Uma mulher de 70 anos deu entrada no hospital com mútiplas hemorragias internas.

Um chá de camomila e uma loção de corpo à base da mesma planta que a senhora usou enquanto fazia um tratamento com varfarina foi o suficiente para aumentar o efeito anticoagulante do fármaco e levá-la às urgências.

Este é apenas um dos muitos casos que ocorrem quando as pessoas combinam a toma de certos medicamentos com produtos aparentemente inofensivos, como alimentos e plantas medicinais, sob a forma de chás, cosméticos ou suplementos vitamínicos. Para evitar que situações destas continuem a acontecer, a Universidade de Coimbra acaba de criar o primeiro Observatório de Interações Planta-Medicamento. Para o conhecer, fomos falar com Maria Graça Campos, a investigadora que lidera este projeto único no mundo.

Qual o objectivo do Observatório de Interações Planta-Medicamento?

Uma das principais funções do Observatório é criar uma base de dados de interações entre plantas e medicamentos, centrada na realidade portuguesa. Estamos a fazer um levantamento das plantas mais utilizadas pela nossa população para encontrar as interações que mais podem ocorrer e/ou ocorrem

Vai ser possível consultar essa base de dados?

Está em permanente atualização mas os primeiros resultados já estão disponíveis em www.uc.pt/ffuc/oipm. Assim, tanto os profissionais de saúde como os cidadãos podem estar informados.

Os cidadãos podem esclarecer dúvidas?

No site existe um contato através do qual as pessoas podem pedir mais informações. Estamos também a criar uma linha verde para que qualquer pessoa possa reportar eventuais efeitos de interações. Desta forma, além de produzirmos novo conhecimento poderemos dirigir a investigação através destes testemunhos.

Porque ocorrem as interações entre alimentos e medicamentos?

Não existe um porque mas um como. Depende do alimento e/ou das plantas medicinais e do medicamento. Por exemplo, alimentos ricos em fibras podem absorver medicamentos que serão eliminados com eles, diminuindo a sua obsorção. Assim sendo, a dose terapêutica pode não ser atingida. Outro exemplo, são os sumos de fruta, como é o caso do de toranja, que podem inibir determinadas enzimas de metabolização dos fármacos aumentando a sua concentração no organismo.

Quais os principais efeitos da interação entre alimentos ou plantas e medicamentos?

São três. A redução da dose terapêutica, o que no caso de certos medicamentos como antibióticos ou antineoplásicos (para o tratamento de tumores) pode ser muito grave, o aumento da dose absorvida e disponível o que pode causar intoxicação e agravamento dos efeitos secundários, além de poder haver um efeito aditivo.

Por último, pode ocorrer um efeito imprevisível resultante de uma interação que ainda não foi estudada.

Que tipo de sintomas podem indicar uma possível interação?

Todos os que sejam diferentes do que habitualmente se sente quando se tomam os  medicamentos em condições normais.

A interação entre suplementos alimentares e medicamentos é testada?

Normalmente não, apesar de muitos produtos dietéticos conterem plantas medicinais camufladas com uma forte atividade no organismo e que entram em conflito com os medicamentos comprometendo a sua eficácia.

Quais as consequências deste conflito?

Esta interação pode causar danos na saúde, muitas vezes de difícil resolução, uma vez que as pessoas não atribuem esses efeitos nefastos aos produtos de origem natural que consumiram, iludidos de que estes não lhes poderiam fazer mal. Temos a ideia de que o que é natural não faz mal. É preciso ter a noção de que todas as substâncias que têm efeito terapêutico no nosso organismo têm também toxicidade e quanto mais ativos mais tóxicos são. Os maiores venenos estão em produtos naturais.

O que poderá mudar a partir das conclusões do Observatório?

Esperamos que em breve os medicamentos possam incluir referências do tipo «enquanto estiver a tomar ibuprofeno não deve consumir chá verde, nem…», ou num medicamento à base de ginkgo referir «não deve ser administrado conjuntamente com varfarina, camomila, ácido acetilsalicílico…». O mesmo deve vir referenciado em produtos dietéticos e em alimentos muito ricos em determinadas substâncias, por exemplo, fibras e/ou mucilagens, como é o caso das algas.

Que cuidados podemos ter para reduzir o risco de interações entre plantas e medicamentos?

Devemos sempre ponderar e não usar medicação conjunta. Se estamos a
tratar uma determinada doença, todos os medicamentos que tomamos devem
ser do conhecimento do médico e do farmacêutico.

A adição de chás ou de
outro tipo de preparados à base de plantas, que não esteja no plano de
tratamento pode em algumas situações ser fatal. 

Se for preciso alterar a
dieta também pode colher informações com o seu nutricionista. A adição,
por exemplo, de soja para um não consumidor usual deste alimento nem 
sempre será benéfica e pode mesmo ser desaconselhada.

Respeitar as indicações inscritas na bula pode evitar interações?

Este cuidado é importante mas não basta. A adição de determinados
alimentos em doses que, por vezes, nem precisam ser muito elevadas pode
alterar a biodisponibilidade dos medicamentos. Para além disso, as
pessoas juntam ainda chás e o consumo de  outras plantas medicinais, em
várias formas, o que complica bastante a gestão de todos estes
constituintes químicos no organismo.

As combinações que não deve (mesmo) fazer

- O sumo de toranja interfere com vários medicamentos utilizados no tratamento do cancro.

- O chá de hipericão interage com a pílula anticoncetiva, podendo anular o seu efeito.

- A camomila, a soja, o ginkgo, entre outros, interagem com a varfarina (anticoagulante).

- O chocolate interage com os inibidores da monoamina oxidase presentes em medicamentos antidepressivos.

- Os alimentos ricos em vitamina K (brócolos, espinafres) contrariam o efeito dos medicamentos anticoagulantes.

Texto: Vanda Oliveira com Maria da Graça Campos (coordenadora do observatório de interações planta-medicamento)