Na sequência da recente estreia do filme "O Discurso do Rei", o grande vendedor dos Óscares e que culmina com o discurso do rei George VI, que sofria de gaguez, no início da II Guerra Mundial, não poderia deixar de abordar este tema.

Todos nós temos alturas em que não conseguimos ser fluentes a dizer o que pretendemos, em que nos "engasgamos", em que não encontramos a palavra certa para continuar o raciocínio, sobretudo alturas em que estamos cansados, sob pressão ou quando temos que falar em público…

Para nós, as disfluências surgem como forma de ganhar tempo para formular a nossa mensagem, enquanto que o indivíduo com gaguez sabe o que quer dizer e manifesta disfluências não intencionais. Se pensarmos que a comunicação é a base das relações sociais, o impacto desta patologia na vida de um indivíduo pode ser tão grande que acabe por tornar-se mesmo incapacitante.

Já imaginou como se sentiria se fosse a uma entrevista de emprego (já por si uma situação de stress) e não conseguisse, na recepção, dizer o seu nome? Ou se fosse a um café, quisesse um café mas, por se sentir inseguro com essa palavra e para evitar gaguejar, pedisse leite? E se estivesse perdido e não conseguisse pedir indicações?

Estas pequenas situações têm um enorme impacto na qualidade de vida do indivíduo com gaguez e tornam muitíssimo importante a procura de ajuda.

Gaguejar caracteriza-se por uma diminuição na velocidade do discurso, maior esforço físico e mental no acto de falar e interrupções da transmissão da mensagem. É frequente a repetição de partes da palavra (ex.: pa-pa-pato) ou bloqueios, sobretudo quando as palavras começam pelas fonemas p,t,k,b,d,g, prolongamento de sons, sobretudo no "s" e no "ch" (ex.: ssssaia).

Pode ser visível tensão e esforço no acto de fala. Estas características podem levar, por parte do indivíduo com gaguez, a comportamentos de evitamento (pausas fingindo pensar, substituição de palavras que consideram difíceis, mecanismos de arranque…), emoções negativas, como o medo, e mesmo alterações relacionadas com a resposta do sistema nervoso simpático ao medo e agressão, como por exemplo parar a respiração, aumento da frequência cardíaca, pressão sanguínea, sudação ou piscar de olhos.

Muitas vezes, utiliza-se a metáfora do "iceberg" para tentar explicar o que ocorre na gaguez: na maior parte dos casos a parte visível é muito pequena e é preciso explorar todos os sentimentos negativos subjacentes à gaguez, como sejam a tensão e o medo do insucesso.

Entre os 3 e os 5 anos, cerca de 4 a 5 por cento das crianças gagueja, mas apenas 1 por cento dos casos se mantém. Nesta fase, a gaguez surge como resposta ao desenvolvimento linguístico e facilmente perdura se a criança encontrar modelos com gaguez ou com um discurso acelerado, se as suas disfluências forem valorizadas e rotuladas.

Com o avanço das técnicas de neuroimagem, é hoje possível investigar a gaguez mais cuidadosamente, apesar de se tornar difícil distinguir o que está na origem do distúrbio e o que resulta das compensações criadas pelo indivíduo ao longo dos anos.

É bastante consensual o reconhecimento da existência de áreas hiperactivadas no hemisfério direito (relacionadas com as funções motoras) e um atraso da circulação da informação e na chegada a um local específico do hemisfério esquerdo.

Tendo em conta esta premissa, existe um software, o Speech Easy que permite ouvir a voz pré-gravada com atraso, activando assim a matriz do processamento normal e evitando a gaguez, é um software que pode ser utilizado na intervenção.

Similarmente, o mascaramento auditivo e a fala simultânea podem evitar a ocorrência de gaguez e ser um bom ponto de partida, demonstrando ao indivíduo que é capaz de produzir discurso sem gaguejar. Sabe-se também que a gaguez não afecta o canto, o que está relacionado com a activação de zonas cerebrais distintas, nomeadamente do hemisfério direito, mais relacionado com as habilidades artísticas.

Estuda-se ainda a hipótese de as alterações de activação cerebral estarem relacionadas com um excesso de dopamina, um neurotransmissor responsável pela automatização de muitas funções, inclusive do controlo motor.

Já foram desenvolvidos estudos com fármacos que, possivelmente, poderiam ajudar a controlar melhor a gaguez, mas ainda não há um fármaco cujos efeitos benéficos superem os efeitos secundários e que possa ser utilizado nestes casos.

Ora, se não há nenhum comprimido, então como poderemos "tratar" a gaguez? Se estivermos a falar de uma criança, então, recorrendo à plasticidade cerebral, o tratamento poderá ainda ser possível, mas, na maior parte dos casos, sou de opinião que a gaguez pode ser considerada como uma doença crónica, o que é preciso é aprender a controlá-la.

Assim, esse apoio para ultrapassar a gaguez deve ser procurado junto de um terapeuta da fala e, nalguns casos, com a ajuda de um psicólogo, sobretudo no sentido de explorar técnicas de controlo da ansiedade e de relaxamento. Há muitas abordagens diferentes à gaguez, a partir deste ponto foco-me na metodologia que defendo e utilizo na minha prática clínica.

Em primeiro lugar, creio que é fundamental avaliar o impacto da gaguez no dia-a-dia do indivíduo, para isso temos que saber: o que acha da sua gaguez? qual a sua profissão? quando e como ocorre a gaguez? o que diminui a gaguez? o que a aumenta?

Partindo da análise do quadro de gaguez, a minha intervenção segue o modelo CALMS (HEALEY et al., 2004):

• Cognitivo: Consciencializar para a gaguez e para a fluência e melhorar os pensamentos e percepções acerca da sua gaguez.

• Afectivo: Adoptar sentimentos, emoções e atitudes positivas face à gaguez, melhorando a auto-estima.

• Linguístico: Melhorar o controlo do discurso em situações que exijam menor e maior controlo, colocando o paciente em situações distintas e aumentando a exigência sempre que alcança novo sucesso.

• Motor: Incentivar ao uso de estratégias de modificação de fala – os 3 D'S (SHAPIRO, 1999): discutir a forma como é produzida fluência, demonstrar o que acontece na fluência e na gaguez e praticar actividades que promovam a fluência. Neste campo podem ser utilizadas técnicas como começos prolongados, paragens, menor velocidade para melhor controlo dos movimentos.

• Social: Tentar estabelecer situações de interacções positivas, reduzindo o impacto dos factores causadores de disfluência.
No fundo, o importante é que o indivíduo com gaguez consiga tornar-se mais fluente, controlando a sua gaguez e encarando-a de frente.

A terapia da fala centra-se, essencialmente, na procura da identificação do que acontece quando gagueja, na aprendizagem de estratégias para relaxamento, controlo de respiração e modificação do padrão de fala, ou seja, alterar voluntariamente a sua gaguez. Esta aprendizagem deve ser levada a cabo em diversas situações (leitura, monólogo, em conversação) que depois deverão ser praticadas pelo indivíduo sozinho, com alguém de confiança e, finalmente, no seu dia-a-dia.

                                                                                                                            Dra. Rita Costa, terapeuta da fala