O que é a enurese noturna?

Entende-se por enurese a perda involuntária de urina durante o sono de uma criança com 5 ou mais anos de idade.

Quando não se verificam outras perturbações urinárias durante o dia, consideramos que se trata de enurese noturna monossintomática e quando existem, a situação passa a designar-se de enurese noturna polissintomática.

A enurese também se classifica de primária se a criança nunca adquiriu o controlo de urina durante a noite, ou secundária quando se verificou um período de pelo menos 6 meses de continência.

A prevalência de enurese primária varia com a idade, sendo mais frequente nos rapazes, verificando-se em cerca de 9% dos rapazes com 7 anos de idade e em cerca de 6% das raparigas da mesma idade, sendo essas percentagens de 7% e 3% respectivamente, aos 10 anos.

Na história familiar de crianças com enurese encontram-se com frequência elevada, situações de enurese na infância de familiares diretos.

A probabilidade de um casal em que apenas um dos membros foi enurético de ter um filho com enurese é de cerca de 40%, sendo de cerca de 70% quando em ambos ocorreu o mesmo problema.

Alguns investigadores identificaram genes que parecem ser responsáveis pelos mecanismos implicados na enurese noturna, como dificuldade em acordar por ter sono profundo, aumento de produção de urina durante a noite ou capacidade vesical reduzida.

É fundamental ter sempre presente que a criança nunca deve ser culpabilizada por ter enurese noturna, dado que a perda de urina ocorre sem que esta possa ter um controlo voluntário e consciente da situação.

Qual a importância da enurese na vida da criança e da família?

A enurese deve merecer atenção, avaliação cuidadosa e tratamento, dado que pode provocar efeitos negativos significativos na vida da criança afetada e da sua família.

É importante referir que quando se fazem estudos com inquéritos sobre a forma como adultos viveram a sua própria enurese durante a infância, a maioria refere ter sido uma experiencia traumática e com repercussões importantes nas suas vidas.

As crianças com enurese desenvolvem com frequência sentimentos de vergonha e ansiedade, baixa autoestima, dificuldades de socialização, perda de qualidade de vida e de rendimento escolar e sofrem maior risco de abuso físico e emocional.

Nos pais encontram-se problemas de perturbações do sono, ansiedade, agressividade, aumento da tensão emocional, frustração e stress familiar.

O que fazer perante uma situação de enurese noturna numa criança?

Os pais devem recorrer ao médico assistente da criança que avaliará e acompanhará a situação, decidindo se necessário, o envio a uma consulta especializada.

Da avaliação clinica consta a análise detalhada de diversos aspetos da vida diária da criança, nomeadamente da ingestão de líquidos, dos hábitos urinários e de funcionamento intestinal durante o dia, das características e qualidade do sono, da existência de ressonar significativo e da frequência e características das perdas de urina.

É importante que esse registo se faça por escrito, constituindo um importante instrumento de trabalho para o médico.

Os hábitos de ingestão de líquidos têm particular importância, verificando-se que muitas destas crianças bebem mais ao final da tarde e início da noite, o que favorece maior produção de urina durante a noite. As bebidas açucaradas e com cafeína agravam também a enurese.

É importante tratar as situações de obstipação, que agravam a situação de enurese, assim como a hipertrofia de adenoides e ou amígdalas.

Deve ser feita a avaliação do impacto emocional da enurese na família e na criança, e por outro lado identificadas situações que possam ser responsáveis pela perturbação do equilíbrio emocional e psicológico da criança, como o nascimento de um irmão, divórcio ou separação dos pais, morte de um familiar, ser vítima de abuso, ou sofrer dificuldades de inserção na escola.

Exames complementares de diagnóstico

Na maior parte dos casos deve ser feita uma análise de urina, podendo ser necessário fazer também ecografia renal e vesical, com registo pós-miccional.

Existem situações mais complexas nas quais poderá ser necessário recorrer a outros exames de diagnóstico.

Tratamento

O tratamento exige uma boa relação entre o médico e a criança e a sua família. Para alem do aconselhamento sobre mudanças a efetuar em aspetos práticos da vida da criança, é possível, de acordo com as características de cada caso, seguir um tratamento com medicamentos, como a desmopressina, que reduz a quantidade de urina produzida durante a noite e ou anticolinérgicos, que regulam o funcionamento do esfíncter vesical.

Em muitos casos, associado ou não a medicamentos, é possível obter o controlo da urina com a utilização de um dispositivo eletrónico tipo alarme que deteta a presença de perdas de urina e promove o desenvolvimento dos mecanismos que levam a criança a conseguir ser capaz de acordar com o estimulo da bexiga cheia.

Em tempo de férias, quais são as implicações práticas da enurese na vida da criança e da família e quais as estratégias particulares a adotar?

Durante as férias, as oportunidades da criança poder ficar a dormir em ambientes diferentes do seu quarto familiar, aumentam consideravelmente.

Ao receber um convite para ficar em casa de um amigo ou familiar, a criança e os seus pais são confrontados com a possibilidade de que o facto de a criança molhar a cama de noite, que muitas vezes é cuidadosamente mantido em segredo, passe a ser do conhecimento e provavelmente motivo de comentários desagradáveis por parte de outros.

Com frequência é a própria criança que recusa esses convites para evitar uma situação embaraçosa.

Caso não tenha havido tempo ou oportunidade de receber orientações médicas com tratamento adequado, é importante assegurar que a criança se sinta segura e receba um ambiente compreensivo por parte de quem a convida.

Deve haver o cuidado de restringir o consumo de água depois da hora de jantar, devendo beber bastante água de manhã e até meio da tarde, evitando sumos e refrigerantes açucarados. Discretamente devem ser tomados cuidados de proteção da cama, com a colocação de bons resguardos. Pode, em determinadas circunstâncias e a título excecional, estar indicado acordar a criança durante a noite para ir urinar.

Embora aconteça que, em ambientes estranhos e no verão, se verifica em muitos casos um melhor controlo da urina durante a noite, isso não é suficiente para garantir que a criança não vai molhar a cama.

Os cuidados a ter em acampamentos, colónias de férias, etc., são semelhantes, devendo a família falar previamente com o professor ou monitor responsável pela criança, para serem combinadas estratégias adequadas.

Embora o ideal seja que a situação seja orientada e tratada o melhor possível antes das férias, é sempre bom falar com as pessoas que vão receber a criança, no sentido quer de minorar os efeitos da enurese, quer de preparar condições para que, caso a perda de urina seja descoberta pelas outras crianças, se evitem comentários depreciativos.

Deve ser aproveitada a oportunidade, para, de acordo com a idade das crianças, explicar aos outros que a perda da urina foi involuntária e devida ao facto do sistema de controlo urinário ainda não estar a funcionar de forma eficaz, o que acontece a muitos rapazes e raparigas e portanto não deve ser motivo de vergonha.

Dentro da própria família, a situação deve ser falada e preparada antes da partida para férias. Acontece com frequência que o pai e a mãe têm uma vida ocupada durante o ano de trabalho e não conseguem encontrar disponibilidade para falar entre si sobre a enurese do filho ou filha, chegando ao período de férias sem saber o que fazer. Também acontece por vezes que existem várias posições e diferentes formas de pensar sobre a enurese entre os membros da família, podendo no período de férias surgirem ou agravarem-se conflitos e divergências na forma de atuar, o que vai perturbar ainda mais a criança.

Desta forma, como afinal sucede em todos os aspetos relacionados com a saúde física e mental das crianças, o importante é valorizar devidamente os seus problemas e procurar, a tempo e com ajuda médica, atuar de forma adequada a tratar e a prevenir as complicações de situações como a da enurese noturna de forma a evitar o aparecimento de sequelas por vezes muito dolorosas e com grande impacto na vida da criança.

Por Jorge Marcelino, Médico Pediatra do Hospital da Luz