A leucemia linfoblástica aguda de células T é um cancro do sangue especialmente frequente em crianças que se caracteriza por um aumento descontrolado do número de linfócitos T (glóbulos brancos).

Já se conheciam vários mecanismos moleculares relacionados com o aparecimento destas leucemias, que resultam de diferentes mutações em genes envolvidos em processos de crescimento e diferenciação das células T.

No entanto, um estudo publicado no início de setembro de 2011 na prestigiada revista Nature Genetics, levado a cabo por um grupo de investigadores do Instituto de Medicina Molecular (IMM), em Lisboa, revela agora o mecanismo molecular envolvido no aparecimento de leucemia linfoblástica aguda de células T em alguns doentes. O estudo mostra ainda que há um grupo de fármacos que poderá actuar contra o desenvolvimento deste tipo de tumores, abrindo novas perspectivas de terapia futura.

A identificação e compreensão do efeito de cada mutação encontrada em doentes com leucemia ajuda a desenvolver terapias eficazes direccionadas especificamente a cada subtipo de tumor, dependendo, contudo, das mutações a ele associadas. No estudo agora publicado na revista Nature Genetics, o que os investigadores fizeram foi identificar um conjunto de mutações até agora desconhecido (e que aparecem em cerca de 9% dos doentes com leucemia estudados) e mostrar que estas mutações podem estar na origem do mesmo tipo de tumores.

Os investigadores foram ainda mais longe e identificaram também um conjunto de fármacos que pode ser eficaz na eliminação do efeito dessas mutações levando à morte das células que as possuem, o que confere uma potencial aplicação terapêutica futura a esta descoberta. As mutações agora identificadas ocorrem num gene que codifica para uma proteína que se localiza à superfície das células T, chamada receptor da interleucina 7.

Esta proteína distribui-se ao longo da superfície da célula e contata tanto com o meio exterior como com o seu interior, constituindo assim um elo de passagem de informação química do exterior para o interior da célula. Esta transferência de informação ocorre quando uma outra proteína, que circula na corrente sanguínea e se chama interleucina 7, se liga ao receptor na superfície das células T.

A ligação da interleucina 7 ao seu receptor despoleta um conjunto de reacções no interior da célula que são, em condições fisiológicas, essenciais ao correcto desenvolvimento e multiplicação das células T. O investigadores descobriram agora que as células cancerígenas de alguns doentes pediátricos com leucemia contêm o receptor mutado e que a mutação do receptor faz com que este deixe de necessitar da informação exterior (da ligação da interleucina 7) para promover a multiplicação celular.

Como resultado, as células T multiplicam-se descontroladamente, originando um tumor, constataram os autores deste estudo. Esta investigação, realizada em laboratório a partir de amostras de doentes, foi coordenada e desenvolvida em Portugal na Unidade de Biologia do Cancro do Instituto de Medicina Molecular, liderada por João T. Barata, em colaboração com equipas sedeadas em vários países, incluindo uma do Centro Infantil Boldrini, em Campinas, São Paulo (Brasil) e uma outra do National Cancer Institute, em Frederick, Maryland (EUA).

A equipa internacional liderada pelo Português João T. Barata
seleccionou ainda um conjunto de fármacos que atuam em vários passos da
cascata de reações accionada pelo receptor de interleucina 7.

Foi estudado o
efeito destes fármacos na multiplicação de células que possuem o
recetor mutado à sua superfície.

Os investigadores verificaram que este
tipo de fármacos, já testados noutras doenças como artrite reumatóide,
consegue impedir o crescimento das células mutadas e levar à sua
eliminação.

«Descobrimos que, apesar de ser essencial para o desenvolvimento e
funcionamento das células T, o receptor da interleucina 7 também pode
ter um lado obscuro e actuar como uma espécie de Mr. Hyde. Em
particular, descobrimos que existem mutações que levam à activação
permanente do receptor da interleucina 7 numa percentagem razoável de
doentes com leucemia T pediátrica», sublinha João T. Barata.

«Mais do que isso, identificámos o mecanismo que leva a que o receptor
esteja sempre activado nestes doentes e quais as consequências dessa
activação: crescimento descontrolado das células T. Estas obervações
deram-nos algumas armas para potencialmente actuar sobre estes tumores.
Embora, felizmente, a leucemia linfoblástica aguda infantil seja dos
cancros com maior sucesso terapêutico, estas observações dão-nos a
esperança de poder vir aumentar ainda mais a eficácia e selectividade
dos tratamentos actualmente existentes», refere o coordenador do estudo.

Esta investigação foi financiada por várias de agências de
financiamento, incluindo a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).
Este é o quarto artigo publicado por investigadores do IMM em revistas
do grupo Nature desde o início de agosto de 2011, um ritmo raro em
Portugal. Cancro, expressão genética, doenças neurodegenerativas foram
os temas que mereceram publicação neste prestigiado grupo de publicação
científica, realçando a qualidade de investigação biomédica em Portugal.

GLOSSÁRIO

Leucemia linfoblástica aguda (ALL)

É um conjunto de leucemias caracterizadas por um rápido aumento do número de linfócitos gerados na medula óssea. Essa proliferação descontrolada de linfócitos ocorre geralmente em crianças e jovens adultos, sendo, segundo estatísticas internacionais, a doença maligna mais frequente em crianças.

Células T

Em conjunto com as células B constituem os chamados linfócitos, que são glóbulos brancos. São células do sistema imunitário responsáveis por reconhecer especificamente e neutralizar agentes externos causadores de infecção (por exemplo, vírus). As células T são produzidas na medula óssea e encontram-se normalmente na circulação sanguínea.

Interleucina 7 (IL-7)

Molécula que circula na corrente sanguínea (onde também circulam as células T) e que  funciona como uma espécie de mensageiro químico que atua na regulação de mecanismos moleculares que ocorrem dentro das células T (entre outras). Actua ligando-se à superfície exterior destas células através de um receptor específico para a interleucina-7. A ligação da interleucina ao seu receptor despoleta uma cascata de reacções dentro das células T que resultam na progressão de processos celulares como proliferação e maturação celular.

Receptor de interleucina 7 (IL-7R)

Proteína que se encontra à superfície das células T (entre outras) e que contacta tanto com o interior como com o exterior da célula, permitindo a passagem de informação de um lado para outro. O receptor de interleucina 7 tem uma afinidade química especial para a interleucina 7 permitindo a ligação entre ambas.

Quando a interleucina 7 se liga ao receptor na superfície exterior da célula T, ocorre uma alteração da forma do receptor que se estende à parte da proteína que contata com o interior da célula. Esta alteração de forma despoleta, por seu lado, uma cascata de reacções essenciais ao correcto desenvolvimento, multiplicação e funcionamento das células T.

João T. Barata

João Taborda Barata doutorou-se em 2003 em Ciências Biomédicas pela Universidade do Porto, com um trabalho realizado na Harvard Medical School, nos EUA. Fez pós doutoramento no IMM, em Lisboa, no Institut Pasteur em França e no Utrecht University Medical Center na Holanda. Dirige, desde 2006 d, a Unidade de Biologia do Cancro no Instituto de Medicina Molecular.

A sua equipa, atualmente composta por nove investigadores, tem como objetivo compreender o papel de fatores ambientais e de lesões moleculares no estabelecimento e desenvolvimento de tumores. O objetivo último é o de permitir a identificação de novos alvos terapêuticos contra o cancro.