira pessoa, a ameaça eminente de morte, as lesões muitas delas graves, e o assistir à morte de familiares, e amigos entre as chamas. Pode acontecer nalguns casos que se desenvolva a Perturbação de Stresse Pós-Traumático e que precisa de tratamento urgente pois pode levar a situações de grande sofrimento.

As explicações são do professor doutor Diogo Telles Correia, médico psiquiatra e psicoterapeuta.