Nos dias que correm, há mais, mas o número não está a aumentar. Parece um paradoxo mas não é. Novos estudos internacionais asseguram que há maior registo oficial de casos porque anteriormente eram muitas as situações de autismo que eram mal diagnosticadas e que não eram consideradas como tal. Uma investigação publicada no British Medical Journal, que alerta para diferentes formas de avaliação da perturbação, também aponta nesse sentido. Muitas pessoas com dificuldades de aprendizagem ou a quem eram apontados atrasos mentais eram, na realidade, autistas, concluem agora várias análises.

A perturbação do espetro do autismo é uma desordem global do desenvolvimento neurológico envolvendo zonas cerebrais responsáveis pela comunicação, emoções e sentidos. «Esta alteração cerebral põe em causa a capacidade da pessoa comunicar, responder adequadamente e estabelecer relacionamentos», explica Nora Cavaco, professora universitária na área da educação especial e investigadora especializada em autismo, saúde e psicologia, autora do livro «Pedro Abraço, o menino autista».

A perturbação que provoca dificuldades de relacionamento

De etiologias múltiplas, o autismo não é uma perturbação degenerativa mas apresenta défices significativos em áreas cruciais do desenvolvimento humano, bastante limitativos afetando a comunicação social reciproca e emocional transversal a diversos contextos, os comportamentos revelam padrões repetitivos de atividades, tarefas e interesses. Estes comprometimentos provocam dificuldades no relacionamento com os outros diferentes de si», sublinha a investigadora.

«Assim como no entendimento, na manutenção e desenvolvimento de uma interação ou ainda relacionamento, revelando uma linguagem unilateral e inabilidade em envolver-se com os outros», acrescenta. «Mensagens com conteúdos pouco explícitos não devem ocorrer com a pessoa autista, pela dificuldade da mesma em entender para além do concreto, devendo partir das suas vivências diárias, o que limita uma conversação normal», esclarece ainda Nora Cavaco.

«A linguagem é utilizada mais para solicitar algo do que propriamente partilhar emoções, sentimentos ou simplesmente conversar», refere a especialista. «Atualmente os profissionais de educação e saúde, assim como as famílias já detêm maior informação sobre o espetro do autismo, conseguindo detetar as características do quadro do espetro desde a primeira infância», refere.

Essa situação «possibilita um despiste precoce e, segundo estudos recentes na área, [permite] avançar com um trabalho de intervenção intensivo, em conjunto, sistémico e holístico pelos técnicos e família minimizando assim possíveis agravamentos do quadro clinico da criança autista», diz ainda a docente universitária.

Três em cada 10 crianças com autismo

Atualmente, com base em pesquisas efetuadas, podemos considerar que cerca de três em cada 100 crianças são diagnosticadas com autismo, ultrapassando assim 1% da população considerada até muito recentemente com a perturbação do espetro. «Estima-se que em Portugal, estão diagnosticados mais de 65.000 autistas e que o crescimento ocorre à semelhança do que acontece noutros países», avança a especialista.

Pessoas que apresentam «os diversos níveis de gravidade, assim como outras perturbações que atualmente estão englobadas no espetro (perturbação de Asperger, autismo infantil, autismo de Kanner, autismo de alto funcionamento, autismo atípico, perturbação global do desenvolvimento sem outra especificação, perturbação desintegrativa da segunda infância)», elucida ainda Nora Cavaco.

Veja na página seguinte: O sexo mais afetado por esta perturbação

A nova visão do autismo 

«Esta nova visão do autismo, em que quem apresenta uma perturbação do espectro é denominada autista, faz com que possivelmente as estatísticas atuais relatem números mais elevados de crianças, jovens e adultos autistas o que pode advir de uma maior sensibilidade na percepção da perturbação», refere a especialista, que aponta como causas «uma investigação mais eficaz, também fruto da aglomeração dos critérios de diagnóstico apresentados atualmente no novo DSM-V ou um verdadeiro aumento de crianças com autismo, o que é alarmante», critica.

O sexo mais afetado por esta perturbação

O sexo mais afetado por esta perturbação é o masculino. «Diagnosticada a perturbação quatro vezes mais em meninos do que em meninas, hoje a pessoa autista pode tornar-se mais funcional segundo abordagens neuroreabilitativas, psicológicas entre outras, minimizando assim as características mais agravantes considerando sempre o meio envolvente da pessoa com a perturbação».

Tal deve ser feito «através de várias metodologias de intervenção, incluindo as psicoeducativas que devem ser motivadoras e estimulantes provocando melhorias verdadeiramente significativas para a pessoa autista no respeito pelo seu temperamento, personalidade e condição no momento», considera a investigadora. «Nasce-se autista e, apesar do autismo ser uma perturbação que estará presente por toda a vida do sujeito, esta vida pode ser feliz», acredita.

Apesar dessa condição, é possível «desenvolver uma funcionalidade que lhe permita integrar-se na sociedade a que pertence. Para isso, é emergente saber detetar as características diagnósticas nucleares no seu desenvolvimento e com uma intervenção eficaz para promover as potencialidades em detrimento das fragilidades, considerando os vários elementos e recursos que atualmente temos ao nosso dispor», alerta Nora Cavaco.

Texto: Luis Batista Gonçalves com Nora Cavaco (professora universitária na área da educação especial e investigadora especializada em autismo, saúde e psicologia, autora do livro «Pedro Abraço, o menino autista»)