As ictioses são um grupo heterogéneo de doenças cutâneas hereditárias que se manifestam por secura - xerose - de toda ou quase toda a superfície corporal que se encontra coberta por películas de pele “morta” (escamas) de dimensões, espessura e forma variáveis. O termo ictiose deriva da palavra grega Ichthys que significa peixe, por analogia às escamas que recobrem a pele destes doentes.
São causadas por alterações de proteínas fundamentais no processo de formação da camada mais superficial da pele, a camada córnea, que é a principal barreira entro o organismo e o meio ambiente, protegendo-nos contra a perda de água e de calor. 
As manifestações clínicas devem-se não só à carência ou mau funcionamento da proteína alterada pela mutação genética mas também à tentativa da pele “reparar” essa deficiência. Para tentar repor a função de barreira, a pele pode responder com inflamação (vermelhidão), aumento da descamação e/ou da espessura e maturação anormal.
Este grupo de doenças genéticas pode ser transmitido de diferentes formas. Quando a transmissão é autossómica dominante, um progenitor é saudável e o outro manifesta a ictiose. Nestes casos, a probabilidade de cada filho do casal ter a doença é de 50%. 
Nas formas autossómicas recessivas, ambos os progenitores são portadores de um gene doente mas não manifestam a doença (são portadores assintomáticos). São em regra situações mais raras, em que a probabilidade de os filhos terem a doença é de 25% (quando herdam um gene doente da mãe e outro também doente do pai). A probabilidade aumenta quando a criança nasce de pais com laços de consanguinidade. 
Finalmente, na ictiose ligada ao cromossoma x, a doença só se manifesta nos indivíduos de sexo masculino. A mutação ocorre no cromossoma x. Como as mulheres têm 2 cromossomas x, o cromossoma saudável “compensa” o outro cromossoma alterado e a doença não se manifesta. Se o filho de sexo masculino (XY) herdar o cromossoma doente da mãe, a doença manifesta-se já que o indivíduo não tem outro cromossoma x. Em conclusão, neste tipo de ictiose apenas elementos masculinos da família são afectados (as progenitoras são portadoras).
A ictiose pode limitar-se à pele ou ser uma das manifestações de doença noutros órgãos (ictiose não sindrómica vs ictiose sindrómica).
Durante muitos anos, a classificação e nomenclatura das ictioses foi heterogénea, variando entre países e entre hospitais. Uma determinada ictiose poderia ter várias designações, o que tornava difícil a partilha de conhecimento entre médicos e cientistas e dificultava o acesso à informação por parte dos doentes e famílias. Com o conhecimento crescente sobre a causa genética dos diferentes tipos e respetiva correlação com as manifestações clínicas, foi recentemente (2009) elaborada uma classificação de consenso.

De acordo com a classificação recente, as ictioses classificam-se de 2 formas:
1. Hereditárias ou Adquiridas (algumas ictoses não são herdadas mas adquiridas durante a vida por diferentes causas como doenças infecciosas, auto-imunes, neoplásicas, metabólicas…);
2. Sindrómicas ou Não Sindrómicas.
As formas Não Sindrómicas (ou seja, aquelas que se manifestam apenas na pele) são ainda subclassificadas em 4 grandes subgrupos:
a. Ictioses comuns (as mais frequentes): Ictiose Vulgar eIctiose ligada ao x recessiva.
b. Ictioses congénitas autossómicas recessivas (formas mais graves, que se manifestam ao nascimento): Ictiose lamelar, Eritrodermia ictiosiforme congénita, Ictiose Harlequim, Self-healing collodion baby, Ictiose bathing suit.
c. Ictioses queratinopáticas (anteriormente designadas ictioses bolhosas): Ictiose epidermolítica, Ictiose epidermolítica superficial e Ictiose Curth-Macklin.
d. Outras: Queratodermia loricrina, Eritroqueratodermia variável e Peeling skin syndrome.

As ictioses congénitas autossómicas recessivas podem manifestar-se, ao nascimento, como bebé colódio. Só ao fim de 2 a 3 semanas, quando a membrana colónia se começa a destacar, é que começam a surgir as manifestações da ictiose subjacente. 
Bebé Colódio
Ao nascimento, o bebé está completamente coberto por uma membrana grossa, lisa e brilhante, transparente, semelhante a película aderente. A rigidez da membrana colódia condiciona frequentemente ectropion (everesão das pálpebras) e eclabion (eversão dos lábios), achatamento das cartilagens nasal e auricular, dificuldade de sucção e restrição dos movimentos respiratórios. Nas áreas de flexão desenvolvem-se fissuras profundas e, por vezes, erosões. 
A partir da 2ª semana de vida, este revestimento vai-se destacando, dando lugar a uma pele com eritema generalizado, coberta de escamas de espessura variável. Este síndrome é comum a vários tipos de ictioses congénitas. No período neonatal há risco de complicações que podem ser fatais: infeção generalizada (sépsis), desidratação hipernatrémica grave, insuficiência respiratória, desnutrição por perda proteica através da pele.
Descrevem-se de seguida algumas ictioses não sindrómicas:
Ictiose vulgar
É a forma menos grave e mais frequente (prevalência 1/250-1000 habitantes). Não está presente ao nascimento, começando a manifestar-se nos primeiros meses/anos de vida. Pode estar associada às doenças atópicas (eczema, asma). Caracteriza-se pela presença de escamas superficiais, pequenas, esbranquiçadas, predominantes nos membros, e por acentuação das linhas palmo-plantares.
Ictiose ligada ao x recessiva
É a segunda mais frequente (prevalência: 1/2000-6000 habitantes). Atinge apenas os indivíduos do sexo masculino. Manifesta-se ao nascimento ou ao longo dos primeiros anos de vida. Caracteriza-se pela presença de escamas maiores, castanhas ou cinzentas, predominantes nos membros, e que poupam áreas de flexão. Não atinge a face.

Ictiose lamelar
Estima-se a incidência em 1 afectado por cada 200 000 a 300 000 recém-nascidos. 
Ao nascimento manifesta-se como bebé colódio. Evolui depois para o quadro clínico clássico, em que se observam escamas generalizadas, grandes, acastanhadas, aderentes no centro e com bordos elevados, distribuídas num padrão em mosaico, mais exuberantes nas áreas de flexão (pescoço, axilas, sangradouros, virilhas) e separadas por fissuras periféricas. 
A pele da face è rígida e espessa, com acumulação de escamas na região superior e predomínio de eritema nas áreas genianas. O ectropion e a incapacidade de encerrar as pálpebras completamente acarretam conjuntivites e queratites de repetição. Os pavilhões auriculares são pequenos e deformados e há acumulação de escamas no canal auditivo externo, com otites de repetição e diminuição da acuidade auditiva.
Nas mãos e pés observa-se distrofia das unhas e espessamento e rigidez da pele, com diminuição variável da flexibilidade dos dedos. A hiperqueratose é difusa e acompanhada por fissuras dolorosas. A alopécia cicatricial (perda de cabelo) e a madarose (ausência de pestanas) são característicos. Em regra os doentes têm incapacidade/dificuldade em suar, devido à constrição pela pele dos canais excretores de suor. Assim, exibem importante intolerância ao calor, que em alguns casos pode culminar em choque.
Eritrodermia ictiosiforme congénita 
Representa o outro extremo do espectro das ictioses congénitas autossómicas recessivas. Estima-se a incidência em 1 recém-nascido por cada 1800 000 nascimentos. 
Caracteriza-se por pele vermelha generalizada (eritrodermia), coberta por escamas brancas, finas e pequenas. Embora grave no período neonatal, tem geralmente melhor prognóstico que a ictiose lamelar. A gravidade é variável de indivíduo para indivíduo, de formas ligeiras a muito graves, e também se podem observar ectropion, hipohidrose, alopécia cicatricial e queratodermia palmo-plantar. O aumento das necessidades metabólicas por perda de calor e proteínas pela pele pode conduzir a atraso de crescimento. 
Ictiose Arlequim
É mais rara que as formas anteriores (incidência inferior a 1 por cada 300 000 nascimentos). Habitualmente a gravidez termina antes do termo, observando-se ao nascimento espessamento acentuado da epiderme (hiperqueratose difusa), que se comporta como uma armadura espessa e rígida, separado por fissuras profundas, eversão das pálpebras (ectropion), eversão dos lábios (eclabion)  e fixação das articulações. É fatal nos primeiros dias de vida na maior parte dos casos.
Ictiose Epidermolítica (Ictiose Bolhosa)
É uma forma rara (incidência de 1 por cada 200 a 300 000 nascimentos), de transmissão autossómica dominante, provocada por uma fragilidade de coesão da epiderme mas também por aumento da sua espessura (hiperqueratose).
Caracteriza-se, no período neonatal por eritema generalizado, bolhas e erosões dispersas (induzidas pela fricção ou que surgem espontaneamente), muito dolorosas, e áreas de espessamento ou hiperqueratose da pele. Nesta fase as complicações mais graves são a sépsis e as alterações hidro-electrolíticas, que podem ser fatais. 
À medida que a criança vai crescendo, diminui a tendência para a formação de bolhas, prevalecendo as áreas de hiperqueratose mais ou menos extensas, que se vão tornando mais escuras (castanhas) e rugosas, predominando nas áreas de flexão. A dor e cicatrização das erosões conduz a alterações da postura e marcha, contracturas e dificuldade na realização de alguns movimentos finos. 
As unhas são distróficas na maior parte dos casos. Em alguns subtipos ocorre espessamento proeminente da pele das palmas e plantas comprometendo a marcha. A infeção bacteriana secundária das pregas corporais, frequentemente maceradas, tem um cheiro fétido característico. Esta complicação frequente, associada ao aspeto castanho e verrucoso, conduzem a compromisso social e psicológico importante. Nos primeiros anos de vida, a abordagem terapêutica deve assemelhar-se à da Epidermólise Bolhosa.
As ictioses sindrómicas
Nestas entidades as alterações genéticas têm impacto não só na pele mas em diferentes órgãos e sistemas, acarretando outras manifestações, nomeadamente neurológicas, otorrinolaringológicas, oftalmológicas e musculoesqueléticas. 
Por Carolina Gouveia, Médica Dermatologista, responsável pela consulta de Genodermatoses do Hospital de Santa Maria, Centro Hospitalar Lisboa Norte EPE, e consulta de Dermatologia Pediátrica Hospital CUF Descobertas.