A OMS declarou o «estado de emergência de saúde pública de âmbito internacional» devido ao surto de doença por vírus de ébola na África Ocidental.

A Prevenir falou com Jaime Nina médico especialista em infetologia e em medicina tropical, no Hospital Egas Moniz e professor no Instituto de Higiene e Medicina Tropical para saber se temos razões para estarmos preocupados.

A doença por vírus ébola é transmitida por contacto direto com sangue, secreções, órgãos ou outros fluidos corporais de pessoas ou animais infetados ou por contacto indireto com ambientes contaminados por estes fluidos.

O vírus multiplica-se nas células do fígado, do baço, dos pulmões e do tecido linfático e destroi as células endoteliais dos vasos  sanguíneos provocando, após um período de incubação que pode durar entre dois a 21 dias, febres hemorrágicas, entre outros sintomas. No caso dos homens, existe risco de transmissão, através do sémen, até sete semanas após recuperarem da doença.

Qual o risco de contágio do vírus na Europa?

O surto existe na África Ocidental, em zona de floresta tropical húmida (e de morcegos que constituem o reservatório primário desta zoonose). O vírus não migra, quem migra são os hospedeiros, nomeadamente os infetados (pessoas ou animais). Em relação aos últimos, a quarentena é suficiente (e não há morcegos reservatório do vírus ébola na Europa ou na América). Em relação a humanos infetados, é possível que uma pessoa viaje em período de incubação e a doença só se venha a manifestar noutro país.

Para evitar casos secundários contagiados a partir de um caso importado, existem medidas que podem e devem ser tomadas pelas autoridades de saúde, como as normas emitidas pela nossa Direção-Geral de Saúde. Ou seja, o risco de casos esporádicos importados é pequeno, mas não nulo. Pelo contrário, o risco de transmissão local na Europa (a partir de um caso importado) ou noutras zonas desenvolvidas é tão baixo que quase se pode dizer que é zero.

Fala-se de uma taxa de mortalidade de 90 por cento. Confirma-se?

Por definição, taxa de mortalidade é o número de mortes por 100 mil habitantes por ano. O denominador é a população geral. O mais correto é falar de taxa de letalidade, que se define como o número de mortes a dividir pelo número de casos e que, habitualmente, é apresentada em percentagem.

Na febre hemorrágica de ébola, a taxa de mortalidade seria de cerca de mil mortes, até agora contabilizadas, a dividir pelos cerca de 20 milhões de habitantes dos três países afetados (Guiné-Conacri, Libéria e Serra Leoa), ou seja, cerca de cinco por 100 mil habitantes. Quanto à taxa de letalidade, será as referidas cerca de mil mortes a dividir pelos cerca de dois mil casos referenciados, ou seja, cerca de 50 por cento. Os 90 por cento são um exagero enorme.

O que condiciona a probabilidade de sobrevivência?

As condições locais de tratamento, a idade e o estado de saúde prévio do doente, assim como a espécie e estirpe do vírus ébola. Nos surtos documentados, a taxa de sobrevivência (que por definição é igual a um menos a taxa de letalidade) temvariado entre menos de 10 porcento e mais de 60 por cento.

Os sobreviventes ficam com sequelas?

Os doentes que têm sobrevivido, após as duas ou três semanas de doença, têm uma convalescença de mais algumas semanas e, depois, voltam a estar como eram antes de adoecer.

São raras as sequelas. Ainda assim, surdez e orquite (inflamação do testículo) são as menos raras) e, tanto quanto se sabe, ficam com uma imunidade sólida contra nova infeção, com a mesma espécie de ebolavirus (conhecem-se cinco espécies).

Estas pessoas podem, depois, manipular doentes infetantes sem qualquer risco de ter pela segunda vez a doença. É exatamente por se constatar isso que há grandes esperanças na eficácia de uma possível vacina.

Como se confirma a presença do vírus no organismo?

Durante um surto, a base do diagnóstico é clínica/epidemiológica, nomeadamente doente com febre e manifestações hemorrágicas que tem história de contacto com um doente de ébola ou com os seus fluidos corporais. A confirmação laboratorial pode ser efetuada pela pesquisa de antigénio específico (o método preferido), anticorpos específicos ou por deteção do genoma do vírus. Finalmente, o golden standard é a cultura viral, mas exige laboratórios de alta segurança, de que só existe um número muito limitado no mundo.

Que tratamentos existem para o ébola?

Atualmente, não existe nenhum tratamento etiológico aprovado para a infeção por vírus ébola. Mas o tratamento de suporte é fundamental e é talvez a maior condicionante na taxa de sobrevivência. Assim, o manter o equilíbrio hidroeletrolítico, o suporte transfusional, com sangue total, com concentrado de plaquetas, com crioprecipitado, o suporte renal, em caso de falência renal, o suporte ventilatório, em caso de falência respiratória, a manutenção do balanço calórico...

Tudo isto é fundamental, ou seja, cuidados de enfermagem meticulosos ou mesmo suporte em unidade de cuidados intensivos, que é exatamente o que não existe em África.

Terapias contra o Ébola

- Seroterapia

«A única forma de terapêutica experimentada em humanos. A sua versão mais moderna, um cocktail de três anticorpos monoclonais, foi usada em dois doentes americanos no atual surto», refere o especialista.

- Nucleósidos

«Utilizados em doenças como herpes, HIV e hepatite C. Foi encontrado um nucleósido que, em macacos, foi bastante eficaz e seguro», explica Jaime Nina.

-RNAi

«Usa um sistema de imunidade genómica. Ensaios em macacos foram prometedores», sublinha o professor.

-RNA anti-sense

«Também baseada na imunidade genómica. A formulação antiebola só foi ensaiada em animais», afirma Jaime Nina.

- rNAPc2

«Não atua diretamente no vírus, mas no mecanismo fisiopatológico que provoca as hemorragias e a morte. Ensaios em primatas com febre de ébola deram resultados positivos, mas não espetaculares», refere ainda o especialista.

Sinais de alarme

Se teve contacto com pessoas ou ambientes afetados pelo ébola, vigie o seu estado de saúde durante 21 dias.

Se apresentar algum dos sintomas que se seguem, contacte a Linha Saúde 24, disponível através do número 808 24 24 24.

Estes são os sinais a ter em conta:

- Febre elevada de início súbito

- Mal-estar geral

- Dores musculares

- Dor de cabeça

- Dor de garganta

- Manchas na pele

- Dor abdominal

- Náuseas

- Vómitos

- Diarreia

- Dores no peito

- Hemorragias (não relacionadas com traumatismos)

Texto: Catarina Caldeira Baguinho