Novas vacinas, fármacos mais eficazes e com menos efeitos secundários, tecnologias inovadoras aplicadas à medicina, grandes esperanças para doentes até agora sem tratamento, técnicas cirúrgicas que vão ficar na história... Em Portugal e no resto do mundo, ocorreram grandes progressos na medicina que permitem a médicos e pacientes sonhar com uma melhor saúde, mais eficaz e eficiente. «A história mostra-nos que o conhecimento nada tem de imutável e acredito, inabalavelmente, que a ciência tem ainda muito para nos proporcionar», afirma João Caramês, professor catedrático da Faculdade de Medicina Dentária da universidade de Lisboa. Os avanços médicos que ocorreram em 2014 e nos primeiros meses de 2015 são prova disso.

Novas tecnologias para o cancro da próstata

Nuno Monteiro Pereira, médico urologista, diretor da Clínica do Homem e da Mulher destaca três avanços, particularmente úteis no diagnóstico e tratamento do cancro da próstata. «A popularização do uso de cirurgia robótica ganhou mais força a nível mundial e permite uma grande precisão de movimentos e uma visão muito próxima das estruturas a operar. Estão também a ser avaliadas novas tecnologias minimamente invasivas para o cancro da próstata, sobretudo a eletroporação irreversível, que já mostra resultados promissores, embora ainda não conclusivos», refere.

«Na área do diagnóstico, estão, ainda, a surgir novas técnicas tridimensionais e de fusão de imagem que permitem a realização de biópsias com elevadíssima precisão», diz ainda. Em Portugal, «já existem dois equipamentos para a realização de cirurgia robótica, prevendo-se a chegada em breve de um terceiro. Os mais frequentes órgãos operados são a próstata e o rim, quase sempre em situações oncológicas, mas a tecnologia está a avançar para outros órgãos e cirurgias», acrescenta o especialista.

As novidades não se ficam, contudo, por aqui. «Também a eletroporação irreversível já está a ser experimentalmente realizada em dois centros portugueses, prevendo-se um alargamento do número de investigadores», revela. Para um futuro próximo, o médico prefere uma postura cautelosa. «Espero que o novo ano concretize o uso ponderado, cauteloso e seguro das novas armas diagnósticas e terapêuticas no campo do cancro da próstata», afirma Nuno Monteiro Pereira.

Antipsicótico de última geração

Vítor Viegas Cotovio, médico psiquiatra e psicoterapeuta, membro do Conselho Nacional de Saúde Mental defende que, no que à psiquiatria diz respeito, o lançamento do já existente antipsicótico Paliperidona, agora sob a forma de injetável foi um grande passo, uma vez que «tem uma libertação prolongada, podendo ser dado mensalmente, o que facilita a adesão à terapêutica e previne as recaídas que ocorrem, quer por esquecimento quer porque o doente psicótico decide não fazer a medicação». O especialista explica o que o diferencia.

«Por ser um antipsicótico de última geração, é um medicamento atípico, o que significa que «os efeitos secundários, como os tremores, que são uma das grandes lutas no que diz respeito aos medicamentos antipsicóticos, não acontecem com tanta frequência ou com tanta intensidade, neste caso», refere. Para além disso, o especialista ressalva ainda o facto deste medicamento não deixar «a pessoa tão quebrada e tão sedada». O grande presente do futuro seria «a criação de um medicamento com menos efeitos secundários, menos sedativo, que não interferisse tanto no quotidiano dos doentes psicóticos», afirma Vítor Viegas Cotovio.

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Substância capaz de regredir a perda de visão

Luís Gouveia Andrade, médico oftalmologista no Hospital Cuf Infante Santo, sublinha a importância «da identificação da causa da perda de visão nas doenças da retina (em particular, a degenerescência macular relacionada com a idade e a retinopatia diabética que, no seu conjunto, são duas das mais importantes causas de perda de visão e cegueira) e o desenvolvimento de uma substância capaz de travar e/ ou regredir esse processo» terem aberto uma enorme janela de esperança para milhões de doentes em todo o mundo. O especialista acrescenta que «até recentemente, as opções terapêuticas para as doenças da retina eram muito reduzidas e nem sempre bem sucedidas».

«Em muitos casos, o papel do médico era sobretudo acompanhar e apoiar os doentes e não tanto tratá-los de um modo eficaz. A descoberta desta nova opção torna o tratamento mais simples, menos invasivo, passível de ser repetido sempre que necessário e permite, em muitos casos, uma recuperação significativa da visão perdida», conclui. Para o futuro, «o transplante da retina é solução que todos nós ansiamos, que permitiria restituir a visão a incontáveis pacientes», sublinha.

Primeiro bebé de útero transplantado

«Em 2014, um grupo sueco obteve o primeiro nascimento de uma gestação conseguida num útero transplantado, constituindo um dos maiores avanços da medicina, podendo ser comparado ao do primeiro transplante cardíaco», considera Alexandre Lourenço. O consultor em ginecologia e obstetrícia no Hospital de Santa Maria, assistente da Faculdade de Medicina de Lisboa, explica que «até à data, nenhuma mulher que não tivesse útero poderia ter um filho sem recorrer a outra mulher (denominado útero de aluguer). O  grupo já tinha realizado oito transplantes uterinos e isso, só por si, seria um grande avanço da ginecologia», assegura.

«No entanto, como órgão que só cumpre a sua função integral com a gravidez, esse facto devia ser complementado com um parto de recém-nascido vivo e viável, o que foi conseguido recentemente», salienta. De futuro, o médico «gostaria que surgissem avanços na avaliação de defeitos genéticos/ cromossómicos fetais em células fetais circulantes no sangue materno, que permitissem diminuir os custos desses testes e, a prazo, fazer com que os testes realizados por rastreios indiretos ou através da amniocentese se tornem desnecessários e obsoletos», realça.

Grande passo no tratamento da hepatite C

Jorge Canena, médico gastrenterologista do Hospital Cuf Infante Santo, professor de gastrenterologia na Nova Medical School – FCML, diz que «um dos grandes avanços no âmbito da gastrenterologia foi a introdução de novos fármacos para o tratamento da hepatite C, o Sofosbuvir e o Simepravir». São ambos «medicamentos caros» e, em Portugal, ainda «estão pouco disponíveis», critica. Para o especialista, as vantagens são preciosas já que reduzem o tempo de tratamento, apresentam um número muito reduzido de efeitos secundários e estão associadas a elevadas taxas de sucesso terapêutico.

Tal implica uma eliminação do vírus, impedindo a progressão da doença, em última análise. «Estes três aspetos são um grande passo no tratamento da hepatite C», afirma Jorge Canena. Para o futuro, «desejo a melhoria de testes genéticos para o cancro, associado a programas de rastreio para diversos tipos de tumor, programas não só mais eficazes como abrangendo maior número de pessoas», afirma o especialista.

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Novos fármacos para a diabetes

«2014 foi um ano particularmente feliz para a terapêutica da diabetes no nosso país». Quem o diz é João Jácome de Castro, médico endocrinologista, diretor do Serviço de Endrocrinologia, Diabetes e Metabolismo do Hospital das Forças Armadas. «Vimos chegar a Portugal, no princípio do ano, uma nova classe de fármacos para tratar a diabetes (os análogos GLP1) e estamos a terminar o ano com a aprovação de uma outra classe ainda mais moderna, os inibidores SGLT2, que diminuem a reabsorção de açúcar». A grande vantagem destes novos fármacos é de que, «para além de controlarem a glicemia nas pessoas com diabetes, permitirem, simultaneamente, reduzir-lhes o peso», diz.

No caso particular dos doentes com diabetes tipo 2, este efeito é especialmente importante já que «a esmagadora maioria destes doentes tem excesso de peso e obesidade, um fator de predisposição e agravamento no controlo da própria doença», constata João Jácome de Castro. De futuro, o endocrinologista «gostava que houvesse um maior investimento na prevenção da diabetes e no rastreio precoce das pessoas com diabetes», admite.

Nova esperança para doenças autoimunes

O grande avanço médico de 2014 que também  marca os primeiros meses de 2015, para Luís Romariz, médico especialista em medicina antienvelhecimento no Instituto Médico Newage foi «a consolidação de uma terapia para as doenças autoimunes e coadjuvante no tratamento do cancro, que foi iniciada em 2009, e que é a LDN [Baixas Doses de Naltrexona]». Descobriu-se que «doses mínimas de um fármaco usado no tratamento das pessoas com problemas de consumo de narcóticos eram capazes de aumentar a imunidade», refere.

As coisas evoluíram «ao ponto de curar algumas dessas doenças, tais como a artrite reumatoide, o lúpus, a psoríase, a esclerose múltipla ou cancro do pâncreas», sublinha o especialista. No que ao futuro diz respeito , o médico é bastante ambicioso. «Gostava que se descobrisse um fármaco com verdadeira ação no alongamento dos telómeros. Poderíamos aspirar à vida eterna», admite o médico.

Novos tratamentos contra o melanoma

Fátima Cardoso, médica oncologista, diretora da Unidade de Mama do Centro Clínico Champalimaud e secretária-geral da European Organisation for Research and Treatment of Cancer, designa 2014 como o ano do tratamento do melanoma. «Para este cancro, frequentemente fatal, as possibilidades terapêuticas eram muito reduzidas, existindo neste momento tratamentos capazes de prolongar a vida dos doentes com melanoma avançado, cujo princípio ativo é o anti-PDL1». Um desses tratamentos «representa uma das primeiras aplicações clínicas eficazes de imunoterapia na área da oncologia», alerta.

Apesar disso, a melhor arma para combater este tipo de cancro continua a ser a prevenção. «Esta doença é curável, mas apenas quando diagnosticada precocemente», adverte a médica. Quanto ao futuro, a oncologista é peremptória.  «Se os conhecimentos atuais fossem bem utilizados para tratar todos os doentes com cancro, a mortalidade seria substancialmente reduzida. Assim, desejo que todos os doentes possam ser tratados segundo as recomendações internacionais publicadas, por médicos experientes e humanos e que tenham acesso aos melhores tratamentos», acrescenta ainda.

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Novo fármaco para insuficiência cardíaca

Para Manuel Carrageta, médico cardiologista, presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia, «o maior avanço na área da cardiologia» para o tratamento de «uma doença com uma mortalidade muito elevada e que causa grande sofrimento aos doentes (cansaço, falta de ar, edemas)» é um novo medicamento que tem uma molécula mista composta por dois fármacos (Valsartan e Sacubitril)» e que tem «mostrado efeitos muito benéficos, com grande redução da mortalidade, quando comparado com as terapêuticas atuais». Para o futuro, o cardiologista deseja que «o novo tratamento para a insuficiência cardíaca seja rapidamente aprovado em todo o mundo e que também os doentes portugueses possam, em breve, beneficiar dele».

Melhoria do tratamento ao doente reumático

Na área da reumatologia, «assistiu-se à sedimentação e implementação de tendências que se vinham a delinear nos anos anteriores, a amplificação da rede de prestação de cuidados reumatológicos em meio hospitalar a nível nacional e o fortalecimento daquela que foi a maior revolução no tratamento das doenças inflamatórias reumáticas nos últimos anos, a utilização de terapêuticas biotecnológicas, regida por normas de boa prática clínica e com registo informático num processo clínico eletrónico da reumatologia, o Reuma.pt», refere Augusto Faustino. As palavras do médico reumatologista da Clínica de reumatologia de Lisboa e do instituto Português de reumatologia são reveladoras.

«O corolário destes dois factos foi permitir que os doentes reumáticos possam mais facilmente ser consultados pelos médicos especialistas mais habilitados, e que as situações reumatológicas mais graves, e potencialmente mais agressivas e destrutivas, possam ser tratadas com propriedade clínica e em segurança, com os fármacos mais adequados e mais efetivos para a sua abordagem», destaca. De futuro, o médico gostaria que se verificasse uma mudança de paradigma na área da reumatologia, «deixando os médicos e os doentes reumáticos de procurar um diagnóstico definitivo, centrando-se na deteção de sinais e sintomas precoces de doença reumática, habitualmente associados à existência de inflamação», diz.

Teste pré-natal mais completo

De entre os vários avanços na área da genética, a especialista Purificação Tavares geneticista e directora do CGC Genetics salienta «o facto de o teste não invasivo pré-natal, agora mais completo, dar resultado para outras anomalias muito além da trissomia 21, como a trissomia 13 e 18, síndromes de Turner, de Klinefelter e de Microdeleção, conferindo ao médico e ao casal muito maior segurança durante a gravidez». Mas as inovações neste campo não ficaram por aqui. Em 2014 ocorreu, também, «a possibilidade de realizar-se múltiplas análises de pesquisa de mutações de uma só vez com a sequenciação de nova geração (NGS)», sublinha.

«É uma metodologia que está a ser aplicada em várias especialidades médicas e que permite menos custos, um menor tempo de resposta, bem como diagnósticos antes impossíveis de doenças causadas por múltiplos genes (atrasos de desenvolvimento, retinopatias pigmentares, surdez e doenças neurodegenerativas)», informa Purificação Tavares. De futuro, a geneticista deseja que surjam mais consultas de genética médica, «de modo a que a população tenha um acesso mais facilitado a esta especialidade e às novas análises».

Melhores estratégias de tratamento e de prevenção

De entre os enormes avanços das neurociências nas últimas décadas, Belina Nunes, médica neurologista, diretora da Clínica da Memória realça «o progresso no conhecimento dos mecanismos da neurodegeneração», sobretudo relativamente às doenças de Parkinson e de Alzheimer, o que tem permitido melhores estratégias de prevenção e tratamento, nomeadamente «a Estimulação Cerebral Profunda (DBS) na doença de Parkinson, uma técnica já utilizada em vários centros neurológicos e com benefícios significativos num elevado número de doentes», aponta.

A especialista adianta, ainda, que «no campo da imagiologia cerebral, as técnicas de tratografia dão imagens maravilhosas dos feixes nervosos e começam cada vez mais a ser usadas na investigação e na prática clínica». «Esta é uma das técnicas mais promissoras para o melhor conhecimento do funcionamento do cérebro humano», considera mesmo Belina Nunes.

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Estruturas orais 3D para dentes mais sãos

Na medicina dentária, o destaque de João Caramês, professor catedrático da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa, professor adjunto da NYU e diretor clínico do Instituto de Implantologia, vai para o «início da utilização de impressoras 3D na produção de réplicas de estruturas orais, sejam elas dentárias, gengivais ou ósseas. Este é um marco importante numa área em que pontos de contacto entre engenharia mecânica e robótica, engenharia informática (hardware e software) e prestação de cuidados de saúde são cada vez mais generalizados e indissociáveis», considera.

A produção de estruturas 3D implica «a utilização de scanners e de software com graus de detalhe espantosos e que permitem a recolha de informação da cavidade oral do doente por via digital, diminuindo assim o tempo de tratamento e o seu grau de desconforto. A tecnologia utilizada aumenta a precisão dos trabalhos, diminuindo as margens de erro e permitindo a execução de próteses em poucas horas. Dado que trabalhamos com informação digital, os obstáculos físicos perdem importância encurtando distâncias entre cidades, países e continentes, aproximando doentes e equipas médicas que não partilham a mesma localização geográfica», refere ainda.

O dentista vai, ainda, mais longe quando pensa no futuro. «Embora com aplicações longe do imediato, anseio por mais investigação em células pluripotenciais, a partir das quais se possam criar tecidos biológicos perdidos, nomeadamente dentes, de forma a podemos aspirar a uma verdadeira terceira dentição», acrescenta ainda João Caramês.

Outros progressos que marcam a atualidade:

- Lente de contacto inteligente

Foi apresentada pela Google e é capaz de medir os níveis de glicose e de enviar a informação para o smartphone.

- Primeiro tratamento oral para a artrite psoriática

Foi aprovado pela Food and Drugs Administration e surge como uma alternativa aos fármacos injetáveis até então existentes, sendo um tratamento mais seguro e eficaz.

-Criado pâncreas artificial

Foi desenvolvido no reino unido com o objetivo de revolucionar a vida dos doentes com diabetes que precisam de fazer injeções diárias de insulina. Os ensaios clínicos têm início previsto para 2016.

- Primeira vacina contra a zona

Atua no gânglio nervoso onde está adormecido o vírus da varicela (herpes zoster) ajudando a prevenir a sua reativação, que leva ao aparecimento da zona.

- Primeiro tratamento específico para a rosácea

Em formato de gel tópico permite uma redução do eritema facial 30 minutos após a aplicação, com resultados até 12 horas. É vendido mediante receita médica e o seu princípio ativo é a brimonidina.

- Portugueses descobrem mecanismo tumoral

A descoberta do mecanismo que promove o crescimento do cancro do ovário foi realizada por uma equipa de cientistas do Instituto de Medicina Molecular em Lisboa e vem abrir portas ao desenvolvimento de terapias, ao nível da imuno‑oncologia.

- Primeiro tratamento para disfunções da marcha

É uma nova esperança para quem sofre de esclerose múltipla. Permite a libertação prolongada da substância ativa fampridina. A sua utilização, em meio hospitalar, foi recentemente autorizada.

Texto: Catarina Caldeira Baguinho