O número de novos casos de SIDA está a diminuir ligeiramente em Portugal. Em 2013, registaram-se menos 200 novos casos mas, ainda assim, o país continua a ser o terceiro da Europa com maior taxa de novos infetados.   

Três reputados especialistas em infeção por VIH
(Vírus da Imunodeficiência Humana) estiveram em Portugal, mais concretamente na Culturgest, em Lisboa.

Foi lá que a comunidade médica se reuniu para as IX Jornadas
de Actualização em Doenças Infecciosas, promovidas pelo Hospital Curry
Cabral. Em comum, estes especialistas têm, além da nacionalidade
norte-americana, a formação médica e o facto de se dividirem
profissionalmente entre a prática clínica, a investigação científica e o
ensino.

São, também, membros do painel de recomendações terapêuticas do Departament of Health and Human Services, o Ministério da Saúde dos Estados Unidos da América. Depois de assistirmos às suas apresentações, promovemos a nossa própria mesa redonda. Uma conversa em exclusivo para a revista Prevenir.

Em 2013, no caso do bebé norte-americano infetado com o VIH ao qual foram administrados medicamentos antirretrovirais 30 horas após o nascimento, falou-se em cura funcional. Do que se trata?

Eric Daar: Significa que o vírus, embora não seja detetável no sangue, está presente no organismo mas, de alguma forma, está controlado, possivelmente através da resposta imunitária. Por oposição, na cura esterilizante o vírus não está, de todo, presente no organismo. É importante que fique claro que a cura desta doença não está, de forma alguma, próxima. É muito, muito cedo e casos como o do bebé norte-americano são raros. Representam oportunidades científicas interessantes para percebermos o que poderá ser necessário.

Qual é o principal obstáculo a ultrapassar para se chegar à cura?

Eric Daar: A evidência de que as células que transportam organismos infeciosos circulam no sangue. Enquanto aí  estiverem, é improvável conseguirmos curar alguém.

Como atua a medicação atual?

Paul Sax: A atual terapêutica antirretroviral previne, essencialmente, as células não infetadas de ficarem infetadas, mas não afeta, em absoluto, as já infetadas. A menos que elas desapareçam por si, o que até agora não aconteceu, precisaremos de conseguir lidar com isso para, eventualmente, alcançar uma cura funcional ou esterilizante. Em pessoas tratadas por longos períodos, o vírus regressa quando se interrompe a terapia.

O principal motivo, identificado há dez anos, foi a persistência de células CD4 a circularem no sangue em níveis reduzidos e que carregam o material genético do VIH. Estão adormecidas, à espera de uma oportunidade para serem estimuladas e começarem a produzir ativamente o vírus. Se isso acontecer e não houver antivirais em circulação, irão infetar outras células e reacender a infeção.

É importante o tratamento ser iniciado precocemente?

Paul Sax: Sim, tem-se tornado aparente que, quando identificamos pessoas
muito cedo após terem contraído a infeção pelo VIH e elas são tratadas,
isso não só reduz o risco de transmissão como, provavelmente, tem
benefícios individuais.

Em estudos com pessoas que começaram a ser
tratadas mais cedo, o melhor marcador da sua função imunitária, a
contagem de células CD4, mantém-se no nível mais elevado. O tratamento
da infeção aguda também faz diminuir a dimensão do reservatório viral e
preserva funções imunitárias especiais que permitem controlar o vírus.

Roy Gulick: E, se a pessoa tiver sintomas, o tratamento irá reduzi-los.

O que pode ser feito para tornar o diagnóstico mais eficaz?

Paul Sax: Além da melhoria das técnicas usadas, é uma questão de formação
dos prestadores de cuidados. Há estudos que evidenciam que as pessoas
com infeção aguda do VIH procuram assistência médica e, quase sempre, só
quando regressam e dizem «Ainda estou doente» se chega ao diagnóstico.

Por que é que isso acontece?

Paul Sax: Porque as manifestações clínicas são muito variadas. Por
exemplo, doenças infecciosas como a mononucleose [caracterizada por
sintomas como febre, problemas dos gânglios e faringite] são comuns em
jovens sexualmente ativos. Mas, por vezes, há fatores que podem fazer
suspeitar que é algo diferente, como a ocorrência de uma erupção
cutânea, de sintomas neurológicos como dor de cabeça ou torcicolo. Se a
síndrome da mononucleose surge em alguém com 30, 40 ou 50 anos,
especialmente com risco de VIH, o médico tem de considerar esse
diagnóstico.

Quais são os desafios no campo da medicação?

Roy Gulick: Os medicamentos que temos são potentes (uma pessoa sem outras
doenças pode ter a mesma esperança de vida de alguém não infetado),
muito convenientes (um comprimido por dia) e têm poucos efeitos
secundários. É um patamar difícil de superar, mas precisamos de fármacos
ainda mais potentes e convenientes, de reduzir os efeitos secundários e
de conseguir tratar o vírus quando desenvolve resistência à medicação.

Eric Daar: E os antirretrovirais não conseguem reduzir o estigma. Em alguns
pacientes é forte ao ponto de, potencialmente, preferirem intervenções
tóxicas, como um transplante de medula óssea, a tomar um comprimido por
dia, com relativamente poucos efeitos secundários, porque a ideia de
cura é emocionalmente muito apelativa.

Como pode o estigma ser reduzido?

Paul Sax: Tratando esta doença como qualquer outra. Sendo transmitida por
via sexual, que é a base da existência da espécie, devia ser vista como
algo com que temos de lidar.

Roy Gulick: O desafio, tal como um paciente mo apresentou, é que não há
outra infeção que nos possa fazer perder a família, a casa e o emprego. E
o facto de isso ser ilegal na maior parte dos sítios não o resolve.
Mas, à medida que o tempo passa e vemos pessoas com VIH a viverem vidas
saudáveis e produtivas, espero que isso mude.

Eric Daar: Infelizmente, terão sempre de lidar com o estigma nas relações
íntimas, já que encorajamos a transparência, mas fora desse âmbito
ninguém tem de saber que têm VIH.

Como evitar a doença

Numa era em que a infeção pelo VIH se tornou uma doença crónica, qual é a importância da prevenção?

Roy Gulick: É fulcral. Há mais de 10 milhões de pessoas a fazer terapia
antirretroviral em todo o mundo, mas mais de 30 milhões estão infetadas e
surgem novos casos todos os anos.

Provavelmente, o método preventivo
mais eficaz é tratar as pessoas infetadas para reduzir o risco de
transmitirem o vírus. Essa é, pelo menos, uma crença comum.

Mas há outras estratégias como a profilaxia pré-exposição, em que se dá medicação a pessoas VIH negativas, a
circuncisão de homens heterossexuais (sobretudo em África), tratar
mulheres grávidas para reduzir o risco de transmitirem a infeção ao
bebé, entre outras.

Qual o lugar de medidas tradicionais como o uso de preservativo?

Roy Gulick: Tivemos muito boas estratégias de prevenção durante décadas, como é o caso da a
abstenção, de se ser fiel e de usar preservativo. Embora não funcionem para toda a
gente ao longo do tempo, daí serem necessárias outras, sabemos, com
certeza, que já salvaram muitas pessoas.

Que mensagem gostariam de transmitir aos leitores da revista Prevenir?

Roy Gulick: Têm de saber se estão ou não infetados, é muito importante. Se
descobrirem que são VIH positivos, procurem assistência médica e
comecem o tratamento para se ajudarem a si próprias e reduzirem o risco
de passar a infeção. Se fizeram o teste e deu negativo, mantenham-se
negativos. Usem preservativo, sejam fieis ou experimentem as novas
estratégias que começam a ficar disponíveis.

Paul Sax: O VIH já não é uma sentença de morte. Recentemente atendi um
paciente diagnosticado há pouco tempo e a minha tarefa foi dizer-lhe «Você não vai morrer de SIDA se tomar estes medicamentos».

Eric Daar: Penso que o maior medo é o de que irão morrer ou sofrer efeitos
secundários terríveis e de que os fármacos são difíceis de tomar. E
nenhuma dessas coisas é verdade! Terão uma vida longa, normal e
saudável, com efeitos secundários mínimos.

Transmissão do VIH

Há práticas sexuais com maior risco?

Todas as práticas sexuais desprotegidas (sem preservativo) com uma
pessoa com VIH envolvem risco de contágio, mas ele é maior nas situações de:

- Sexo anal (face a sexo vaginal)
- Sexo anal recetivo (face a sexo anal inserido)
- Sexo anal ou vaginal (face a sexo oral)

Texto: Rita Miguel com Eric Daar (Harbor - UCLA Medical Center da Califórnia), Paul Sax (Brigham and Women's Hospital Harvard Medical School de Boston) e Roy Gulick (Weil Medical College of Cornell University de Nova Iorque)