Isto mesmo fizeram dois nutricionistas, Vítor Hugo e Pedro Carvalho, coautores da obra “50 Super Alimentos Portugueses” (edição Matéria Prima), um alerta e sensibilização para produtos lusos, por vezes pouco acarinhados. Alguns exemplos: a “semente” de linhaça, o mirtilo e o funcho.  Em entrevista, Pedro Carvalho, explica porque é sustentável escolher produtos nacionais e as vantagens do petisco de verão nas esplanadas. O tremoço ou a amêijoa ganham, por exemplo, à batata frita ou ao croquete. Com este especialista, docente na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto, também percebemos porque há cinco alimentos que não produzimos em Portugal, mas que gostaríamos de o fazer. Na lista, o bacalhau, a canela, o gengibre, a manga e a soja. Uma conversa que aborda a nossa identidade gastronómica e uma certa recuperação de memórias sensitivas associadas aos produtos da terra. Isto em contraponto à cozinha de stress, alimentos congelados, pré-embalados e fast food.  

Estamos perante 50 alimentos “Super”. Que critérios presidiram à vossa escolha para chegaram e este best of de produtos nacionais?

O principal critério foi logicamente a produção, captura ou cultivo do alimento no nosso país. Posteriormente foi feita uma escolha com base no equilíbrio da composição nutricional do alimento, evidência de efeitos benéficos na prevenção de doença e a variedade dos próprios alimentos. Estão presentes no livro alimentos de todos os grupos da roda dos alimentos como cereais, leguminosas, frutos, hortícolas, água, pescado e ovos, gorduras e lacticínios. Foi igualmente nossa intenção chamar a atenção para o consumo de alguns alimentos cá produzidos mas que não são muito comuns na nossa alimentação como as “sementes” linhaça, batata-doce, mirtilo, etc.

Retenho, entre os fatos relatados no vosso livro, a questão (aliás por vocês sublinhada) do “pimento possuir mais vitamina C do que a laranja”. Este é um livro que desmistifica algumas “ideias feitas” no campo alimentar. Gostaria que comentasse.

Não se trata de um livro sobre mitos, no entanto, ao retratar individualmente cada alimento tentamos desmistificar algumas ideias feitas em relação a cada um deles. O pimento, em idênticas porções, tem mais vitamina C do que a laranja sendo assim outra excelente fonte alimentar desta vitamina. Também o impacto da ingestão de ovos e marisco no colesterol foram abordados tal como a quantidade de açúcar da cenoura e outras ideias erradas que por norma estão associadas a estes “super” alimentos.

Em vosso entender temos andando, os portugueses, pouco atentos à riqueza que são os nossos produtos alimentares?

Existem casos como o azeite, o vinho tinto e a generalidade do nosso peixe para os quais estamos já sensibilizados sobre a qualidade que estes apresentam quer em termos sensoriais quer do ponto de vista nutricional. Todavia, existem muitos outros que não possuem o mesmo mediatismo e pela sua fraca implementação não são tão associados a alimentos nossos. A Batata-Doce é disso exemplo pois tem mais vitaminas e minerais que o arroz, a massa e a batata sendo uma excelente opção para acompanhamento de um prato sendo ainda um produto de Indicação Geográfica Protegida (IGP) em Aljezur. De igual modo o mirtilo é um dos frutos com maior potencial antioxidante presente na nossa alimentação, no entanto 95% da produção nacional dedica-se à exportação algo que sendo positivo e muito provavelmente caso único no país, demonstra também a falta de atenção que temos para com estes alimentos. O chá verde (também produzido nos Açores) e o funcho são outros bons exemplos desta situação.

Podemos considerar que este livro é também um guia para os tempos de crise, ou seja, para economizarmos com produtos nacionais, sem perdermos saúde à mesa?

Sem dúvida. O incentivo ao consumo de alimentos saudáveis de produção nacional e respeitando a sua sazonalidade trata-se de uma necessidade cada vez maior devido ao grande défice na nossa balança comercial agroalimentar. Para além de estarmos a dar o nosso pequeno mas indispensável contributo à economia nacional estamos também a efetuar escolhas sustentáveis do ponto de vista ambiental dado que as emissões de CO2 geradas na produção de alimentos locais serão necessariamente menores do que as geradas pela importação de géneros alimentícios.

Decorrente da pergunta anterior, pode dar-nos alguns exemplos de estratégias alimentares racionais com base nos alimentos destacados na vossa obra?

Do ponto de vista prático o livro apresenta receitas e estratégias muito fáceis de adotar no nosso dia-a-dia. A escolha do tremoço, camarão, perceve ou amêijoas como alimentos saudáveis de esplanada traz sempre vantagens face a outros petiscos como as batatas fritas,  patés, rissóis, croquetes, etc. Também a preferência pelo pão ao invés de substitutos como bolachas, bolos e cereais prontos a comer acarreta vantagens do ponto de vista económico e de saúde.

Perdemos hoje uma certa sazonalidade alimentar. Temos, por exemplo, melancia e uvas no Inverno. No vosso livro preconizam um retorno às compras alimentares sazonais. Quais são as vantagens práticas?

Nas últimas páginas do livro está presente um calendário da sazonalidade de frutas e hortícolas de modo a comprarmos o que é nosso mas no momento certo. Nestes meses, temos em abundância morangos, cerejas, mirtilos, tomate e pimentos daí que esta seja a altura correta para os consumir pois adquiri-los “fora de época” apenas irá agravar o nosso défice comercial devido à necessidade da sua importação tal como a consequente pegada ecológica de tal medida.

Para além dos 50 Super Alimentos, introduzem na vossa obra cinco outros que gostaríamos de produzir. O bacalhau parece-nos evidente, dada a ligação histórica e “afetiva” dos portugueses a este produto. Os restantes quatro (canela, gengibre, manga e soja), menos. Porquê esta escolha?

Se no caso do bacalhau foi a ligação afetiva que justificou este “apadrinhamento”, nos outros quatro alimentos foram critérios exclusivamente do âmbito da sua composição nutricional que o justificaram. A optar-se por alimentos que não são nossos, então que se façam boas escolhas e a canela, gengibre, manga e soja são ótimos exemplos disso.

Enquanto nutricionista que avaliação faz, em termos genéricos, da alimentação dos portugueses?

Nos últimos anos os portugueses têm-se afastado um pouco da nossa identidade gastronómica e também eles importado uma nova maneira de estar à mesa deixando a refeição de ser muitas vezes o espaço de convívio familiar que foi em tempos. De igual modo, o stress do quotidiano levou a que as pessoas se afastassem cada vez mais da cozinha e tenham optado por soluções mais convenientes como refeições pré-preparadas e produtos congelados algo que deveria estar destinado a situações de “emergência” e não ser transformado num hábito. Ainda assim a recente vaga mais “retro” e artesanal tem recuperado alguns dos conceitos base da nossa alimentação com novas padarias e mercearias a promoverem produtos saudáveis e portugueses tal como novos supermercados e feiras de produtos biológicos que vão totalmente de encontro ao que tentamos transmitir com o livro.

Jorge Andrade