«É uma situação vulgar e benigna, não é uma doença grave nem envolve necessariamente tratamento ou complicações».

Esta é, segundo Fernanda Águas, ginecologista e presidente da Sociedade Portuguesa de Ginecologia (SPG), uma das principais noções a reter sobre os miomas uterinos, que afetam 20 a 40 por cento das mulheres em idade reprodutiva.

Para clarificar e uniformizar os critérios de diagnóstico e tratamento, a SPG publicou recentemente o primeiro Consenso Nacional sobre Miomas Uterinos, um documento que todas as mulheres deveriam consultar. Depois de o lermos, reunimos a informação mais útil para si.

O que são?

Os miomas uterinos são tumores benignos constituídos essencialmente por células do miométrio, o músculo que envolve o endométrio (mucosa que reveste o interior do útero) e normalmente têm poucos centímetros de diâmetro, mas podem chegar a ultrapassar os 15, fazendo parecer que a mulher está grávida.

Podem desenvolver-se na parede do útero (miomas intramurais), o que ocorre na maioria dos casos, mas também na cavidade do útero (submucosos) ou fora do útero, por exemplo no abdómen (subserosos).

Quais as causas?

Têm origem em fatores genéticos. Cerca de 40 por cento estão associados a anomalias dos cromossomas (e hormonais) e o seu desenvolvimento é estimulado pelo estrogénio e progesterona. Há vários fatores de risco, como a idade (70 a 80 por cento das mulheres na faixa dos 50 anos são afetadas) e a história familiar (se a sua mãe teve um mioma, o risco de vir a ter um é cerca de duas vezes e meia superior à média).

A prevalência também é maior em mulheres com excesso de peso, provavelmente devido ao aumento dos níveis de estrogénio. A hipertensão arterial, o facto de não se ter filhos ou de os ter tardiamente e uma dieta rica em carnes vermelhas e/ou álcool também aumentam o risco.

Que consequências podem ter?

Uma das complicações mais comuns é a anemia provocada por hemorragias repetidas. A malignização do mioma é rara (0,1 por cento dos casos), acontece sobretudo na pós-menopausa e caracteriza-se pelo seu crescimento rápido.

Há também complicações relacionadas com fases específicas da vida da mulher:

- Gravidez

Os miomas podem afetar a fertilidade e aumentam o risco de abortos de repetição, placenta prévia, restrição de crescimento fetal, parto prematuro, descolamento de placenta, bebé em posição pélvica e hemorragia pós-parto. Durante a gravidez há também risco de degenerescência, dor e de crescimento dos miomas, embora cerca de 80 por cento não alterem o seu tamanho.

Neste caso, aplicam-se as regras de vigilância clínica e ecográfica de qualquer gestação mas, em situações específicas, o médico deve estar mais atento à restrição do crescimento fetal. A escolha do tipo de parto segue as regras habituais, mas está indicada a cesariana eletiva (realizada antes do início do trabalho de parto) em caso de miomas de localização prévia (que obstruem a via do parto) e em mulheres submetidas a miomectomia (extração cirúrgica do mioma ou parte dele) antes da gravidez que tenham risco de rotura uterina no local da cicatriz.

- Perimenopausa

A evolução natural dos miomas é imprevisível e é necessário fazer um diagnóstico para distinguir hemorragias uterinas anormais de hemorragias disfuncionais provocadas por deficiência de progesterona. Nas mulheres que não apresentem sintomas é essencial a vigilância anual com exame ginecológico.

Quando se detetam alterações ou novos sintomas, é indispensável um estudo aprofundado com ecografia vaginal e abdominal. As hemorragias uterinas anormais requerem avaliação laboratorial e tratamento clínico que, caso seja suficiente para as controlar, permite evitar uma cirurgia. Se a mulher quiser manter o útero, a cirurgia indicada é a miomectomia.

- Pós-menopausa

As hemorragias uterinas tendem a desaparecer e os miomas a regredir, mas podem surgir sintomas, sobretudo lombalgias, devido ao seu volume e à pressão que exercem nos orgãos vizinhos. O aumento de dimensões de um mioma, a modificação da sua estrutura ou o surgimento de sintomas obriga a estudos complementares.

Se houver indicação para cirurgia, a histerectomia (extirpação do útero) é preferencial, exceto em miomas submucosos. Se, em mulheres que fazem a terapêutica hormonal de substituição, surgirem hemorragias uterinas anormais ou não houver crescimento dos miomas, aquela deverá ser suspensa.

Como são tratados os miomas?

Os fármacos disponíveis podem provocar uma redução de até 50 por cento do tamanho do mioma e ser usados como preparação para uma cirurgia. Destinam-se a controlar os sintomas, pelo que não se justifica o seu uso em miomas assintomáticos.

A nível cirúrgico, a histerectomia é a técnica mais eficaz, mas impossibilita definitivamente a gravidez. Mulheres que queiram preservar a fertilidade ou que sejam inférteis mas pretendam recorrer a técnicas de procriação assistida têm indicação para miomectomia.

Será um mioma?

O exame clínico, feito pelo médico de família ou ginecologista, levanta a suspeita. Para confirmar o diagnóstico é depois necessário recorrer a exames comlementares:

- Ecografia pélvica abdominal e/ou transvaginal
É o exame de eleição. Permite avaliar o número, dimensão e localização do mioma e distingui-los de outros problemas.

- Ressonância magnética
Indicada para avaliação pré-cirúrgica em caso de miomas múltiplos e quando há suspeita de malignidade ou de outras patologias pélvicas.

- Histeroscopia ou histerossonografia
Técnicas de endoscopia ao útero que permitem distinguir miomas submucosos de pólipos e, no mesmo ato, proceder ao seu tratamento.

Sinais e sintomas

Só 30 por cento dos miomas dão origem a sintomas, variáveis em função da a sua localização, tamanho e número. Os mais frequentes são:

- Hemorragia uterina anormal
É o sintoma mais frequente, sobretudo sob a forma de hemorragia menstrual abundante.

- Dor, distensão ou compressão pélvica, lombar ou abdominal
Normalmente é pouco intensa e contínua. A dor nas costas pode surgir durante as relações sexuais.

- Tumor pélvico
A maioria cresce lentamente e mantém as suas dimensões por muito tempo.

- Alterações urinárias, intestinais, venosas ou nervosas
A compressão de estruturas vizinhas devido às dimensões do mioma pode conduzir a micção frequente ou incontinência urinária. A lista inclui ainda obstipação, trombose ou edema dos membros inferiores, bem como dor ciática, entre outros sintomas.

Texto: Rita Miguel com Fernanda Águas (ginecologista e presidente da Sociedade Portuguesa de Ginecologia)