Tiago Fleming Outeiro recebeu, da sociedade portuguesa de neurociências, o prémio de investigação em envelhecimento cerebral e demências.

As suas descobertas permitiram estabelecer uma ligação importante entre as sirtuinas (enzimas) e a degeneração das células cerebrais, abrindo caminho a uma futura abordagem terapêutica.

Em conversa com a saber viver, o investigador do Instituto de Medicina Biomolecular revela-nos a mecânica do cérebro e a importância dos esforços que ele, e outros cientistas, estão a desenvolver para desvendar os mistérios que ainda envolvem estas doenças de causa incerta, tratamento difícil e cura inexistente.

Em que consiste a investigação que está a desenvolver?

As doenças do envelhecimento estão associadas à degeneração de alguns tipos de células, nomeadamente do cérebro. Isto acontece, em grande parte, devido às proteínas que sofrem alterações e se acumulam como lixo dentro da célula. Estamos a tentar desenvolver formas de interferir com este processo de acumulação de proteínas com estruturas alteradas.

Qual o papel das sirtuinas neste processo?

Os estudos mostraram que a actividade das sirtuinas permitia prolongar o tempo de vida de vários animais como as moscas da fruta. A ligação que encontrámos entre estas enzimas e os processos de neurodegeneração é interessante porque associa o envelhecimento directamente à neurodegeneração.

O facto inovador é que promovem a acumulação do «lixo proteico» numa zona específica. Este é o mecanismo das sirtuinas relativamente à agregação das proteínas: contribuem para a organização da célula.

As sirtuinas poderão travar o envelhecimento?

O nosso objectivo é intervir e influenciar a actividade das sirtuinas para que isso possa, por um lado, ser um travão das doenças neurodegenerativas e, por outro lado, aumentar a longevidade. Neste momento, desenvolvemos moléculas que esperamos que possam vir a ser utilizadas como estratégia terapêutica, numa fase inicial ou até preventiva.

O que distingue as doenças de Alzheimer e Parkinson?

Ambas são motivadas pela morte de células embora sejam tipos de células diferentes.

Na doença de Parkinson são células associadas à parte motora, daí que a doença seja caracterizada principalmente por problemas motores.

Na doença de Alzheimer são as células relacionadas com a memória, é a parte cognitiva que está afectada.

Que papel tem a genética nestas patologias?

Há um componente genético que explica alguns dos casos mais precoces e raros. Por exemplo, na doença de Parkinson há genes identificados mas são apenas responsáveis por cinco por cento dos casos. Os restantes 95 ou 90 por cento são considerados esporádicos ou, pelo menos, ainda não conhecemos factores genéticos que os expliquem.

Ambas as doenças são difíceis de diagnosticar. O que explica esse problema?

O diagnóstico é feito quando as pessoas têm sintomas. Tal não acontece numa fase precoce, porque os processos de degeneração começam anos antes do aparecimento dos sintomas. Estamos a desenvolver esforços para perceber quais são os sinais mais precoces da doença e prever o seu aparecimento.

Que formas de tratamento existem?

São tratamentos sintomáticos, que tentam ajudar a atrasar a progressão dos sintomas mas não têm o impacto que gostaríamos que tivessem. É uma doença que progride inexoravelmente até à morte e cujo processo pode demorar dez ou 20 anos. Atrasá-la três ou seis meses é muito pouco.

Quais são os principais factores de risco destas patologias?

O envelhecimento é o maior factor de risco para o desenvolvimento destas doenças. A melhor ferramenta preventiva é tentarmos manter-nos activos, fazer desporto e ter uma vida regrada.

As palavras-cruzadas ou sudoku são benéficos para o cérebro?

O objectivo é receber estímulos diferentes e não cair no exagero de pensar que fazer palavras cruzadas o dia todo ajuda o cérebro. Esses jogos podem ser um óptimo estímulo mas também é preciso ler, ouvir música, sair de casa, diversificar as actividades.

A que sinais devemos estar atentos?

Neste momento, não podemos apontar sinais de alarme. Se nos esquecemos das chaves vulgarmente dizemos «estou a ficar com Alzheimer», mas não é por um esquecimento que devemos ficar assustados. Contudo, se sentirmos que algo não está bem de forma recorrente devemos recorrer a um médico.

Numa sociedade em que a longevidade é cada vez maior, serão estas doenças neurológicas inevitáveis?

Pensa-se que se vivêssemos até aos 120 anos talvez viéssemos todos a ter uma doença neurodegenerativa ou uma mistura de várias. É algo que está tão associado ao envelhecimento que é quase inevitável, se não conseguirmos impedi-lo. Mas acredito que estamos perto de sermos capazes de descobrir estratégias para interferir com o aparecimento e progressão destas doenças.

Será possível um dia vir a impedir a morte das células?

Isso não é muito provável, o tempo o dirá. O que me parece mais plausível é sermos capazes de ir separando processos inerentes ao envelhecimento, ou seja, nós vamos envelhecendo mas poderemos ter à disposição medicamentos que nos permitam chegar aos 60 anos com um organismo que funcione como se tivesse 30.

Os alimentos podem proteger as células cerebrais?

O cérebro é uma máquina activa que gasta imensa energia mesmo a dormir. Nesse gasto, há acumulação de espécies reactivas de oxigénio e os antioxidantes tentam contrariar o seu efeito tóxico. Estudos laboratoriais indicam que alimentos ricos em antioxidantes — fruta, vegetais ou vinho tinto — podem ter um papel protector.

O consumo de cafeína é benéfico?

Alguns estudos mostram que a cafeína pode ter um efeito protector do cérebro. Contudo, isto são resultados ainda preliminares. Não podemos afirmar, de facto, que se uma pessoa tomar um café por dia não vai ter a doença de Alzheimer.

Os suplementos alimentares ricos em coenzima Q10 ou creatina ajudam a prevenir estas doenças?

Esses compostos enquadram-se nos antioxidantes e substâncias que promovem um melhor funcionamento energético das células. Pode ser que tenham algum efeito protector, no entanto, os estudos realizados nesse âmbito não foram capazes de prová-lo.

Texto: Manuela Vasconcelos com Tiago Outeiro (investigador)