Um dos mais proeminentes pediatras mundiais –T. Berry Brazelton – apresenta Ann Pleshette Murphy como uma das suas heroínas. Ao percorrermos as páginas do seu livro «As sete etapas da maternidade», é fácil perceber porquê.

Com base em entrevistas a pediatras e conversas com diversas mulheres, Ann Pleshette Murphy faz uma leitura inovadora deste papel, revelando a todas as mulheres que se preparam para ser mães as mudanças que as esperam.

A primeira delas – a gravidez – é o ponto de partida da entrevista que se segue. Preparada para o primeiro dia do resto da sua vida?

No seu livro analisa «as sete etapas da maternidade». Qual são as mais complicadas?

A maioria das mães aponta as fases entre um e dois anos e a adolescência como as que oferecem mais desafios. Nestas etapas, a criança e o adolescente partilham uma intensa necessidade de definirem quem são, entrando muitas vezes em directa oposição com os pais. A teimosia da criança de dois anos e a raiva desafiadora do adolescente radicam na mesma necessidade psicológica de independência.

Em que circunstâncias é que uma mulher está preparada para ser mãe?

Embora não seja necessário ser casada ou ter um companheiro, é crítico que tenha uma rede de apoio. Se tem uma relação estável e é relativamente jovem, o meu conselho é que usufrua do papel de companheira antes de assumir o de mãe.

A partir do momento em que isso acontecer a sua vida transformar-se-á totalmente. A maternidade não é apenas «um desvio no caminho». Não há retorno, mas se a mulher estiver confiante e empenhada, ter um filho não se resumirá às suas capacidades financeiras. Incide antes no capital emocional que se pode dar, de uma forma que não poderíamos imaginar.

Descreva-nos uma boa mãe…

É alguém que é capaz de viver um dia de cada vez, que está liberta de expectativas perfeccionistas. Alguém que está verdadeiramente presente quando está com o seu filho, capaz de rir de si mesma. A maioria das mães é poderosa, apaixonada, criativa, paciente e orgulhosa do trabalho fantástico que faz todos os dias.

Defende que é essencial que uma mulher se conheça a si mesma quando descobre que está grávida. Porquê?

Porque compreender os factores emocionais, psicológicos, físicos e sociais que afectam o nosso comportamento é determinante para que sejamos capazes de perceber o comportamento dos nossos filhos. Quanto mais cedo fizermos essa análise melhor.

Em termos psicológicos, o que muda numa mulher quando descobre que está grávida?

Geralmente a mulher tende a fantasiar acerca do bebé ou sobre si enquanto mãe e isso faz com que esteja mais alerta em relação ao futuro. Essa é uma mudança assustadora e excitante que tanto nos pode fazer sentir fortes e preparadas ou – o que é mais frequente – entrar em «pânico» e ficarmos preocupadas se seremos boas mães. É importante mergulhar nestas fantasias, dar-lhes voz, mesmo que não sejam agradáveis.

O que diria a uma mulher que está preocupada com a hipótese de não vir a ser uma boa mãe?

Que não seja prisioneira das suas expectativas, que não estabeleça objectivos irrealistas, que não faça comparações e que não queira ser tal e qual a sua mãe. A mulher tem que pensar que está a criar a sua família e que aquilo que funcionou para a sua irmã ou prima pode não dar resultado consigo.

É apologista da ideia de que a mulher devia deixar de trabalhar algumas semanas antes do bebé nascer. Porquê?

Não advogo essa ideia se isso significar que ela irá passar as tardes a ver novelas. Acredito, contudo, que deve parar com a antecedência suficiente para reflectir sobre o que vai acontecer, conversar com o parceiro, escrever um diário, autocontemplar-se. Todas nós ansiamos e tememos a maternidade. A não ser que reflictamos sobre essas emoções, podemos ficar deprimidas ou ansiosas depois da chegada do bebé.

Seria pois essencial que o casal conversasse sobre o bebé, as suas expectativas, a divisão de tarefas…

É bom que se discutam as expectativas, antes da criança nascer, mas poucos casais o fazem. Não podemos adivinhar como nos iremos sentir, mas podemos explorar a forma como fomos educados, os valores que consideramos mais importantes e em que moldes é que a criança será educada.

Estamos habituados à imagem da mulher encantada quando vê o filho pela primeira vez. Todas as mulheres reagem dessa forma?

Para algumas mães é amor à primeira vista. Outras vivem uma sensação assustadora de distanciamento. Estão tão exaustas que tanto se podem sentir exultantes e abençoadas como subitamente esmagadas pela fadiga. Se a mulher pensar «quem é este?» ou se se sentir culpada pelo facto do seu primeiro pensamento ter sido «por favor, deixem-me dormir», não deve entrar em pânico, mas ser paciente se demorar algum tempo a estabelecer laços com a criança.

Qual a melhor forma de lidar com a ansiedade e o medo, nos primeiros tempos após o nascimento da criança?

Os bebés parecem extremamente frágeis mas são muito resilientes. A verdade é que muitas vezes preocupamo-nos em relação aos filhos porque nós próprias nos sentimos frágeis. Por isso é importante que a mulher tenha ajuda nos primeiros tempos. Se não puder contar com o apoio da família, deve procurar o auxílio de amigos ou mesmo contratar alguém que não se limite a mostrar-lhe como tomar conta do bebé mas que também a ajude a tomar conta de si.

E que estratégias podem ajudar a lidar com o cansaço?

Definir na agenda períodos de descanso e assegurar-se que o parceiro colabora o máximo possível. Não se deve também permitir que os familiares invadam a nossa casa, a menos que possam ajudar.

Que mulheres estão mais propensas a ter uma depressão pós-parto?

A depressão pós-parto afecta mais de vinte por cento das mães, sendo que as que já passaram por essa situação ou que tenham antecedentes familiares de depressão correm maior risco, assim como as que não têm uma forte rede de apoio ou que se sentem isoladas. Se a mulher se sentir irritada, triste, desesperançada ou excessivamente preocupada deve procurar o apoio de um especialista em saúde mental o mais depressa possível.

Quais são os segredos das mulheres que conseguem conciliar com sucesso a maternidade e o trabalho?

Elas conseguem a ajuda que precisam, quando precisam. Não tentam fazer tudo sozinhas e de forma perfeita. São capazes de transmitir ao parceiro as suas necessidades e trabalhar com eles em equipa, permitindo-lhes que façam a sua parte do trabalho à sua maneira.

Também estabelecem limites na sua relação com os filhos, mesmo quando trabalham muito e se sentem culpadas por não passarem mais tempo com eles. Sabem que atribuir-lhes responsabilidades é uma mais-valia e não um fardo. As investigações sobre mães que trabalham demonstram que desde que a mulher esteja satisfeita com a sua escolha – e portanto com a sua vida – a criança desenvolver-se-á plenamente.

É essencial que uma mulher encontre tempo para ela, para fazer algo de que goste?

Sem dúvida. Para ser uma boa mãe, a mulher deve prestar tanta atenção às necessidades do seu desenvolvimento pessoal como a que concede às do seu filho. Não há mal nenhum que diga ao marido que precisa de uma folga. E deve dizê-lo quantas vezes sentir necessidade.

Qual a melhor forma de gerir a culpa que muitas vezes sentem por não passarem mais tempo com os filhos?

É preciso separar a boa culpa da má culpa. A primeira é a que sentimos quando fizemos algo que realmente magoou a outra pessoa. A segunda acontece porque colocámos a fasquia demasiado elevada, esperámos demasiado de nós. É a culpa inútil do «eu devia/eu podia». Nesse caso, deve-se parar para pensar de onde vem essa culpa, questionar «estará alguém a fazer-me sentir assim?»... Por fim, as mães têm de perceber que dizer sim a si mesmas não significa que estejam a dizer não ao filho.

Dê-nos três regras de educação que qualquer mulher deveria seguir …

A mãe deve escolher as suas batalhas. Não pode controlar todos os comportamentos da criança, por isso o melhor é escolher três ou quatro pontos que considere relevantes. Depois é necessário estabelecer regras claras e consequências para esses comportamentos. E finalmente, ser firme. Se, na prática, não existirem consequências face a determinadas atitudes, a criança acabará por infringir as regras e a mãe ficará simplesmente zangada e frustrada.

A relação conjugal muda logo a partir do momento em que o casal sabe que está à espera de um filho?

Muitos casais tornam-se mais próximos quando a mulher fica grávida. O pai pode revelar-se muito afectuoso e protector, mas também preocupado com a ideia de poder magoar o bebé durante as relações sexuais. A mulher deve descansá-lo e explicar-lhe que não há qualquer possibilidade de isso acontecer. É também importante que ela não pense que não há qualquer hipótese do companheiro a achar sexy. Acredite no seu parceiro quando ele lhe diz que está linda!


O que é essencial para se ter uma vida sexual satisfatória durante a gravidez
?

Manter o sentido de humor – especialmente no final da gravidez. Na verdade, as novas medidas da silhueta feminina possibilitam que o parceiro redescubra o corpo da mulher e permitem que o casal experimente novas posições. Algumas mulheres constatam que o aumento do fluxo sanguíneo na região pélvica aumenta o prazer, enquanto outras estão cansadas e raramente têm vontade de ter relações sexuais.

Quanto tempo após o parto é que a vida sexual do casal volta ao normal?

Existe uma enorme variação, mas a maioria das mulheres que entrevistei demorou três, quatro meses a sentir-se novamente entusiasmada com o sexo.

Depois do bebé nascer, o que é essencial para que o casal consiga preservar a sua intimidade?

A mulher tem de se lembrar que o parceiro não tem o poder de ler a sua mente. Se se sente gorda, cansada, triste ou zangada, deve dizer-lhe. Permitir que o pai passe tempo a sós com a criança é também muito importante porque, de outra forma, ele irá sentir-se posto de parte, especialmente se a mulher estiver a amamentar.

Como pode o homem contribuir para que os nove meses sejam memoráveis? Durante a gravidez, o pai também vive mudanças a nível emocional?

Os homens passam por uma série de transformações emocionais. Questionam-se se serão bons pais, sentem alguma pressão na gestão da vida profissional e familiar, vivem mudanças profundas a nível conjugal e mesmo em relação à sua atitude à medida que os filhos crescem. No entanto, a sua vida não muda tanto como o que acontece com a mulher, assim como não experienciam os mesmos níveis de culpa ou de conflito interior.

Que conselhos pode dar a um homem que se prepara para ser pai?

O mais importante é que siga as indicações da parceira, que seja sensível às suas necessidades, que a faça sentir-se atraente – mesmo que ela não o esteja – e que se assegure que terá todo o apoio de que precisa. Também é importante que fique do seu lado perante as interferências da futura avó. Caso esta interfira de uma forma que a mulher não gosta, deve ser ele a demonstrar-lhe como é que pode ajudar e em que áreas não deve intrometer-se.  

Como é que os homens tendem a reagir às mudanças físicas femininas que ocorrem na gravidez?

A maioria sente-se orgulhoso, maravilhado e excitado quando o bebé começa a crescer e a mexer-se. Embora alguns possam não se sentir atraídos pelas novas formas da parceira, a maioria aprecia a sua beleza nesta fase.

É importante que o pai esteja presente no momento do parto?

Sim. É importante para a mulher, que sente o seu apoio (mesmo que ela lhe diga que a deixe sozinha!), e para ele porque o ajuda a sentir-se ligado ao bebé desde o primeiro momento. Por outro lado, caso algo corra mal o homem tem a oportunidade de apoiar a parceira e de interagir com equipa médica.

Texto: Nazaré Tocha com Ann Pleshette Murphy (autora da obra «As sete etapas da maternidade»)