Na última década, tem emergido um campo da investigação médica dedicado ao estudo da relação entre a vida fetal e o desenvolvimento de patologias na idade adulta.

O tema foi recentemente abordado na revista Time, pela autora do livro «Origins: How the 9 months before birth shape the rest of our lives», lançado há poucos meses nos Estados Unidos. No artigo, Annie Murphy Paul defende que os nove meses de gestação constituem o período mais susceptível das nossas vidas, influenciando o desenvolvimento do cérebro e de órgãos como o coração, o fígado e o pâncreas.

De acordo com Annie Murphy Paul, na literatura sobre o tema é possível encontrar referências às origens fetais de doenças como o cancro, hipertensão, asma, obesidade, osteoporose ou artrite. A diabetes também faz parte desta lista e é um dos exemplos apontados pela autora para reforçar a ideia de que, embora o código genético de uma pessoa interfira no desenvolvimento de doenças, a gravidez pode refinar e acentuar as tendências já presentes.

Neste caso particular, será que uma mulher com diabetes gestacional está, à partida, a aumentar as hipóteses do seu filho ser afectado por esta doença? Foi este o mote para uma conversa com Lisa Ferreira Vicente, ginecologista-obstetra, sobre esta doença que, de acordo com o Ministério da Saúde, pode afectar uma em cada 20 grávidas.

O que é a diabetes gestacional?

Trata-se da diabetes que é diagnosticada pela primeira vez numa gravidez o significa que, para a grande maioria das mulheres, é uma diabetes que surge só associada à gravidez e que depois desaparece quando nasce o bebé. Na prática, o que se verifica é que o pâncreas não consegue produzir a quantidade de insulina suficiente para gerir, na gravidez, todo o açúcar. 

Quem corre maior risco de ter diabetes durante a gravidez?

Existem quatro factores de risco que estão na base desta situação: a idade (mulheres com mais de 35 anos), a presença de diabetes tipo 2 em familiares próximos, o peso/índice de massa corporal excessivo e uma situação de diabetes gestacional em gravidez prévia. São as mulheres que se encaixam neste tipo de factores que correm mais riscos de ter diabetes durante a gestação.

Como prevenir e controlar esta doença?

Prevenir a diabetes gestacional está relacionado com a possibilidade de contornar os factores de risco. Relativamente à idade e à presença desta doença em familiares próximos, não há qualquer possibilidade de controlo. Portanto a prevenção está essencialmente relacionada com o peso e com ter-se cuidados com a alimentação com o objectivo de não engordar muito.

No fim da gravidez, estas mulheres têm de fazer a nova prova para terem a certeza de que não ficaram com diabetes. Depois, ao longo da vida, devem manter cuidados com a alimentação e fazer exercício regularmente, pois cerca de um terço das mulheres que tem diabetes gestacional futuramente terá diabetes tipo 2.

Como é feito o diagnóstico da diabetes gestacional?

Através das análises. Normalmente a diabetes gestacional não tem qualquer sintoma, ou seja, não há tendência para se verificar nenhum daqueles sinais clássicos da diabetes como, por exemplo, beber muita água.
O que se faz em Portugal é uma análise que consiste numa prova de sobrecarga com açúcar em que se testam todas as mulheres grávidas para ver se têm diabetes. Esta prova de rastreio é feita no segundo e no terceiro trimestre da gravidez.

No caso das mulheres que se enquadram nos factores de risco já mencionados, é feita a prova também no primeiro trimestre. No grupo em que dá positivo,  procede-se a uma segunda prova mais demorada e, ai sim, é feito o  diagnóstico final.

Contudo, esta  forma de diagnóstico irá  mudar muito brevemente em Portugal, pois decidiu-se acompanhar a mudança proposta este ano pela Organização Mundial de Saúde.

Como é que se esclarece se se trata de diabetes gestacional ou de uma diabetes tipo 1 ou tipo 2 que apenas ainda não tinha sido diagnosticada?

Só no final do gravidez. Se a pessoa não tem qualquer análise e conhecimento sobre os valores da glicémia antes de engravidar, quando fazemos a prova, não sabemos em que ponto é que ela está, só quando termina a gravidez é que podemos concluir se se tratou apenas de  um caso de  diabetes gestacional.

Contudo, para outras mulheres, este episódio é o diagnóstico de uma diabetes que a pessoa já tinha, mas que ainda não fora detectada. Este tipo de  casos tem aumentado porque há mulheres que vão pouco ao médico e têm filhos cada vez mais tarde, logo existe uma maior probabilidade de se ter uma doença não diagnosticada, sendo a diabetes tipo 2 mais frequente em pessoas mais novas.

Como pode a diabetes gestacional afectar a mulher e o bebé?

Na diabetes gestacional não há risco de malformações para o bebé. Contudo, podem surgir complicações durante a gravidez (maior risco de hipertensão e necessidade de recorrer a cesariana na altura do parto) e são comuns os bebés grandes (com um peso acima da média).

O filho de uma grávida com diabetes gestacional será um bebé e posteriormente um adulto diabético?

O bebé de uma grávida com diabetes gestacional não nasce com diabetes, o que se verifica é que este poderá vir a ter mais probabilidade de ter diabetes no futuro.

Ter diabetes durante a primeira gravidez aumenta a probabilidade de tal  acontecer no decorrer de uma gravidez seguinte?

Sim. Calcula-se que entre um terço e metade das mulheres que teve diabetes gestacional volta a ter a doença na próxima gravidez. Porém, se por exemplo, numa gravidez a mulher estava mais gordinha e na seguinte tem menos peso é  possível que não tenha volte a ter diabetes gestacional.

Que cuidados adicionais deve ter uma grávida com diabetes gestacional?

Com a diabetes gestacional, a mulher passa a ser seguida por um médico especialista e tem de readaptar completamente a sua alimentação, adoptando uma dieta que procure eliminar o excesso de açúcar, o que não significa suprir apenas alimentos onde a presença de açúcar é evidente (como bolos, gelados, chocolates e rebuçados), mas também diminuir o consumo de alimentos como o pão, as batatas, o arroz e as massas e mesmo algumas frutas como uvas, figos e  melão.

A ideia não é proibir o consumo destes alimentos. O que se procura fazer é elaborar um plano alimentar onde a pessoa aprende a gerir a sua alimentação. Se, por exemplo, come fruta, deve associar uma bolacha ou um bocadinho de pão para que a absorção seja mais lenta.

Além disso, passam a picar o dedo em jejum e depois de cada refeição (o que dá um total de cerca de quatro vezes) e vão anotando os valores. É através  destes dados que se verifica se tudo está bem, apenas com a dieta, ou se é preciso recorrer à insulina.

Texto: Fabiana Bravo com Lisa Ferreira Vicente (ginecologista obstetra)