Aos 41 anos e com um estilo de vida que a excluía completamente do grupo de risco, Margarida Rebelo Pinto foi vítima de um AVC.

Passados os primeiros tempos de sobressalto, a escritora confessa que teve muita sorte e sente que a vida lhe deu uma segunda oportunidade, que não pretende desperdiçar nem por um segundo.

Aquela manhã de 9 de Maio de 2007 parecia igual a tantas outras na vida de Margarida Rebelo Pinto. Mas não foi.

Na verdade, podia mesmo ter sido a última, mas o destino assim não quis e a conhecida escritora, na altura com 41 anos, conquistou uma segunda oportunidade de viver.

«Estava em casa, tinha acabado de tomar o pequeno-almoço quando senti tonturas, um zumbido, perdi o equilíbrio, comecei a ficar com vómitos e perdi o controlo motor do lado direito do corpo», conta Margarida Rebelo Pinto. Sozinha em casa e longe de saber que estava a sofrer um AVC (Acidente Vascular Cerebral), Margarida Rebelo Pinto não descurou aqueles sinais de mal-estar e telefonou de imediato à mãe e a uma tia neurologista.

Foi esta última que lhe confirmou o possível diagnóstico de AVC e chamou logo o 112, que a transportou para o Hospital de Santa Maria. «Aí fizeram-me uma TAC e uma ressonância magnética para verificar se tinha alguma obstrução nas artérias. E, de facto, tinha um trombo na artéria cervical direita. Foram-me também diagnosticadas lesões no cerebelo, confirmou-se que era um AVC não hemorrágico e fui imediatamente medicada com anticoagulantes», explica a escritora.

Margarida Rebelo Pinto ficou internada durante seis dias, dois deles nos cuidados intensivos e os outros sob vigilância. Três semanas depois foi operada ao coração porque, durante o internamento, foi-lhe diagnosticado um CIA (Comunicação Inter-Auricular), que é uma válvula no coração que não fechou.

Um desconhecido chamado AVC

Hoje, assume que não percebeu logo que estava a sofrer um AVC. Porquê? A resposta é simples.

«Nunca tinha assistido a nenhum AVC nem conhecia bem os sintomas. Pensei que era uma intoxicação alimentar, mas por causa da perda do controlo motor percebi que devia ser outra coisa, só não imaginei o que seria. Não conhecia os sintomas do AVC, não estava familiarizada com a do ença porque não conhecia ninguém que tivesse sofrido um», conta.

Margarida Rebelo Pinto vai mais longe e não esconde que, tal como muitas outras pessoas, se achava muito nova para ser vítima de uma doença deste género. «Estava longe que isto me pudesse acontecer. Até porque o meu lifestyle não se enquadra no chamado grupo de risco. A única coisa que desconhecia era que tinha um problema cardíaco congénito. Em miúda, tive um sopro que foi diagnosticado e que depois deixou de ser audível e perceptível. Não sabia que tinha essa malformação congénita».

A importância de um diagnóstico certo e imediato

A verdade é que hoje, depois ter vivido esta experiência, Margarida Rebelo Pinto não tem dúvidas que o facto de lhe ter sido prontamente diagnosticado o AVC e ter ido logo para o hospital lhe salvou a vida e a livrou de sequelas maiores.

«Num AVC do meu tipo se o diagnóstico e o tratamento forem feitos de imediato, as pessoas podem ficar sem sequelas tal como eu. Embora tenha sequelas no cerebelo (zona do equilíbrio e audição) que aparecem na TAC, no meu dia-a-dia elas não se manifestam, nem perdi nenhuma faculdade. Pode dizer-se que é um caso de AVC com um resultado muito feliz porque não tive qualquer tipo de sequela», conta.

Para lá da intervenção médica, Margarida Rebelo Pinto reconhece que a maneira como se encara o problema e o período subsequente também são muito importantes no sucesso da cura. Não querendo com isto dizer que não existam momentos mais difíceis de gerir.

«Naqueles primeiros instantes, pensei que não podia morrer. Tinha um filho, na altura com 11 anos, tinha os meus pais vivos, artigos para escrever e outros para entregar nessa semana, muitos livros para escrever e portanto não podia morrer. Tinha de me salvar e nunca senti medo», confessa. Felizmente, naquela manhã em que sofreu o AVC, Lourenço, o filho da escritora, não estava em casa. Foi o pai que lhe explicou mais tarde o que se tinha passado.

«Ele apanhou um grande susto, mas aguentou-se e uns dias depois foi ver-me ao hospital. Mais tarde, quando se apanhou em casa comigo, ficou doente, esteve três dias com febre. Teve uma reacção psicossomática, perfeitamente normal numa criança de 11 anos, que vive sozinha com a mãe e que, de repente, percebe que a mãe pode morrer de um momento para o outro», explica.

À beira do abismo

Para Margarida Rebelo Pinto o processo de recuperação não foi fisicamente doloroso. A vivência do AVC é que foi extremamente desconfortável e penosa. «Enquanto estava a sofrer o AVC via tudo a andar à roda, estava sempre a vomitar, tinha dores e um zumbido na cabeça horríveis. Vi mesmo a morte à minha frente», admite.

O AVC trouxe-lhe algumas limitações. Não pode carregar pesos, todos os dias tem de tomar uma aspirina e nos dois primeiros meses depois do acidente teve de tomar anticoagulantes. Para o resto da vida foi-lhe imposta também uma outra regra.

«Os médicos disseram-me que tenho de levar a vida mais devagar, que tenho de desacelerar», explica sem esconder que esta foi a parte mais complicada porque sempre esteve habituada a viver a um determinado ritmo e, de repente, de um dia para o outro, foi obrigada a mudar radicalmente. Na altura, tinha acabado de escrever um livro que, ironicamente, se chama A rapariga que perdeu o coração».

O regresso à escrita

O livro foi lançado 10 dias depois da operação ao coração e a autora não quis deixar de marcar presença no lançamento, na Feira do Livro, em Lisboa.

«Sempre combati a doença no sentido em que não deixei que ela me impedisse de fazer as minhas coisas. Fui muito cansada para a Feira do Livro, mas fui. E não deixei de autografar os livros e de estar com as pessoas», conta.

Margarida Rebelo Pinto, que estava também a iniciar o processo de escrita do seu último sucesso, Português Suave, não esconde que teve medo de ter perdido faculdades essenciais e de não conseguir voltar a escrever.

«Para os artigos mais pequenos e crónicas, não sentia nenhuma dificuldade. O difícil era concentrar-me durante duas, três horas em frente ao computador. Tinha perdido essa capacidade e levei algum tempo a recuperá-la, cerca de seis meses. Pensei que podia nunca mais conseguir escrever um livro, mas não me deixei dominar por esse pensamento».

Apesar de afirmar que a palavra medo não faz parte do seu dicionário, não esconde que ganhou novas pequenas angústias. «Passei a ter algum receio de estar sozinha e confesso que, quando fico doente, tenho sempre uma maior preocupação em relação ao que posso ter», desabafa.

«Encaro a vida, a morte e a doença de outra maneira. Antes do AVC achava que nada era um problema e tudo se resolvia. Agora já não tenho essa visão, sou muito atenta e cuidadosa, mas continuo a não ter medo de nada. Aliás, essa é uma palavra que não existe no meu dicionário», acrescenta ainda.

 A vida depois do AVC

Margarida Rebelo Pinto sente que ganhou uma segunda oportunidade de viver e, por isso, fez questão de ter também uma nova atitude perante a vida. «Deixei de fazer fretes, deixei de me relacionar com pessoas que não me interessam, deixei de ter conversas que não me são úteis. Tornei-me numa pessoa mais essencial, mais feliz», sublinha.

«Divirto-me com os pequenos prazeres da vida e tiro partido de tudo, seja um gelado, uma boa conversa, um abraço, um passeio à beira-mar», conta.

«Tornei-me numa pessoa muito mais feliz e passei a estar mais atenta às pessoas que estão à minha volta e que estão doentes. Passei a ter uma maior disponibilidade para as ajudar, que não teria se não tivesse estado doente», confessa.

Não esconde que sempre foi uma pessoa humana e atenta aos outros, mas o AVC obrigou-a a olhar para os problemas dos outros com outros olhos. «Logo a seguir, fiz um livro para a Acreditar e doei 10 mil euros. Em 2008, associei-me à campanha para a prevenção contra o cancro da mama e participei na campanha da MTV contra o tráfico e escravatura de mulheres», recorda.

Como a escritora vê hoje a morte

«Num ano fiz muito mais pelos outros do que tinha feito até aí e sinto que foi por causa do AVC, que me virou mais para o mundo e menos para mim própria».

Questionada sobre se acredita ter vencido a morte, Margarida Rebelo Pinto remete a resposta para jogo da sorte e do azar.

«Sinto que tive sorte porque ninguém vence a morte. Mas aquilo que não nos mata, torna-nos mais fortes. Tive muita sorte e uma segunda oportunidade de viver que não pretendo desperdiçar nem por um segundo. Tudo o que me chateia ou incomoda, rejeito sem contemplações. Não fiquei uma pessoa pior, apenas já não confundo as prioridades da minha vida. Tornei-me numa pessoa mais optimista. Para mim, hoje não há problemas, apenas contratempos.»

Os conselhos de Margarida Rebelo Pinto

Mais consciência. «Acho que a doença é bem divulgada mas as pessoas estão pouco conscientes porque pensam que só acontece aos outros. Sempre que uma pessoa sentir mal-estar, tonturas, dores de cabeça, vómitos e descoordenação motora, mesmo que seja mínima, isso é, quase de certeza, um AVC e as pessoas devem chamar imediatamente uma ambulância.»

Apoio da família e amigos. «Tive apoio desde o primeiro minuto e isso ajudou-me imenso na minha recuperação. Os meus pais são pessoas muito calmas mas foi um enorme susto para eles. Ainda por cima, sou a mais nova de três irmãos.»

Força de vontade. «As pessoas têm de ter força de vontade e acreditar que vão melhorar e que vão conseguir. Todo o trabalho de fisioterapia tem de ser acompanhado com uma enorme força e ânimo. Mas o melhor conselho é prevenir, prevenir, prevenir!»

Texto: Evelise Moutinho
Fotografia: Estúdios António J. Homem Cardoso