Maria havia ultrapassado um cancro, mas uma dor intensa num braço cismava em acompanhá-la.

Os médicos procuraram traços de uma causa orgânica ou de uma raiz neurológica para aquela dor. Sem encontrarem nada. Então, como explicar aquele sofrimento indubitável?

A resposta foi dada pela Psicologia. Antes de adoecer, Maria era alvo de violência do marido, que deixara de lhe bater com o aparecimento do cancro e as queixas dolorosas. Por outro lado, sempre que se deslocava ao hospital, Maria podia ver o filho fruto de uma antiga relação.

Os psicólogos perceberam então que aquela dor era um «balão de oxigénio». Subsistia para que Maria pudesse manter o frágil equilíbrio que a doença lhe trouxera.  

Este relato não é fictício, embora o nome da protagonista seja. É um exemplo daquilo a que a Ciência chama dor psicogénica. Um dos muitos rostos da dor, esse fenómeno tão universal quanto subjectivo que agora analisamos.

Um fenómeno subjectivo

A dor é uma espécie de impressão digital. Todos temos mas não há nenhuma igual. Segundo a International Association for the Study of Pain (IASPA), a dor pode ser entendida como «uma experiência sensorial e emocional desagradável associada a uma potencial ou real lesão dos tecidos, ou descrita nos termos desses danos».

Na essência, este fenómeno assenta na transmissão de impulsos nervosos que são depois mediados por aspectos psicológicos. Acima de tudo, a dor «é uma experiência subjectiva. Cada pessoa tem a sua própria definição de dor e também uma capacidade para lidar com ela», refere Maria do Rosário Bacalhau, psicóloga clínica.

A forma como percepcionamos a dor varia individualmente, havendo uma actuação intensa do lado psicológico. «Aspectos da área da cognição, do comportamento, das emoções vão mediar a forma como somos capazes, quer de nos confrontarmos com a dor quer de a sentir como mais ou menos intensa», refere a psicóloga.

Sabe-se que a ansiedade não só pode estar envolvida no desencadear da dor, como na sua manutenção e agudização. Se a dor for prolongada, com origem numa situação maligna ou de causa desconhecida a reacção será mais negativa.

O poder do optimismo

Estar na vida de forma positiva torna o indivíduo mais resistente, não só à adversidade como à dor. Não espanta pois que os optimistas sejam mais eficazes a geri-la do que os pessimistas.

Segundo a psicóloga, «o indivíduo optimista, por norma, é uma pessoa mais criativa no encontrar de recursos e também acredita mais neles».

Por outro lado, «se a nossa postura face ao problema for desproblematizar vamos ser mais eficazes. Isto sem entrar numa relatividade tal que menosprezemos as situações graves. É um optimismo consciente», acrescenta.

Paralelamente, «têm sido feitas experiências com dor benigna em que se pede às pessoas que coloquem um braço dentro de água gelada e digam o que estão a pensar. Aquilo que se conclui é que quanto mais autoverbalizações positivas se emite - “eu vou ser capaz”, “isto não está a doer nada” - maior é o tempo que se permanece dentro da água gelada», conta a psicóloga.

Também pessoas equilibradas do ponto de vista afectivo têm uma maior capacidade de lidar com a dor e para se moldar às situações. E é curioso que negros e orientais, assim como os muçulmanos, suportem mais a experiência dolorosa. Já o sexo feminino tem maior capacidade de exprimir sentimentos ligados à dor.

Dor crónica e aguda

A dor pode ser de curta duração (dor aguda), mas também pode persistir para além do mês posterior à evolução habitual de uma lesão, surgir de forma intermitente ao longo de meses ou anos ou estar associada a patologias de longa duração (dor crónica).

«A dor oncológica é talvez o paradigma da dor crónica porque pode surgir em qualquer fase de desenvolvimento da doença e é uma dor que muitas vezes perdura para além da própria doença», descreve Maria do Rosário Bacalhau. Cerca de 30 por cento destes pacientes precisam de apoio psicológico.

A dor aguda pode «provocar sintomas de ansiedade e a sua persistência levará ao surgimento de sintomas depressivos como alterações nos padrões de sono, perda de apetite, falta de concentração e diminuição da libido. Por seu lado, a dor crónica conduz ao decréscimo do funcionamento global do indivíduo, provoca-lhe alterações da personalidade, comportamento social e capacidade de trabalho», sublinha a especialista.

No nosso país, de acordo com a Associação Portuguesa para o Estudo da Dor, calcula-se que metade dos indivíduos sofra ou já tenha sofrido dor oncológica ou dor crónica, sendo as mais frequentes a osteoartrose, lombalgias e cefaleias.

O papel dos fármacos

Cerca de 19 por cento dos europeus vive com dor frequentemente sem usar analgésicos adequados. Um terço desses indivíduos afirma ter sempre dor e um quinto assume senti-la há mais de duas décadas.

Cerca de 21 por cento sofre de depressão, 16 por cento assumiu que desejava morrer. Ora a terapêutica da dor, nomeadamente a famacológica, permite, hoje, controlar este sofrimento.

Como explica Cristina Sampaio, farmacologista, «os medicamentos para tratar a dor, analgésicos, pertencem a diferentes grupos farmacológicos e são todos relativamente antigos, mas muito eficazes na dor aguda. O grande problema no tratamento da dor é a dor crónica.»

«Assim, em termos de grupos farmacológicos dividimos os analgésicos em opióides e não-opióides. Os primeiros (cujo protótipo é a morfina) são os mais eficazes, mas devido aos problemas de segurança e ao facto de induzirem dependência são utilizados em segunda linha. A excepção a esta regra é a codeína que, sendo um opióide, é utilizada em doses baixas, no tratamento de situações relativamente triviais que cursam com dor suficientemente intensa para ser incómoda», acrescenta a especialista.

«Os não-opióides incluem o paracetamol todos os anti-inflamatórios não esteróides, classe a que também  pertence a aspirina. Além dos analgésicos, outras classes como os antidepressivos, anti-epilépticos têm elementos que podem ser úteis».

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Texto: Nazaré Tocha com Cristina Sampaio (farmacologista) e Maria do Rosário Bacalhau (psicóloga clínica)