Desde 1 de agosto que todos os novos anticoagulantes orais estão comparticipados pelo Estado Português. 
Esta comparticipação representa um salto qualitativo para os portugueses que sofrem, entre outras doenças, de fibrilhação auricular (FA), graças à possibilidade de acesso a esta evolução farmacológica, com demonstrada superioridade na redução do risco de acidente vascular cerebral (AVC) e de hemorragias graves, tendo inclusivamente um deles reduzido de forma significativa a mortalidade dos doentes com FA.
Abre-se assim um novo capítulo na história da luta contra o AVC em Portugal, esperando-se nos próximos anos uma redução das mortes e incapacidades por AVC, fruto de uma aposta renovada no controlo dos fatores de risco e no uso mais generalizado dos novos fármacos anticoagulantes orais.  

O que é a Fibrilhação Auricular?
A FA é a arritmia cardíaca mais comum, traduzindo-se por um batimento cardíaco irregular que, frequentemente, pode provocar mal-estar e palpitações. Em Portugal, estima-se que 1 em cada 40 adultos sofra de FA, sendo que a probabilidade de uma pessoa sofrer desta condição aumenta com a idade. 
Na FA, as duas câmaras superiores do coração (aurículas) não contraem correctamente para bombear o sangue para as câmaras inferiores, os ventrículos. Como resultado, o sangue pode ficar estagnado na aurícula e formar um coágulo. Estes coágulos podem soltar-se, sair do coração através da corrente sanguínea e deslocarem-se para o cérebro, bloqueando o fluxo de sangue e causando um AVC, ou podem deslocar-se para outras partes do corpo, causando um embolismo sistémico.
Muitas vezes os doentes com FA são assintomáticos, o que pode atrasar o diagnóstico, o qual pode ser feito através da realização de um electrocardiograma ou, se a arritmia condicionada pela FA for intermitente, através de um registo electrocardiográfico mais prolongado (também denominado Holter).

Recordando que o AVC continua a ser a principal causa de morte em Portugal, importa saber que um doente com FA apresenta um risco 3 a 5 vezes superior de desenvolver um AVC isquémico, comparativamente aos doentes sem esta condição, sendo que 14% dos doentes com FA já tiveram um AVC. Nestes doentes, o AVC apresenta uma maior gravidade, estando associado a um aumento de 79% na mortalidade.
Neste contexto, a forma mais eficaz de reduzir o risco de AVC isquémico, em doentes com FA, é através de medicamentos anticoagulantes orais, os quais impedem a formação dos coágulos no sistema sanguíneo e, desta forma, também o AVC.
Até há bem pouco tempo, só estava disponível no mercado um único tipo de anticoagulantes orais comparticipados, os quais apresentavam importantes limitações, ao exigirem a realização de análises todos os meses, além de muitos outros medicamentos e alimentos poderem alterar o seu efeito, tornando-os pouco previsíveis e, como tal, menos seguros.
Talvez por isso, em Portugal cerca de 34% dos casos de AVC isquémico são devidos a FA e estudos recentes demonstram que apenas 38% dos doentes portugueses com FA recebem tratamento para reduzir o risco de AVC e, destes, apenas 10% recebem o tratamento adequado. Uma das razões para este panorama negro resultava da não comparticipação da maioria dos medicamentos anticoagulantes da última geração.
Por Pedro Monteiro, Professor Universitário e Médico Cardiologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra