Um estudo canadiano vem questionar a validade desta técnica de rastreio enquanto estratégia de prevenção do cancro da mama.

A recente investigação, denominada «Canadian National Breast Screening», liderada por uma equipa de investigadores da Universidade de Toronto e publicada no primeiro trimestre de 2014 no British Medical Journal, veio reacender a polémica.

Deverá a mamografia continuar a ser considerada o método mais fiável e indispensável de rastreio do cancro da mama ou há um recurso injustificado a este exame? Duas especialistas nacionais, contactadas pela Prevenir, não concordam com as conclusões da investigação e defendem as diretrizes atuais na prescrição deste exame.

A metodologia adotada pelos investigadores

O estudo «Canadian National Breast Screening» é já considerado a investigação mais relevante realizada até ao momento com o objetivo de avaliar se a mamografia, ao ser implementada como exame de rastreio, reduz o número de mortes por cancro da mama. A investigação, conduzida durante 25 anos, envolveu quase 90 mil mulheres canadianas com idades entre os 40 e os 59 anos, que foram divididas aleatoriamente em dois grupos idênticos.

O primeiro realizou um rastreio com mamografia anual ao longo de cinco anos e, nas que tinham entre 50 e 59 anos, o exame foi complementado por exame clínico, em que o médico questiona a doente em relação à existência de sintomas e realiza um exame físico em que é observada e feita a palpação da mama. No outro grupo, o rastreio consistiu apenas no exame clínico da mama, sem realização de mamografia.

As conclusões a que os investigadores chegaram

Durante os cinco anos em que realizaram mamografias anuais, foi detetado cancro da mama a 666 mulheres no grupo que efetuou a mamografia e 524 no grupo de controlo. Destes casos, ao longo dos 25 anos, no primeiro grupo morreram 180 mulheres e, no segundo, 171. Durante a pesquisa, 3250 mulheres do grupo das mamografias foram diagnosticadas com cancro da mama e 3133 do outro, com um total de 500 mortes no primeiro grupo e 505 no segundo, diferença considerada residual pelos investigadores.

Face a estes números, o estudo concluiu que, na população estudada e de acordo com a metodologia seguida, a mamografia anual não diminuiu a mortalidade por cancro da mama. O estudo concluiu, ainda, que houve um problema de sobre diagnóstico. Dessas, 106 mulheres foram submetidas a tratamentos agressivos, como quimioterapia, radioterapia ou cirurgia, «sem necessidade», afiançam os investigadores.

As vantagens da mamografia

A pesquisa revelou, no entanto, vantagens específicas das mamografias. Como comentam a radiologista Celeste Alves e Berta Sousa, especialista em oncologia médica, «apesar de o efeito na mortalidade não ultrapassar a redução que já é obtida por um exame físico ou pelos cuidados médicos com impacto na sobrevivência, no caso dos doentes em que foi realizada a mamografia o tamanho dos tumores era significativamente menor (inferior a 2 cm)».

«Foram detetados tumores por palpação que estiveram associados, com mais frequência, à presença de gânglios axilares invadidos com doença. O grupo rastreado com mamografia apresentou, também, um número maior de sobreviventes aos 25 anos (70,6 por cento versus 62,8 por cento)», sublinham ainda.

A realidade nacional

As especialistas portuguesas defendem que não se deve retirar conclusões precipitadas do estudo, por vários motivos. «É uma investigação adaptada apenas à realidade canadiana. Os autores do estudo sublinham, inclusive, que nos países em que a percentagem de cancros da mama diagnosticados com doença em fase não precoce (tumores superiores a 2 cm ou com gânglios invadidos) é elevada, a mamografia tem benefícios», avançam.

Para além disso, sublinham, «uma das principais críticas da comunidade científica é a de que as técnicas demamografia atuais têm qualidade superior à da realizada à data do estudo (1980)». Uma vez que são estes os casos mais comuns em Portugal, as médicas da Unidade da Mama da Fundação Champalimaud continuam «a recomendar a mamografia como exame essencial de rastreio».

Uma opinião que não é partilhada por Carlos Martins, investigador da Faculdade de Medicina do Porto, responsável por um estudo publicado na revista científica Plos One que «indica que os portugueses consideram que devem fazer e que costumam fazer exames de prevenção em excesso, com prejuízos financeiros para o sistema nacional de saúde e danos para a saúde das pessoas».

Afinal a mamografia é segura ou não?

Aos receios de que a mamografia possa ser prejudicial para a saúde devido ao nível de radiações a que o paciente é submetido, Celeste Alves e Berta Sousa respondem que «este exame utiliza doses de radiação muito baixas e os equipamentos modernos, com tecnologia digital, que melhoram a resolução das imagens, permitem reduzir ainda mais os níveis de radiação, os quais são equivalentes à radiação natural a que todos somos submetidos durante três meses de uma vida normal».

«Ou quase equivalente à que recebemos num dia de praia durante o verão», alertam. «Este receio não deve ser um impedimento à sua realização», asseguram as especialistas. Em Portugal, todos os anos surgem 4500 novos casos de cancro da mama, uma doença que provoca no nosso país quatro mortes por dia.

Tal significa que uma em cada dez mulheres irá desenvolver a doença em algum momento da vida. Fortes motivos para as especialistas defenderem que se «justifica realizar o rastreio através da mamografia, ou seja, exame realizado na ausência de qualquer sintoma ou sinal de doença, mas que pode identificá-la», referem ainda as especialistas portuguesas.

Os números da investigação

Os números da investigação publicada no British Medical Journal e realizada em mulheres entre os 40 e os 59 anos revelam que em 44.925 que realizaram mamografias e exames executados pelo médico foram diagnosticados cancros da mama a 3250. Dessas, cerca de 500 mulheres morreram devido a cancro da mama. Por sua vez, a 44.910 mulheres que apenas tiveram exames executados pelo médico. Foram diagnosticados cancro da mama a 3133 dessas mulheres. Cerca de 505 morreram devido ao mesmo cancro.

O que se observa numa mamografia

A mamografia é um exame de imagem do tecido mamário, obtido por meio de raios-x de baixa dose, que pode detetar irregularidades, como nódulos e calcificações, que são sinal de um tumor ou cancro, antes que ele seja descoberto por palpação. Os tumores da mama podem ser detetados numa fase precoce (confinado à mama) e de menores dimensões.

Este é um exame prioritário como técnica de rastreio em todas as mulheres a partir dos 50 anos. Em mulheres com fatores de risco (casos de cancro da mama em familiares diretos, como sejam mãe, pai e irmãos e/ou ser portadora do gene de cancro da mama hereditário e/ou, ainda, ter sido submetida a tratamento de radioterapia antes dos 30 anos por outro tipo de doenças) é aconselhado a partir dos 35 a 40 anos.

Texto: Fátima Lopes Cardoso com Berta Sousa (especialista em oncologia médica da Unidade de Mama do Centro Clínico Champalimaud), Celeste Alves (radiologista da Unidade de Mama do Centro Clínico Champalimaud) e Carlos Martins (investigador da Faculdade de Medicina do Porto)