Em colaboração com o ConsultaClick.com, o psiquiatra Horácio Firmino, desmistifica a doença Alzheimer e reflete sobre o lugar das pessoas idosas na sociedade atual.

Ao longo dos últimos anos existe uma preocupação crescente da classe médica, da imprensa e do público pelas doenças dos idosos. A este fato não é alheio o envelhecimento da população. Não podemos esquecer que, nos anos trinta do passado século, a esperança média de vida se situava nos 35 anos, para no momento presente se situar nos 83 anos.

O envelhecimento da população constituiu hoje um problema mundial e se consultarmos os dados demográficos da nossa população constatamos que 17% dos portugueses tem mais de 65 anos.

O processo de envelhecimento traz consigo, gradualmente, o enfraquecimento muscular e a perda de numerosas funções corporais e intelectuais. Porém neste ponto é importante referir que nem todas as funções biológicas declinam ao mesmo tempo e nem todos apresentam declínio das funções cognitivas que constituam doença.

A maioria da população mais velha é considerada com uma saúde incapacitada, associando velhice com senilidade ou deterioração mental, constituindo isto um dos mitos erróneos a corrigir.

Contudo, o aumento de envelhecimento da população é acompanhado por um aumento de prevalência de quadros clínicos, nomeadamente a demência, que embora conhecidos desde há séculos e com a primeira descrição científica há 100 anos atrás (Alois Alzheimer descreve o caso de August D. em 1907).

A doença de Alzheimer usualmente é mais frequente a partir dos 65 anos de idade embora possa surgir em idades mais precoces. Como clínicos temos vindo a procurar identificar as perturbações de memória de forma precoce de molde a manter uma qualidade de vida mais prolongada.

A demência é um processo orgânico cerebral que afecta predominantemente as pesssoas idosas, que se caracteriza por uma perturbação de memória associada a pelo menos um deficit cognitivo, representando um declínio em relação ao nível prévio de funcionamento. Este declínio da função cognitiva está associado igualmente a um conjunto de alterações de comportamento e a nível psicológico, determinando um declínio nas actividades de vida diária.

Na prática clínica constatamos que quer as famílias, quer alguns colegas tendem a desvalorizar as dificuldades intelectuais e de memória que os idosos apresentam.

Habitualmente só recorrem à consulta quando o declínio cognitivo é mais acentuado ou, de forma significativa apresentam alterações do comportamento, (agitação, agressividade, comportamentos sexuais desadequados, alimentarem-se mal, ou mesmo recusa alimentar e episódios de desorientação, como seja perderem-se perto da sua residência) ou ideias delirantes de roubo (afirmando que o cuidador ou algum familiar lhe roubou algum objecto – perturbação muitas vezes associada aos esquecimentos e a tendência de esconderem para não serem roubados e mais tarde esquecem-se do local onde esconderam), alucinações visuais (verem imagens ou objectos na casa que lhes geram desconforto, por considerarem muitas vezes que lhe estão a invadir a casa) e desconfiança (psicológicos).

Este declínio global e gradual de funcionamento traduz-se por uma dependência crescente destes doentes que conduzem, quando não tratados, a uma institucionalização rápida ao fim de 3 a 5 anos. A demência pode também iniciar-se com um processo depressivo súbito, sem história de perturbações psiquiátricas anteriores.

É já hoje aceite, por quase toda a gente, que a depressão é uma doença tratável, com melhoria da qualidade de vida. Quando surge num idoso pode ser resultado do idoso se dar conta do início das suas dificuldades de funcionamento cognitivo. Deve haver um cuidado especial para este tipo de doentes pelo risco de suicídio associado e pela deterioração cognitiva de uma percentagem significativa destes doentes.

Se tivermos em conta diversos estudos internacionais, estima-se que só metade dos enfermos com doença de Alzheimer é que são correctamente diagnosticados, destes só 40% inicia algum tratamento, dos quais só 60% (ou seja 12% dos doentes de Alzheimer ou 24% dos correctamente diagnosticados) fazem tratamento com os únicos fármacos aprovados para esta patologia. Quanto mais cedo se estabelecer uma terapêutica menor serão os custos das famílias e da sociedade para com estes doentes.

É comummente aceite que o doente de Alzheimer constitui uma das principais fonte de sobrecarga em termos físicos e psicológicos para a família/cuidador (normalmente o cônjuge, também idoso e/ou filhos). Nesta convivência surge alguma dificuldade no diálogo, na forma de abordar conflitos ou ultrapassar dificuldades que o próprio desenvolvimento da doença acarreta.

A abordagem destes doentes não pode ser centrada apenas no diagnóstico, na proposta terapêutica e na evolução da mesma. A equipa encarregue de seguir o doente tem de estar atento as necessidades da família/cuidador, esclarecê-la, mostrar-se disponível para intervir na crise, quando está porventura surgir, explicar o curso e evolução da doença, planificar o futuro do doente, prevenir consequências legais e ajuizar da necessidade de internar numa instituição se houver perigo e insegurança para o doente.

Se a sobrecarga for grande e o cuidador continuar a querer ser ele a prestar apoio cabe a equipa terapêutica planificar o internamento no hospital do doente, de molde ao “cuidador poder fazer férias”, ou seja poder “carregar pilhas” para continuar a colaborar.

Por fim e já que o propósito era escrever sobre a Doença de Alzheimer não posso deixar de chamar a atenção que não devemos imbuir-nos do que pensamos ser o natural para os mais velhos: esquecer, e/ou estar triste não é próprio do envelhecimento e poderemos ajudar a melhorar a qualidade de vida destes se for feito o diagnóstico e se instituir uma terapêutica adequada, pois o tempo, esse é curto…

Texto: Dr. Horácio Firmino, Psiquiatra ConsultaClick.com

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