Litíase renal é a designação médica para um problema conhecido como pedras nos rins. Como explica José Santos Dias, urologista do Hospital da Luz, «os cálculos são vulgarmente designados dessa forma porque consistem em cristais que se juntam, pouco a pouco e ao longo do tempo, para formar conglomerados de dimensões progressivamente maiores. A urina dos doentes com cálculos tem uma concentração destas substâncias superior à normal».

Segundo este especialista, «existem diversos tipos de cálculos urinários. Os mais frequentes em Portugal são os de oxalato de cálcio (com vários sub-tipos), mas existem outros, como os de fosfato de cálcio (também com alguns sub-tipos), de ácido úrico e cálculos de infecção, chamados de estruvite. Existem ainda outros menos frequentes, originados por problemas hereditários (como os de uma doença designada por cistinúria que causa cálculos de cistina) ou por medicamentos (como alguns retrovirais).»

Ao longo das perguntas que se seguem, irá encontrar as respostas deste especialista às principais dúvidas sobre os sintomas, formas de diagnóstico, de prevenção e de tratamento desta complicação que é uma das causas mais frequentes das cólicas renais.

Quais são os sintomas dos cálculos renais?

Os cálculos podem não originar quaisquer sintoma. Se não se deslocarem da sua posição no interior do rim e se forem de pequena dimensão, podem desenvolver-se ao longo de anos sem se manifestarem. Por outro lado, podem provocar dores muitíssimo intensas, muito fortes. Nestas situações os doentes têm invariavelmente de recorrer a um médico, geralmente em ambiente de urgência.

Por vezes, a dor é menos intensa e transitória, sobretudo se os cálculos forem mais pequenos e forem rapidamente eliminados, deixando de causar obstrução e dilatação do aparelho urinário.

Sempre que existem cálculos renais é prudente ser observado por um urologista, pois só estes profissionais poderão orientar o tratamento e seguimento destes doentes, em função de uma série de factores (tipo, dimensão, localização do cálculo, idade do doente, existência de malformações ou outras patologias renais, outros factores associados, etc.)

Os cálculos renais provocam dor ou desconforto mesmo em fases precoces?

Podem, sem dúvida, provocar. Mesmo cálculos pequenos podem causar dores excruciantes, bastando para tal que, ao deslocarem-se ao longo do uréter, provoquem uma obstrução do mesmo.

Como é feito o diagnóstico desta complicação?

Actualmente, o melhor método de diagnóstico para cálculos renais é a tomografia computorizada, vulgarmente conhecida por TAC (mais correctamente designada por TC). Permite definir a posição e dimensão exacta dos mesmos e pode mesmo sugerir a sua composição.

No entanto, nem em todos os locais e unidades é fácil ou possível efectuar este exame. Nestes casos, deverá ser efectuado um raio-x simples e uma ecografia do aparelho urinário, para tentar obter a mesma - e necessária - informação para se poder efectuar um correcto diagnóstico e consequente tratamento da situação clínica. Isto no momento da crise aguda.

Outro aspecto prende-se com o diagnóstico a mais longo prazo e etiológico. O que se pretende é determinar perceber qual o tipo de cálculo que um determinado doente tem tendência para formar, para se poderem implementar medidas preventivas, profilácticas, para tentar evitar a formação de novos cálculos e o crescimento dos cálculos já existentes.

Como se pode prevenir o aparecimento de cálculos renais?

A formação de cálculos depende de uma concentração urinária elevada da ou das substâncias que compõem o cálculo. Assim, a medida mais importante para evitar a formação e o crescimento de cálculos é a diluição da urina. Esta obtém-se com a elevada ingestão de líquidos. Os doente com litíase devem produzir dois litros de urina por dia. Além desta medida, deve tentar conhecer-se o tipo de cálculo em questão, para instituir uma dieta em que se evite a ingestão da ou das substâncias que compõem esse cálculo.

Quais são as principais causas e os factores de risco associados?

Existe geralmente uma alteração na excreção da substância que origina os cálculos. Esta alteração é própria, intrínseca aos doentes. Se a esta alteração se sobrepõe a uma ingestão não apropriada (elevada ou, pelo menos, elevada para essa pessoa) desses produtos, obtém-se uma elevada concentração urinária e uma precipitação dos cristais, com consequente formação de cálculos.

Os cálculos renais podem causar infecções ou doenças?

Existem cálculos que se associam ou são consequência de infecções. Por outro lado, muitas pessoas que têm tendência para formar cálculos têm igualmente tendência para sofrer de infecções porque ingerem poucos líquidos, apresentam uma elevada concentração urinária, muitas vezes com urina residual, permanecendo bastante tempo no aparelho urinário e fomentando o aparecimento simultâneo dos dois problemas. Por outro lado, se ocorrer uma obstrução do aparelho urinário por um cálculo, existe um risco acrescido de infecção, porque existe uma unidade renal pouco ou não funcionante, com estase [estagnação] urinária associada.

Os cálculos renais são um factor de risco para o aparecimento de cancro?

Não.

Quais os cuidados a adoptar pelo doente com cálculos renais?

Deve ingerir a quantidade de líquidos necessária para a produção de dois litros de urina por dia. O que quer dizer que é necessário ingerir mais do que esta quantidade de líquidos por dia. Isto engloba, como regra geral, todos os tipos de líquidos ingeridos, bem como a água existente nos alimentos.

Os alimentos «proibidos» ou menos adequados dependem da composição específica do cálculo de cada doente. Este tipo de recomendações deve ser efectuado por um médico especialista e, idealmente, num ambiente pluridisciplinar, envolvendo um nutricionista que poderá e deverá fazer as recomendações adequadas ao tipo de cálculo em questão.

Para alguns tipos de cálculo, é possível utilizar suplementos ou medicamentos que diminuem a tendência para a formação de cálculos ou mesmo que promovem a sua dissolução.

Que tratamentos existem hoje para o tratamento de cálculos renais?

O tratamento mais frequentemente realizado para cálculos urinários é a litotrícia extra-corporal por ondas de choque (LEOC). Permite tratar a maioria dos cálculos, de quase todos os tipos e localizações.

Alguns cálculos, pela sua composição, dimensão ou posição, não são acessíveis a este tipo de tratamento. Por exemplo, cálculos de grandes dimensões necessitam mais provavelmente de cirurgia. Cálculos que já migraram do rim e se encontram na parte inferior do uréter, poderão igualmente ter de ser tratados com cirurgia.

No primeiro caso, pode ser necessária uma cirurgia por via percutânea, ou seja, em que se acede ao rim através de um pequeno orifício na pele. No segundo, realiza-se geralmente uma cirurgia endoscópica, através da uretra, bexiga e uréter. Em alguns casos poderá ser necessária uma cirurgia laparoscópica. A cirurgia aberta, hoje, muito raramente é necessária para o tratamento de cálculos urinários.

Em que casos se aplica cada tipo de tratamento?

Como referi, a maior parte dos cálculos são tratados por LEOC. Cálculos até 15 mm ou mesmo 20 mm poderão ser tratados por esta técnica. Cálculos maiores ou mesmo mais pequenos, em determinadas localizações, poderão ter de ser tratados através da cirurgia percutânea anteriormente referida. Nestes casos, utiliza-se litotrícia já não «extra-corporal» mas sim intra-corporal ou endoscópica, com recurso a laser ou a um instrumento, designado litotritor pneumato-hidráulico, utilizado para fragmentar os cálculos.

No caso da cirurgia endoscópica retrógrada, ou seja, em que se aborda o uréter por via endoscópica a partir da uretra e bexiga (designada por ureteroscopia), podem ser utilizados os mesmos instrumentos.

Qual é a taxa de sucesso destes tratamentos?

Idealmente de 100 por cento, no sentido de se obter uma completa fragmentação e eliminação dos cálculos. No entanto, nem sempre se consegue este objectivo. Não é possível fornecer um número exacto, porque depende das características dos cálculos já referidas (tipo, dimensão, localização), da técnica mais recomendada ou seleccionada, etc.

Qual a sua opinião sobre o recurso a tratamentos da medicina alternativa, como os chás, neste tipo de complicação?

Pode ser útil como terapêutica complementar às restantes terapêuticas e, sobretudo, como auxiliar à prevenção da formação de cálculos, por vezes mesmo para tentar dissolver alguns tipos de cálculos. O problema é que cada tipo de cálculo tem características diferentes, bem como os tipos de terapêutica. Alguns não são de todo eficazes e são pura charlatanice. Outros, no entanto, são úteis e adequados para alguns tipos de cálculos. Infelizmente, podem ser prejudiciais para outros tipos, pelo que não há nenhum tipo de chá ou outros produtos que seja adequado para todos os doentes. Em alguns casos podem ser mesmo prejudiciais.

Há tratamentos alternativos eficazes?

Todos os doentes com cálculos já foram confrontados com múltiplos tipos de tratamentos alternativos, chás, etc., que são vendidos em ervanárias, farmácias e supermercados (o clássico chá «quebra-pedras», ou para «mal de piedras» ou «chanca piedra», porque muitas vezes é  comprado em Espanha). Como referi, alguns são úteis como ajuda  complementar. No entanto, não há um produto adequado para todos os tipos de cálculo e estes produtos podem mesmo ser prejudiciais e promover a formação desse ou de outro tipos de cálculos.

Texto: Sofia Cardoso com José Santos Dias (urologista)