Longe vão os tempos em que as disfunções sexuais femininas, um assunto ainda tabu, se circunscreviam à frigidez ou à ninfomania. Hoje, sabe-se que a realidade é mais complexa, existindo novas classificações que ajudam a compreender o problema. A Sociedade Portuguesa de Andrologia, em conjunto com o Laboratório Pfizer, revelou num estudo com poucos anos que 56% de mulheres portuguesas apresenta ou apresentou algum tipo de disfunção sexual.

A mesma investigação refere que, entre estas, 35% tem desejo hipoativo ou aversão e 32% revela dificuldades em atingir o orgasmo. Este trabalho foi realizado através da análise de 1.250 mulheres entre os 18 e os 75 anos de idade. Mas, independentemente das estatísticas, segundo Vaz Santos, urologista, de há uns tempos para cá, começou a haver a necessidade de abordar as disfunções sexuais femininas e de deixar de se pensar, erradamente, que estas doenças afetam apenas os homens.

Estes dados são hoje contemplados pela modernidade de alguns trabalhos como, por exemplo, o de Basson, que em 2000 propôs um novo modelo de resposta sexual feminina circular, distinguindo o desejo sexual antecipatório, espontâneo ou endógeno do desejo propiciatório desencadeado pela estimulação sexual. Nesta nova visão, Lvine refere que 30% das mulheres não têm desejo sexual antecipatório.

Apesar de manterem uma interação sexual satisfatória quando estimuladas, essa situação significa, portanto, que não sofrem, uma vez que esses problemas não são disfuncionantes. Na origem das principais doenças e disfunções mais associadas às disfunções sexuais, podem estar desequilíbrios hormonais, nódulos, infeções nos órgãos genitais ou medicações que tenham como efeito colateral a diminuição do desejo sexual.

Disfunção sexual no feminino

Existem inúmeras causas para a disfunção sexual feminina que radicam «em problemas dos sistemas vascular, neurológico e endócrino. A idade tem também um papel preponderante já que existe um marco indelével que é a menopausa. No entanto, o envolvimento social, a estrutura familiar, os princípios religiosos, a experiência sexual prévia e a violência também têm o seu impacto», refere Vaz Santos.

Muitas mulheres têm mais de uma disfunção e mais de uma causa que contribuem para as suas queixas. «De um modo simplista, o homem, para iniciar a atividade sexual, tem um único interruptor. A mulher tem vários interruptores que se ligam em sequência especifica para cada mulher. O facto mais complexo é que a mulher não traz manual de instruções», ironiza Vaz Santos. Estas são as quatro principais disfunções sexuais femininas:

1. Disfunção do desejo

Caracteriza-se pela diminuição ou ausência total de fantasias e de desejo em ter relações sexuais. Pode ser hipoativo ou baseado na aversão sexual. Na sua origem podem estar três tipos de fatores, nomeadamente sociais (tabaco, álcool, stresse crónico, depressão e agressividade) e farmacológicos (consumo de determinados medicamentos, como o metronidazol, antiandrogénios, antiácidos, antidepressivos, antialdosterona e fertilizantes fenólicos).

A lista inclui ainda fatores biológicos (hipotiroidismo, hiprolactinemia, diabetes, disfunção do pavimento pélvico, incontinência e prolapso urogenital). Como se diagnostica? Antes de mais, através da história clínica e, especificamente, da anamnese sexual, revelando-se também da máxima importância o estudo hormonal, assim como o contexto psicossocial e cultural da mulher.

Por outro lado, a falta de interesse sexual e a incapacidade de sentir o desejo em qualquer momento durante o acto sexual serve de alerta. O tratamento passa por técnicas psiquiátricas e pela resolução da etiologia, quando identificada, assim como pela utilização de medicamentos com bremelanotide.

Veja na página seguinte: A disfunção da excitação e a disfunção do orgasmo

2. Disfunção da excitação

Caracteriza-se pela incapacidade persistente ou recorrente de adquirir ou manter a lubrificação vaginal durante o ato sexual. Pode estar também relacionada com três tipos de fatores, sobretudo biológicos (desde poblemas hormonais, neurológicos e vasculares a infeções urinárias e vaginites) e farmacológicos (consumo de psicotrópicos, anti-hipertensores, antiandrogénios e terapêuticas para o tratamento do cancro, como o tamoxifene e a quimioterapia).

Também tem fatores psicossociais associados, como é o caso da perda da libido, inibição sexual, ansiedade e medo, perda de intimidade e contexto. Esta disfunção diagnostica-se através da história clínica, perfil hormonal, estudo neurobiológico (estudo dos limiares da sensibilidade térmica e vibratória), bem como o estudo do reflexo do bulbo cavernoso e do potencial somestésico genito-cerebral (receção a nível do esfíncter anal e do couro cabeludo do estímulo realizado no clítoris).

Pode ainda ser realizado o estudo do índex da hiperémia reativa, do doppler do pavimento pélvico, do ph do transudado vaginal e a fotopletismografia. O tratamento tem por base o controlo da causa etiológica, quando identificada.

Pode recorrer-se ao uso de medicamentos como a tibolona, inibidores 5 fosfodiasterase (viagra e semelhantes) e lubrificantes especiais, para além das técnicas psicodinâmicas. No futuro, poder-se-á utilizar a flibanserina, uma substância antagonista da serotonina em fase final de desenvolvimento.

3. Disfunção do orgasmo

Define-se como a incapacidade de atingir o orgasmo de forma recorrente ou persistente após estímulo sexual suficiente e lubrificação adequada. Na sua origem podem estar três tipos de fatores, nomeadamente biológicos (designadamente problemas neurológicos, genéticos e endócrinos), farmacológicos (consumo de antidepressivos e norepinefrina, usada para o tratamento de doenças do sistema nervoso central), psíquicos (falta de confiança mútua, medo da separação e necessidade de ser amada).

Esta disfunção é diagnosticada através da história clínica com avaliação dos fatores acima mencionados e pela análise do perfil hormonal da doente. Não existe, no momento, nenhum agente farmacológico para o tratamento desta disfunção. No entanto, sabe-se que a hormona ocitocina é um facilitador neuroquímico, quando libertada centralmente pelo sistema nervoso central.

4. Disfunção sexual feminina por dor

Pode ficar a dever-se ao vaginismo (contração involuntária dos músculos da vagina, impedindo a penetração), à dispareunia (dor genital ou pélvica recorrente ou persistente na penetração, impedindo o prazer sexual) e outras perturbações dolorosas. Pode, à semelhança de algumas das outras, ser causada por dois tipos de fatores, incluindo psicológicos (tais como, agressividade, violência e submissão).

A lista de fatores biológicos inclui infeções ou inflamações vaginais, transtornos endócrinos, hipoestrogenismo e nevralgias como as do pudendo. O diagnóstico é feito através da análise do exsudado vaginal, do perfil hormonal e da TAC. O tratamento assenta no controlo do fator desencadeante identificado. O sexo é determinante no relacionamento de um casal e na reprodutividade e, logo, fundamental para a humanidade.

Para além disso, «é uma forma de comunicação e de linguagem particular e específica do casal, o que o torna fundamental como elemento integrador da relação. Por isso, não é de mais valorizá-lo», defende Vaz Santos. Assim, se sente que sofre de uma das disfunções sexuais femininas descritas anteriormente, não se iniba, não esconda as suas preocupações e procure ajuda.

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Onde procurar ajuda

«Presentemente, são os sexólogos, os psiquiatras e os psicólogos com esta vertente que estão predominantemente orientados para analisar o estudo destas disfunções. Atendendo ao carácter de organicidade que tem vindo progressivamente a ser demonstrado, os urologistas com vertente andrológica e os ginecologistas são hoje a melhor solução», explica o urologista.

É essencial avaliar a sua saúde ginecológica, o perfil hormonal e realizar alguns exames que despistem alterações orgânicas já existentes. Também se recomenda que procure uma clínica especializada para ser avaliada e corretamente tratada.

Texto: Cláudia Pinto com revisão científica de Vaz Santos (médico urologista)