Os nossos direitos e deveres enquanto doentes estão consagrados na lei mas são também uma obrigação contratual tácita entre nós e o médico.

«Trata-se de uma aliança sagrada, baseada na confiança de parte a parte. É um contrato muito importante, não só para a cura como para a promoção da segurança», esclarece José Fragata, cirurgião cardiotorácico e autor do livro Segurança dos Doentes (Lidel) .

«Se uma das partes o violar ambas têm o direito de decidir seguir outro caminho em qualquer altura. O peso da responsabilidade não está só do nosso lado mas também do lado do doente», acrescenta o especialista. Este artigo ajuda-o a assumir um papel ativo no exercício da responsabilidade pela proteção da sua saúde.

Os seus direitos

- Ser tratado com dignidade

Este princípio deve estar patente nos aspetos técnicos, atos de acolhimento, orientação e encaminhamento, assim como, revela o site da Direção-Geral da Saúde (DGS), nas «condições das instalações e equipamentos». O doente deve ser informado sobre a «identidade e a profissão de todo o pessoal que participa no seu tratamento». Segundo José Fragata, «os atos de saúde são de uma enorme responsabilidade, como tal, os profissionais devem estar devidamente identificados. Caso isso não aconteça, o doente pode exigi-lo».

- Respeito pela convicções culturais filosóficas e religiosas

As instituições devem respeitar os valores religiosos e culturais, deve ser proporcionado apoio espiritual se o doente o solicitar e as unidades de saúde devem facilitar a presença de familiares. José Fragata exemplifica o caso do Hospital de Santa Marta. «Se um doente pedir, providenciamos a vinda de um sacerdote imediatamente», afirma. O respeito pelas práticas religiosas está sempre equacionado. Há, contudo, situações específicas em que surgem dilemas éticos. É o caso das testemunhas de Jeová.

«Damos garantias de que tratamos o doente com todos os meios possíveis para que não tenha de levar sangue, mas se a vida do doente estiver em risco, não deixaremos de fazer a transfusão. Estas condições são previamente comunicadas ao doente que pode aceitá-las ou não. Fazemo-lo por questões também éticas que não nos permitem deixar morrer por este motivo. A consciência é transversal», justifica. «Facilitamos sempre a presença de familiares, mas podem haver limitações por questões técnicas. Logisticamente, tem de haver um horário de visitas. Os quartos não são individuais e o conforto de um doente não pode prejudicar o de outros», acrescenta.

- Ser informado sobre o seu estado de saúde

A informação deve ser clara, tendo em conta a personalidade, instrução e condições clínicas e psíquicas. O doente deve ser informado sobre o diagnóstico, evolução da doença, tratamentos, riscos e alternativas terapêuticas. «O doente pode questionar o que quiser e o médico deve responder a todas as perguntas. Tem o direito de ser informado e de dizer que não quer ser informado. Nesse caso, não o será. No Hospital de Santa Marta, por exemplo, há uma sala para conversas difíceis nas quais pode estar presente o médico, o enfermeiro e, por vezes, a psicóloga. O doente pode fazer-se acompanhar de quem quiser», explica o especialista.

- Obter uma segunda opinião

O parecer de outro médico, refere o site da DGS, «permite ao doente
complementar a informação sobre o seu estado de saúde» e tomar uma
decisão sobre o tratamento a adotar. «Se o doente quiser ter uma segunda
opinião médica pode solicitá-la no hospital ou a um médico de outra
unidade. No caso de decidir ser tratado e acompanhado noutra
instituição, o médico escreve uma carta e procede à transferência. As
suscetibilidades existem para serem feridas se está em causa um valor
superior e não são nada em comparação com o interesse e a segurança do
doente», sublinha José Fragata.

- Dar ou recusar consentimento antes de um ato médico

O
mesmo se aplica a participações em investigações e ensaios clínicos. A
sua decisão pode também ser alterada. Em situações de emergência ou de
incapacidade o direito é exercido pelo representante legal. «O doente
não pode ser operado, anestesiado ou sujeito a exames invasivos sem
consentimento prévio», especifica José Fragata. «A lei prevê o
consentimento, mesmo verbalizado, mas é mais prático, técnica e
legalmente assiná-lo. Se se tratar de um ensaio clínico tem de haver
sempre um consentimento informado específico», refere ainda.

De acordo com o
especialista, «quando um doente decide não ser operado, tem o direito de
reconsiderar e não deverá ser penalizado por isso. Contudo, se estamos
perante uma situação em que há várias decisões ou indecisões é normal que outros doentes em lista de espera, entretanto, passem à sua frente enquanto estes tomam a sua decisão».

- Confidencialidade da informação clínica e elementos identificativos

O cumprimento deste direito envolve «todo o pessoal que desenvolve a sua atividade nos serviços de saúde». Informações sobre a situação clínica, diagnóstico, prognóstico, tratamento e dados de caráter pessoal são confidenciais, com exceção dos casos em que der «consentimento e não houver prejuízos para terceiros, ou se a lei o determinar». «Todas as pessoas que lidam com doentes, desde a secretária ao médico, estão veiculados ao segredo profissional. A secretária do médico não fez o juramente hipocrático mas certamente que se transmitir dados confidenciais do doente será repreendida porque se trata de uma violação grave», exemplifica o José Fragata.

- Acesso aos dados registados no processo clínico

Tem o direito de conhecer os dados registados no seu processo, «devendo essa informação ser fornecida de forma precisa e esclarecedora», lê-se no site da DGS. A omissão de dados é justificável se a sua revelação for «prejudicial para o doente» ou se envolver informação sobre terceiros. «O doente tem direito à informação, não necessariamente ao processo», concretiza José Fragata. De acordo com o cirurgião, «os exames são do doente, não os devemos reter».

«É nossa obrigação dá-los ao doente mas podemos exigir ficar com uma cópia para o arquivo dos processos clínicos», acrescenta ainda. Para o especialista, a omissão da informação só se pondera se «o doente não quiser, de facto, saber, se estiver muito fragilizado ou se não estiver em condições de receber essa informação. Ainda assim, considero que a verdade tem de ser dita, embora a forma como deve ser dita deve ser piedosa».

Proteção da vida privada e possibilidade de reclamar são outros dos direitos consagrados aos doentes:

- Privacidade

«Qualquer ato de diagnóstico ou terapêutica» só pode ser realizado na presença de «profissionais indispensáveis para a sua execução», a não ser que o consinta ou peça a presença de outras pessoas, refere a Direção-Geral da Sáude. Para além disso, a sua vida privada só pode ser abordada caso concorde e seja necessário para se apurar o diagnóstico ou o tratamento. 

- Reclamações

Existem nos serviços de saúde um livro de reclamações. o doente terá sempre de receber resposta às suas sugestões e queixas, em tempo útil. «Normalmente, se tem razão, é apresentado um pedido de desculpa e são comunicadas as alterações que foram introduzidas para que não volte a acontecer», diz José Fragata.

- Igualdade

Os doentes têm direito de «receber cuidados apropriados ao estado de saúde», ao nível da prevenção, terapia, reabilitação e paliativos e não «podem ser objeto de discriminação», divulga a DGS. José Fragata concretiza, afirmando que «os cuidados técnicos são iguais para todos mas têm de ser adequados à pessoa, ao seu nível cultural. não tratamos doenças, tratamos doentes».

- Cuidados continuados

Não deve haver interrupção na prestação de cuidados que «possam ocasionar danos ao doente», refere a DGS. É suposto também ser informada sobre os cuidados que deve receber em casa. Se necessário, serão disponibilizados «cuidados domiciliários ou comunitários».

Os seus deveres

O doente tem direitos mas também tem obrigações: 

- Zelar pelo seu estado de saúde

Deve «procurar garantir o mais completo restabelecimento e participar na promoção da própria saúde e da comunidade em que vive», refere a DGS.

- Fornecer as informações necessárias para o diagnóstico e tratamento

«O médico deve negar tratar um doente que deliberadamente oculta informação relevante. O ato médico é um momento de verdade. Não devo ser surpreendido quando estou a operar um coração», exemplifica José Fragata.

- Respeitar os direitos dos outros doentes

«São situações excecionais, mas se um doente se exceder, temos de falar com ele», conta o médico.

- Colaborar com os profissionais de saúde

«Os hospitais e os médicos têm o direito de declinar tratar um doente se este constantemente recusar cumprir as indicações. Não aceito transplantar um doente se sei que ele não vai tomar a medicação», exemplifica.

- Respeitar as regras dos serviços de saúde e colaborar ativamente na redução de gastos desnecessários.

Consulte na íntegra os direitos e deveres dos doentes no site da DGS.

Texto: Cláudia Pinto com José Fragata (diretor do serviço de cirurgia cardiotorácica do Hospital de Santa Maria - Centro Hospitalar de Lisboa Central)