Uma traqueia em março, um pulmão em Julho e fígados em Junho e Novembro.

2010 foi um ano pródigo no fabrico de órgãos em laboratório, o que revela que as universidades e os hospitais estão a apostar nesta tecnologia, vista como uma esperança para acabar com as longas listas de espera de transplantes de órgãos.

Para sabermos mais sobre este tema, estivemos à conversa com Pedro Baptista, investigador português, que liderou a equipa do Laboratório de Medicina Regenerativa da Universidade de Wake Forest que criou o primeiro fígado humano.

A execução

Pedro Baptista está a trabalhar neste projecto há cerca de sete anos, sendo que «o fígado humano demorou cerca de dois anos a desenvolver». O processo começou, como explica, «pela necessidade de desenvolver um biomaterial que possuísse uma rede vascular que pudesse ser mais eficaz para a criação de órgãos sólidos tridimensionais, nomeadamente o fígado». Esta situação originou a percepção de como obter «o esqueleto do fígado a partir de fígados de cadáveres».

O primeiro fígado humano em laboratório foi obtido através da injecção de «um detergente (como o do sabonete ou champô) nas veias do fígado que removeu todas as células aí existentes, deixando apenas a matriz extracelular», refere Pedro Baptista.

Métodos diferentes

A grande diferença deste método, comparando-o com o usado por Harald Oto do Hospital Geral de Massachusetts, um dos pioneiros nesta área e que já criou, um coração e pulmões, está no uso de células progenitoras/estaminais primárias humanas.

«Oto usou células animais no coração e linhas celulares de tumores humanos no pulmão. Nenhuma destas soluções permite a translação da tecnologia para a clínica humana ou como plataforma de testes para o desenvolvimento de medicamentos, enquanto no nosso caso esses passos estão já a ser dados», realça o investigador português.

A outra diferença reside no uso de um detergente menos agressivo para retirar as células dos órgãos.

Outros órgãos

Actualmente, Pedro Baptista e os seus colaboradores estão também a trabalhar noutros órgãos (pâncreas e fígado), usando o mesmo método de criação, ou seja, a partir de órgãos recolhidos de cadáveres animais ou humanos e usando o mesmo detergente. Quando questionado sobre quando poderão ser feitos os primeiros transplantes de fígados elaborados em laboratório, o investigador afirma que é difícil prever, «talvez entre cinco a dez anos, mas há que ter alguma cautela para não induzir falsas esperanças». No entanto, Pedro Baptista acredita que o futuro passa por aqui.

«A medicina regenerativa está a abrir novas possibilidades em todos estes campos. Seja pela introdução de terapias com células estaminais, ou pelas novas possibilidades de bioengenharia de órgãos, penso que no futuro conseguiremos mitigar a morbilidade e mortalidade dos doentes nas listas de espera para transplantes de órgãos. É esse o nosso grande objectivo», remata.

Sabia que, os órgãos criados em laboratório têm mais probabilidade de serem compatíveis que os doados. «Fazendo uma biópsia ao doente quenecessita do fígado, é possível isolar as células estaminais deste, que podem depois ser expandidas em laboratório e usadas para semear um novo fígado totalmente compatível com o doente», explica Pedro Baptista.

Texto: Rita Caetano com Pedro Baptista (investigador)